Asteroides, também conhecidos como planetas menores, são rochas espaciais de forma irregular e com tamanhos diversos, cujo diâmetro pode variar de pouco menos de 2m até 950 km. Localizados principalmente no cinturão de asteroides, situado entre as órbitas de Marte e de Júpiter, esses objetos são remanescentes da formação do Sistema Solar, há cerca de 4,6 bilhões de anos e, por isso, seu estudo traz pistas sobre a história dos planetas e da nossa vizinhança espacial. Estimativas apontam que existem aproximadamente 2 milhões de asteroides apenas na região do cinturão, sendo que quase metade já foi identificada de alguma forma por astrônomos. Entretanto, esse número cai drasticamente quando o foco são asteroides binários, sistemas nos quais um asteroide menor, chamado de lua, orbita outro maior. Agora, um novo estudo, fruto de uma tese de doutorado da Unesp, pode aumentar em cerca de 70% o total de asteroides binários conhecidos..
Os asteroides binários guardam pistas sobre o processo de formação dos planetas do Sistema Solar, o que já lhes garantiu a atenção de inúmeras pesquisas acadêmicas e até de missões espaciais. Um exemplo é a Dart, projeto da NASA que, em setembro de 2022, alvejou o pequeno asteroide Dimorphos, que orbita o asteroide principal Didymos. Outra iniciativa é a Missão Gaia, da Agência Espacial Europeia (ESA) (veja abaixo), que tem como objetivo montar um catálogo de estrelas e, no processo, irá contribuir para a descoberta de asteroides.
O projeto europeu se mostrou particularmente promissor para a descoberta de novas rochas espaciais. Utilizando dados fornecidos pela missão, em agosto deste ano, um grupo internacional de pesquisadores descobriu 352 asteroides com potencial de terem luas próprias. Esses sistemas são conhecidos como “asteroides binários” e sua identificação tem representado um grande desafio para a comunidade científica, tanto por estarem distantes da Terra como também por serem pequenos – o tamanho de um asteroide pode variar de alguns metros a algumas centenas de quilômetros, medidas distantes das grandes dimensões astronômicas.
Devido à dificuldade de identificação, essas duplas de rochas espaciais ainda são pouco conhecidas e estudadas. Antes da publicação do artigo, sabia-se da existência de aproximadamente 500 asteroides binários, um número muito abaixo do que se estima existir: astrônomos acreditam que ao menos 16% dos milhões de asteroides conhecidos têm um companheiro.
A descoberta foi explorada no artigo Binary asteroid candidates in Gaia DR3 astrometry, publicado na revista científica Astronomy & Astrophysics. Luana Liberato, que assina como primeira autora do estudo, diz que as investigações tiveram início durante seu doutorado realizado na Unesp, no Programa de Pós-Graduação em Física e Astronomia, na Faculdade de Engenharia e Ciências, campus Guaratinguetá, sob orientação do pesquisador Othon Cabo Winter.
Na ocasião, a astrônoma realizou um doutorado sanduíche no Observatoire de la Côte d’Azur, na França, onde começou a se envolver em pesquisas utilizando os dados da missão Gaia. “Meu supervisor, Paolo Tanga, trabalha na Gaia e um dos seus objetivos era detectar asteroides binários utilizando novas metodologias, tendo como base a astrometria, que é o estudo sobre a posição dos objetos no espaço”, diz Liberato.
Uma nova forma de procurar luas de asteroides
Até a publicação do artigo, a única estratégia para encontrar novos asteroides binários era por meio de detecção direta. A detecção ocorre quando astrônomos conseguem identificar visualmente os objetos espaciais, seja pelo brilho refletido por eles ou por uma sombra projetada quando passam na frente de uma estrela. Embora esses métodos sejam úteis para a detecção e obtenção de informações precisas sobre algumas propriedades dos sistemas de asteroides binários, eles se mostram eficientes apenas na identificação de alguns tipos particulares de binários, com formatos, composição e tamanho específicos.
