Faltando menos de um mês para as eleições de 2022, os programas de governo têm recebido relativamente pouca atenção por parte de candidatos e eleitores. Para contribuir para dinamizar o debate, pesquisadores da área de relações internacionais decidiram se debruçar sobre as propostas apresentadas pelas candidaturas e analisá-las.
Um destes estudiosos é Karina Lilia Pasquariello Mariano, professora do câmpus da Unesp em Araraquara e docente do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP) ligado ao Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp. Ela é integrante do grupo de pesquisas Observatório de Regionalismo, que está apresentando as análises na forma de um dossiê especial.
“Constatando o vazio dos debates que tratam dessa pauta, o Observatório decidiu repetir a experiência das eleições de 2018 e lançar um novo dossiê sobre política externa e regionalismo dos programas dos presidenciáveis em 2022”, diz. “Trata-se de um tema relevante, pois a política externa estabelece a forma como o governo pretende se relacionar com os demais países. Também define prioridades internacionais do Brasil e de seus parceiros estratégicos para que os interesses da nação possam ser impulsionados”, explica. “Mas não consta nos temas centrais das discussões dos candidatos.”
Se em governos anteriores o Brasil alcançou certa notoriedade e prestígio internacional, a diplomacia nunca foi o forte da presidência de Jair Bolsonaro (PL), diz ela. Por isso, as propostas dos candidatos mais bem posicionados nas pesquisas buscam ressaltar a importância de recuperar a imagem internacional do Brasil. Nesse sentido, até Bolsonaro resolveu adotar uma postura mais flexível. “Há uma diferença interessante entre a candidatura [de Jair Bolsonaro] em 2022 e a de 2018. Nessa campanha, as diretrizes reafirmam os preceitos neoliberais e conservadores, mas elas têm um tom menos ideologizado do que foi visto em 2018”, diz.
Os presidenciáveis do topo do ranking
Neste ano, o programa do governo de Jair Bolsonaro apresenta diferenças em relação às propostas defendidas nas eleições de 2018. “Com um tom menos ideologizado, há uma preocupação em reafirmar os valores do Itamaraty e mudar o aspecto de crítica que havia sobre a ordem liberal internacional. No campo regional, não há nenhuma proposta específica para América do Sul, América Latina e Caribe. O que aparece como prioridade é a intenção de fazer parte da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, afim de auxiliar o projeto de atração de investimento, capitais e fortalecer laços com países desenvolvidos”, explica a pesquisadora.
A candidata Simone Tebet (MDB) destaca a necessidade de se recuperar a imagem internacional do Brasil. “Isso seria alcançado pela via comercial e por meio de captação de investimentos privados no exterior. No programa da candidata há propostas para a diplomacia regional, mas o Mercosul é visto como um importante grupo para atrair recursos”.
Embora traga discursos e propostas desenvolvimentistas, o programa de Ciro Gomes (PDT) não apresenta diretrizes claras de política externa. “Ele diz apenas que as negociações comerciais e diplomáticas seguirão dois princípios essenciais: a defesa dos interesses nacionais e a soberania do país. Inclusive, as principais propostas da sua candidatura não são exatamente do seu programa de governo. Constam apenas no seu site de campanha, onde ele reafirma princípios nacionais de defesa da soberania, relações multilaterais e enfatiza blocos como Mercosul e BRICS.”
As propostas da candidatura de Lula buscam retomar diretrizes de política externa implementadas durante seus mandatos anteriores, entre 2003 e 2010. A estratégia é recuperar o prestígio do país realçando a importância que o candidato já desfrutou no cenário internacional, de maneira bastante personalista. “Há um destaque grande para a América Latina, cuja integração regional é considerada uma prioridade do Brasil com os seus vizinhos. Além disso, a proposta ressalta a preocupação ambiental na política externa, reforça o compromisso em reduzir a emissão do gás carbônico, cumprir o Acordo de Paris e promover a transição energética. No entanto, o programa fica dúbio com relação a EUA e China, sem deixar claro quais seriam as prioridades com as maiores potências mundiais.”
Mais semelhanças do que diferenças
Para os analistas que colaboraram na elaboração do dossiê, no que diz respeito à política externa brasileira existe uma forte semelhança entre as candidaturas, sejam elas de esquerda ou direita. “Nenhuma delas apresenta uma agenda de política externa com inovações, o máximo que elas fazem é reafirmar compromisso com governos mais à esquerda ou, então, a necessidade de abertura comercial com maior liberalização. Mas, em geral, são propostas muito genéricas e que reforçam comportamentos que já são adotados pela política externa brasileira”, afirma.
No final das contas, o que pode distinguir a direita da esquerda é que as candidaturas da esquerda falam de reforçar as políticas com a América Latina, mas também em ativar laços com governos considerados autoritários, como Nicarágua e Coreia do Norte . Os candidatos do campo da direita, apresentam propostas mais genéricas para a região em parcerias com a União Europeia, valorizando sobretudo acordos com países desenvolvidos do Norte, como os estados europeus e os Estados Unidos.
O Observatório
Criado no âmbito do Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (Unesp/ Unicamp/ PUC-SP), o Observatório de Regionalismo (ODR) é um espaço democrático e plural de investigação e diálogo entre alunos, professores e especialistas sobre o regionalismo contemporâneo. O objetivo do grupo é fomentar o debate, estudos e atividades de extensão sobre iniciativas regionais de integração e cooperação. Atualmente, o ODR está cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, sob coordenação do professor Cairo Junqueira (UFS). O dossiê estará disponível para download gratuito em 20 de setembro no site: observatorio.repri.org/.
Para ouvir a íntegra da entrevista clique no link abaixo.
Imagem acima: Palácio do Itamaraty. Crédito: Wikimedia Commons.