Você não o enxerga, mas ele pode salvar a sua vida avisando-o sobre a presença de gases letais no ambiente em que você se encontra. Essa é a função de um novo sensor desenvolvido por cientistas do Instituto de Química (IQ) da Unesp, em Araraquara, que possui espessura e tamanho cerca de mil vezes menores do que pode ser visto pelo olho humano. Os resultados obtidos no trabalho geraram um artigo que foi publicado como um dos destaques da Physical Chemistry Chemical Physics, revista científica internacional da área de física e química.
A tecnologia foi testada para identificar a presença do gás NO₂ (dióxido de nitrogênio), mas também pode ser adaptada para a detecção de NO (óxido de nitrogênio), ambos gerados a partir de atividades que envolvem altas temperaturas e pressão, como a queima de combustível por automóveis (combustão) ou processos realizados em indústrias químicas, que eliminam esses gases através de suas chaminés, poluindo o meio ambiente. A natureza é ainda mais afetada em regiões onde há grandes concentrações de veículos e congestionamento. Altamente tóxico, o gás NO₂ não pode ser inalado por mais de 15 minutos quando em concentrações acima de 4 partes por milhão (ppm), sob risco de morte. O grande perigo é que esses gases não possuem cheiro, por isso a importância deles serem detectados com “narizes artificiais”.
O dispositivo desenvolvido na Unesp é feito de um composto químico chamado óxido de estanho. Ele está na forma de nanofitas, que podem ser distribuídas tanto no modo “carpete”, que parece um tapete constituído de vários “fios de macarrão”, como no modo individual, com uma única nanofita. Invisíveis a olho nu, esses “fios” são posicionados sobre os eletrodos que compõem a estrutura do sensor: “Nós utilizamos um microscópio especial que consegue fazer a manipulação dessas nanofitas, soldando-as na região de interesse”, explica Marcelo Ornaghi Orlandi, professor do IQ e um dos autores do trabalho. O sensor foi produzido com duas formulações diferentes de óxido de estanho, uma de SnO e outra de Sn₃O₄.
Para identificar o gás tóxico, os cientistas avaliam alterações na resistência elétrica do sensor, que nada mais é do que a capacidade do dispositivo em impedir que elétrons passem por ele. “A partir do momento em que o gás entra em contato com as nanofitas, a resistência elétrica do sensor aumenta, reduzindo a corrente elétrica que percorre as nanofitas, indicando que o gás está presente. A partir da interpretação dessas variações na corrente, conseguimos quantificar o NO₂ no ambiente”, afirma Marcelo. De acordo com o docente, esse tipo de sensor poderia ser instalado em indústrias ou em centros urbanos através de parcerias com prefeituras de grandes metrópoles, a fim de avaliar se as emissões estão dentro dos limites permitidos em localidades onde o trânsito é intenso.
O professor conta que, até então, nenhum dispositivo com nanofitas individuais de Sn₃O₄ e de SnO havia sido desenvolvido ou relatado na literatura científica. A novidade traz como principal vantagem o menor consumo de energia. A fita de Sn₃O₄, em particular, é feita em camadas, o que também aumenta sua área de contato com as moléculas dos gases, facilitando a identificação dos compostos tóxicos. Além disso, os novos sensores, quando produzidos em modo carpete e dependendo da forma como são soldados, podem apresentar uma capacidade melhor de detecção do que os comerciais, que são feitos de SnO₂. Testes realizados no Laboratório Interdisciplinar de Nanoestruturas e Semicondutores (LINSE) do IQ comprovaram a capacidade dos dois dispositivos em detectar o NO₂ em partes por milhão.
Segundo o professor Marcelo, o baixo consumo energético desses nanomateriais poderá ser um importante aliado da humanidade no futuro. “A crise energética é algo sério. Então, com sensores que consomem menos energia, estaríamos ajudando nesse sentido com uma ação sustentável. No futuro, nós iremos querer monitorar todos os gases presentes na atmosfera em tempo real utilizando um telefone celular, então precisamos diminuir a potência desses dispositivos de forma que eles consumam pouca energia, porém mantenham a mesma eficácia. No nosso estudo mostramos que é possível construir sensores funcionais com um único nanomaterial, que certamente é o que a indústria do futuro disponibilizará ao mercado”, relata o pesquisador.
Os cientistas estão abertos ao interesse do mercado para possíveis parcerias que possam resultar na incorporação da tecnologia na sociedade. A pesquisa da Unesp, que contou com a participação de cientistas da Universidade de Surrey, da Inglaterra, foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).
Na imagem acima, gases eliminados por automóveis e pela indústria poluindo o ar da cidade (Foto: iStock Photo)