No novo estudo, os pesquisadores desenvolveram a primeira metodologia de detecção indireta de luas de asteroides, utilizando dados astrométricos, que indicam a posição e movimentação dos objetos. Isso significa que, agora, é possível encontrar pistas da presença desses corpos celestes sem depender necessariamente de algum sinal visual deles. A nova forma de detecção tem como foco detectar perturbações nas órbitas de asteroides conhecidos, nas quais um asteroide se move de maneira inesperada.
O que possibilitou a nova abordagem foram os dados coletados pela missão Gaia. A missão consiste em dois telescópios espaciais que orbitam o Sol a uma distância de 1,5 milhão de quilômetros da Terra. Ao longo de seu deslocamento, os telescópios captam a luz vinda do cosmos e registram os movimentos precisos de inúmeros objetos celestes para, então, produzir relatórios contendo dados sobre a posição exata e a trajetória de milhares de asteroides identificados. Tendo os catálogos em mãos, e sabendo qual é a trajetória esperada de cada corpo celeste, os pesquisadores analisaram a movimentação de mais de 150 mil asteroides procurando por sinais de “oscilações”, nome dado às divergências entre a posição esperada de um objeto e a posição observada.
Essas alterações podem indicar a presença de um companheiro, uma lua do asteroide, que por meio da atração gravitacional estaria alterando sua órbita. “Nesse novo método nós observamos apenas o efeito gravitacional que um asteroide tem sobre o outro. Não estamos encontrando os satélites em si, por isso chamamos os achados de ‘candidatos’”, explica Liberato. A alteração da órbita funciona como uma pista, um sinal para que astrônomos olhem naquela direção com um pouco mais de atenção. Além dos novos 352 candidatos, a nova metodologia também identificou 6 asteroides binários já conhecidos, o que serve para confirmar que a técnica pode gerar resultados promissores. “Antes dependíamos muito da sorte para encontrar asteroides binários. Com essa nova forma de identificação conseguimos direcionar um pouco melhor as nossas observações: se focarmos os candidatos a binários, temos mais chances de encontrar esses objetos”, afirma a astrônoma.
A busca por novas populações
Segundo a pesquisadora, essa técnica também é útil para quebrar com vieses observacionais. Por depender exclusivamente da detecção direta, os métodos existentes acabaram criando padrões de detecção nos quais costumam ser encontrados asteroides com características semelhantes. Isso dificulta e evita a identificação de novos tipos de asteroides, com formas e composições diferentes, que podem trazer informações completamente novas sobre os processos evolutivos que levam à formação dos planetas do Sistema Solar.
“Estamos acostumados com alguns tipos específicos de binários. Sabemos, porém, que existem outras populações que são subnotificadas e, por conta disso, não são pouco conhecidas. Um dos objetivos do uso dessa nova técnica de identificação é, também, tentar quebrar com os padrões de busca que existem e encontrar mais exemplos de asteroides binários pouco conhecidos”, afirma Liberato. Uma vez que a técnica envolve exclusivamente a observação de efeitos gravitacionais, abre-se a possibilidade de que os pesquisadores “quebrem o molde”, pondo temporariamente de lado os vieses usados repetidamente até agora, e que restringem a busca por candidatos a tamanhos e configurações específicos, por exemplo.
A identificação por astrometria seria um primeiro passo na busca por novos asteroides binários. Após mapear os possíveis candidatos, o passo seguinte é confirmar se as opções levantadas têm, de fato, luas próprias, ou se o efeito gravitacional se deu por alguma outra influência. Para isso, entram em cena as técnicas clássicas: tanto a busca pelo brilho emitido pelo satélite como as sombras que o asteroide ainda não descoberto pode projetar.
Por conta disso, os pesquisadores destacam que não se trata de abandonar técnicas já existentes, mas, sim, de ter um estágio anterior, que servirá como um mapa, indicando quais objetos vale mais a pena observar. Após isso, as técnicas já conhecidas entram para validar ou não os achados. Com isso em mente, Liberato destaca que os próximos passos da investigação envolvem a etapa de validação, para descobrir quantos asteroides, dos 352 candidatos, são efetivamente binários.
Representação artística do asteroide binário 90 Antíope, localizado no cinturão de asteroides entre as órbitas de Marte e Júpiter. Crédito: ESA.