Em agosto de 2024, a mídia global se voltou à Venezuela após Nicolás Maduro, no poder há 11 anos, ser novamente declarado vencedor das eleições presidenciais com 51,2% dos votos pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), presidido por um aliado de Maduro. A oposição contestou os números, afirmando que o candidato rival, Edmundo González, venceu com 70% dos votos. Autoridades dos Estados Unidos, Argentina e União Europeia pediram transparência na divulgação dos resultados, enquanto países como Rússia, China e Cuba reconheceram o resultado. O conflito resultante jogou o país numa crise política nacional e internacional, que coincide com o aniversário de 25 anos do chavismo.
Foi nos primeiros meses de 1999 que o carismático militar e político Hugo Chaves assumiu a presidência do país e abriu caminho para um movimento histórico de ascensão da esquerda que, ao longo dos anos seguintes, se expandiria para outros países da América Latina. Maduro é o principal herdeiro político de Chavez, e seu governo preserva os mesmo valores de nacionalismo e anti-imperialismo, assim como o mesmo modelo de economia. Mas muitos se perguntam quais foram, efetivamente, as conquistas alcançadas pelo chavismo neste quarto de século, e se, para alcança-las, o país precisou tornar-se efetivamente uma ditadura.
Políticas beneficiaram classes populares
Há mais de uma década, a estudiosa de relações internacionais Carolina Silva Pedroso pesquisa a trajetória do chavismo e as transformações que o movimento provocou na sociedade venezuelana. “A mudança política empreendida com o Chavismo repercutiu em todos os aspectos da vida social na Venezuela”, afirma a professora do Departamento de Relações Internacionais da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da Universidade Federal de São Paulo e pesquisadora do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais, sediado na UNESP. Na entrevista ao podcast Prato do Dia, Carolina discute o legado do Chavismo na região e aponta o caminho pelo qual um movimento popular, iniciado há 25 anos, chega aos dias de hoje imerso em uma profunda crise econômica e humanitária.
Na entrevista, a pesquisadora explica as transformações que se desenvolveram a partir da vitória de Hugo Chavez em 1999. Ele ensejou a implementação de um modelo de estado, o qual denominou de bolivarianismo, que transformou a economia e a sociedade venezuelanas. Entre as suas principais diretrizes, o governo direcionou o excedente dos recursos gerados pela produção do petróleo, o principal recurso natural do país, para financiar programas sociais que mudaram a forma como a riqueza era distribuída.
“Essas políticas tiveram um impacto gigantesco, principalmente nas classes que passaram a receber esses recursos e estavam anteriormente afastadas dos benefícios do Estado. Mas elas também repercutiram nas elites, que antes controlavam esses recursos do petróleo”, diz Carolina Pedroso. As mudanças foram fundamentais para, por exemplo, a Venezuela se tornar um dos primeiros países do mundo a atingir alguns dos objetivos de desenvolvimento do milênio, proposto pela ONU em 2000.
Se, em um primeiro momento, as políticas de transferência de renda impulsionam a popularidade do chavismo, com o passar dos anos, a economia venezuelana começou a enfrentar sérios desafios, relacionados principalmente à sua dependência da exportação de petróleo e à oscilação do preço internacional da commoditie. Ao mesmo tempo, décadas de desmantelamento da política agrícola e o conjunto de sanções econômicas impostas ao país pelos Estados Unidos, afirma Carolina, também colaboraram para agravar o cenário sócio-econômica em anos recentes.
“A atual crise migratória e humanitária complexa que a Venezuela enfrenta demonstra que, apesar de possuir uma das maiores riquezas mundiais em seu território, essa riqueza não se traduz em condições materiais dignas para sua população”, afirma Carolina. Para a pesquisadora, o colapso econômico marcado pela hiperinflação e pela escassez de bens básicos, como alimentos e medicamentos, transformou a Venezuela, de um país historicamente receptivo a imigrantes, em uma nação que atravessa a maior crise migratória da história da América Latina.
Resultado das eleições dividiu o continente
As eleições presidenciais de 2024 foram marcadas pela ação organizada e da oposição, que, com bastante apoio popular, marchou atrás do candidato Edmundo González Urrutia e sob a liderança de Maria Corina Machado, esta última impedida de se candidatar pelo regime de Maduro por estar ligada a uma tentativa de golpe em 2001. O resultado final, indicando a vitória de Maduro, foi contestado por diversos países, expondo uma divisão inclusive dentro dos governos de esquerda na região.
O Chile, governado por Gabriel Boric, não reconheceu os resultados do pleito, enquanto a Bolívia, sob liderança de Luis Arce, parabenizou Maduro. Argentina e Paraguai, com governos alinhados à direita, também contestaram o resultado da eleição venezuelana. Brasil e Colômbia, fiadores do pleito, adotaram uma abordagem mais conciliatória e evitaram declarações condenatórias sobre a crise eleitoral. “A Venezuela é o grande desafio diplomático do Brasil. O Brasil tem em sua tradição diplomática o anseio de ser uma liderança regional, mas nunca terá credibilidade para isso se nossa ‘vizinhança’ não for intermediada”, analisa Carolina.
Para ouvir o episódio completo do Podcast Prato do Dia, da Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp, sobre os 25 anos de Chavismo e seu legado na Venezuela, acesse o player abaixo ou as plataformas Apple Music, Deezer, Google Podcasts e Spotify.
Imagem acima: passeata em Caracas em 2009. Crédito: Guillermo Esteves/Wikimedia Commons.