Fabio Mazzitelli, Martha Martins de Morais
Cidade de cerca de 150 mil habitantes e localizada a 240 quilômetros da capital paulista, Botucatu vai abrigar um estudo de efetividade da vacina da Fiocruz (Oxford-AstraZeneca) liderado pela Unesp e pela prefeitura local. Esse tipo de pesquisa com essa vacina em uma cidade de porte médio, como Botucatu, é inédito no mundo, afirma o médico epidemiologista Carlos Magno Fortaleza, da Faculdade de Medicina do câmpus de Botucatu da Unesp, que é o principal pesquisador da iniciativa.
Aprovado nesta semana pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), ligada ao Conselho Nacional de Saúde, o estudo será feito em parceria com a Universidade de Oxford, do Reino Unido, e terá a participação de pesquisadores da Unesp, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da prefeitura local e de um braço europeu da Fundação Bill e Melinda Gates, organização filantrópica criada pelo fundador da Microsoft e com sede nos Estados Unidos. As doses da vacina serão doadas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI), com o apoio do Ministério da Saúde.
Segundo Fortaleza, o estudo vai dar a real dimensão de como esse imunizante impacta na redução do número de casos, internações e mortes por Covid-19 e deve servir de referência para outros países do mundo que o aplicam. A imunização em massa deve ser iniciada ainda neste semestre, possivelmente em maio, e a meta é atingir 100% da população elegível para a vacina, aplicada apenas em adultos (pessoas com 18 anos ou mais). O público-alvo é estimado em cerca de 80 mil pessoas.
Objetivo
Também conhecida como “estudo de vida real”, a pesquisa observará o impacto do imunizante sobre desfechos como doenças sintomáticas, internações, inclusive em UTI, e mortes. Esses desfechos serão identificados por meio dos sistemas de notificação do SUS (Sistema Único de Saúde).
O acompanhamento da população envolvida no estudo será de seis meses após a vacinação. “Todos os casos [de Covid-19 participantes do estudo] terão confirmação laboratorial e todos os vírus identificados serão sequenciados para identificação de variantes”, afirma Fortaleza, que acrescenta:
Não existe uma outra cidade no Brasil que reúna todas as condições de Botucatu neste momento. A população da cidade não é grande a ponto de inviabilizar o estudo operacionalmente, o município tem uma excelente estrutura para vacinação e uma excelente estrutura laboratorial.
A pesquisa terá três grupos de controle, que são conjuntos de habitantes usados para comparação com os imunizados no estudo: adultos não vacinados em municípios vizinhos; pessoas já alcançadas pelo Programa Nacional de Imunizações; e menores de 18 anos moradores de Botucatu.
O delineamento da iniciativa foi feito pela Unesp em encontros com a Universidade de Oxford e a Fundação Bill & Melinda Gates. A metodologia do trabalho está alinhada às indicações feitas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para avaliar efetividade de vacinas. Os laboratórios que serão utilizados para o sequenciamento genético dos casos de Covid-19 nesse estudo em Botucatu são ligados à Unesp.
“Essa pesquisa vai responder como a vacina da Fiocruz se comporta no mundo real em relação às novas cepas que estão circulando no Estado de São Paulo e no Brasil”, diz o prefeito de Botucatu, Mário Eduardo Pardini Affonseca (PSDB). “Botucatu passará a ser o centro das atenções do mundo acadêmico e científico.”
Cadastro do público-alvo
A população universitária que comprovar residência na cidade há, pelo menos, três meses terá direito à vacinação, de acordo com o prefeito. A administração municipal vai definir todos os critérios relacionados ao cadastro do público-alvo nos próximos dias, em conjunto com todas as partes envolvidas no estudo. “Nossa expectativa é que daqui a duas semanas, no máximo, a gente comece a receber as doses do Plano Nacional de Imunização para iniciar a vacinação da população”, afirma Pardini, que acrescenta:
Não adianta vir para Botucatu agora para comprovar residência na cidade.
De segurança e eficácia comprovadas, o imunizante da Fiocruz-Oxford-AstraZeneca foi aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), assim como a Coronavac, produzida no país pelo Instituto Butantan. Essas duas vacinas foram as primeiras que ficaram disponíveis à população brasileira pelo SUS.
Do ponto de vista epidemiológico, o estudo em Botucatu é comparável ao desenvolvido com a vacina Coronavac em Serrana, cidade paulista de cerca de 50 mil habitantes na região de Ribeirão Preto. “São estudos complementares no sentido de que todos estes estudos para avaliar efetividade de vacinas fornecem dados de qualidade de vida real e, juntos, colaboram para o Programa Nacional de Imunização”, afirma Carlos Magno Fortaleza.
A vacina Oxford-AstraZeneca contra o coronavírus é aplicada por dezenas de países, nos cinco continentes. A imunização é feita em duas doses, com um intervalo de três meses entre elas.
Desinformação ataca
Nas redes sociais, foi amplamente positiva a reação da população da região à notícia do estudo. Mas houve também ataques e dúvidas, quase sempre baseados em interpretações enganosas sobre a pesquisa. A vacina Oxford-AstraZeneca já passou por todas as fases de testes de segurança e eficiência antes de ser distribuída para a população – ainda que a vigilância contínua de qualquer efeito colateral seja feita na chamada fase 4.
A pesquisa inédita a ser realizada em Botucatu é um estudo clínico para medida de diversos parâmetros, fora do ambiente mais controlado das fases 1, 2 e 3 – uma atividade que é normalmente desenvolvida por pesquisadores das áreas biomédicas com vários medicamentos já aprovados.
Na imagem acima, o médico epidemiologista Carlos Magno Fortaleza, da Faculdade de Medicina do câmpus de Botucatu da Unesp. Foto: Reprodução/YouTube