Pressões tiraram Ricardo Salles, mas política ambiental deve continuar inalterada

Para especialista em Política e Direito Ambiental da Unesp, novo ministro do Meio Ambiente não deverá focar combate ao desmatamento ou mitigação das mudanças climáticas

O anúncio da demissão ontem, quarta-feira, 23 de junho, de Ricardo Salles, que até então ocupava a cadeira de ministro do Meio Ambiente no governo Bolsonaro, pegou a mídia e a sociedade de surpresa. Salles estava no Ministério desde o primeiro dia do governo, e recentemente havia recebido manifestações de apoio ao seu trabalho por parte do presidente Jair Bolsonaro. Após o anúncio oficial de sua saída, Salles deu uma declaração à imprensa no Palácio do Planalto, mas não atendeu às perguntas dos jornalistas. Quem assume o cargo no seu lugar é Joaquim Alvaro Pereira Leite, que estava à frente da Secretaria da Amazônia e Serviços Ambientais.

Fernanda Mello Sant’Anna, especialista em relações internacionais da Unesp no câmpus de Franca e coordenadora do Grupo de Estudos em Política e Direito Ambiental Internacional da Unesp, explica que a saída de Ricardo Salles não deve significar qualquer mudança na orientação de desmonte da política ambiental brasileira em ritmo acelerado que tem sido adotada pelo governo de Bolsonaro.

A professora pondera que a saída de Salles pode ser compreendida em função das elevadas pressões, nacionais e internacionais, que vinham incidindo tanto sobre o próprio ex-ministro quanto sobre o Governo Federal. No front interno, Salles é objeto de uma investigação da Polícia Federal, autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, sobre uma suposta atuação para afrouxar o controle do Ibama sobre a exportação de madeira. Há também outro inquérito tocado pela PF, autorizado pela ministra Cármen Lúcia, que apura a suposta prática de crimes por parte de Salles com o objetivo de dificultar a fiscalização ambiental e impedir investigação que envolva organização criminosa, além de suposto crime de advocacia administrativa. No exterior, os governos dos Estados Unidos e da França já manifestaram repetidamente sua oposição ao modo como o governo afrouxou o combate ao desmatamento, especialmente na Amazônia.

Mas, embora Salles recebesse a maior parte das cobranças e pressões, ele na verdade ecoava as ideias do Presidente. “Por diversas vezes, Bolsonaro já se declarou cético quanto às mudanças climáticas”, lembra Fernanda Sant’Anna. Esse ceticismo tem se mostrado em especial no desmonte da política de combate às mudanças climáticas e ao desmatamento ilegal, “sendo que esse é um dos principais focos de emissão de gases de efeito estufa no Brasil. Esse processo tem resultado num aumento do desmatamento”, diz ela.

A pesquisadora não acredita que a chegada de Joaquim Alvaro Pereira Leite à pasta implique em mudanças. O novo ministro, aliás, foi conselheiro da Sociedade Rural Brasileira. “Ele vem de uma das principais bases de apoio do governo. Muito provavelmente, continuará com essa agenda do governo Federal, que tem promovido o esvaziamento do ministério do Meio Ambiente numa escala nunca vista desde que foi criado, em 1992”, diz Fernanda Sant’Anna. “Não devem ser adotadas medidas efetivas para combater o desmatamento e mitigar as mudanças climáticas.”

Ela questiona, porém, o fato de que esta demissão tenha ocorrido num momento particularmente tenso para o governo, no mesmo dia em que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado começou a questionar com intensidade os acordos fechados para a compra da vacina Covaxin, seguindo uma denúncia de que o negócio teria acontecido em circunstâncias escusas. “E também a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de Lei 490, que significa um enorme retrocesso na garantia dos direitos dos povos indígenas. Isso me faz indagar o que essa demissão significa, em termos políticos, para o Brasil.”

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Na imagem acima, o ex-ministro Ricardo Salles durante uma entrevista a uma rádio. Foto: Marcelo Casal/Agência Brasil.