Criado em 1988 pela Organização Mundial da Saúde, o Dia Mundial de Combate à AIDS, celebrado em 1º de dezembro, nasceu como a primeira campanha global de saúde voltada a uma doença específica, em um momento em que o HIV avançava rapidamente e as respostas internacionais ainda eram frágeis. Trinta e sete anos depois, a data segue necessária. Em 2024, segundo dados da UNAIDS, 40,8 milhões de pessoas conviviam com o HIV no mundo, sendo registrados 1,3 milhão de novos casos e 630 mil mortes relacionadas à AIDS.
Apesar dos avanços científicos e da expansão do acesso ao tratamento terem salvo cerca de 27 milhões de vidas desde o início da resposta global, os esforços para cumprir as metas internacionais estão em risco devido a retrocessos no financiamento e desigualdades persistentes.
Em entrevista à Rádio Unesp, a infectologista Lenice do Rosário de Souza, professora da Faculdade de Medicina de Botucatu e diretora do ambulatório especializado em infectologia do Hospital das Clínicas da Unesp, afirma que, no Brasil, o acesso ao diagnóstico tem evoluído com a ampliação dos testes em todas as unidades de saúde e boas práticas de acolhimento ao paciente. “Quanto mais precocemente se faz o diagnóstico, melhor é a evolução esperada para o doente”, explica Souza.
Ainda assim, o enfrentamento ao HIV esbarra em obstáculos sociais que dificultam a chegada das pessoas aos serviços de saúde e atrasam o início da terapia. O estigma permanece como uma das barreiras mais persistentes, afastando indivíduos do diagnóstico, prejudicando o acompanhamento clínico e influenciando diretamente a evolução da doença. Segundo a infectologista, o preconceito faz com que muitas pessoas evitem procurar atendimento ou retornar às consultas, comprometendo a adesão ao tratamento.
Desde a identificação dos primeiros casos de AIDS em 1981, o perfil das pessoas que vivem com HIV passou por transformações significativas. Como detalha a docente da Unesp, os primeiros registros concentravam-se em homens que faziam sexo com homens, grupo inicialmente mais afetado nos anos 1980. Durante a década seguinte, o cenário mudou com o aumento de casos entre usuários de drogas injetáveis, o que ampliou também o número de infecções entre mulheres que tinham parcerias sexuais com esses usuários. Com mais mulheres vivendo com HIV, cresceu a transmissão vertical, que ocorre da mãe para o bebê durante a gestação, no parto ou na amamentação e, consequentemente, aumentaram os casos diagnosticados em crianças.
Recentemente, houve um crescimento das infecções entre homens que fazem sexo com homens, especialmente na faixa dos 39 aos 49 anos, e entre pessoas não brancas, um movimento, conforme observa a especialista, associado a desigualdades persistentes no acesso ao diagnóstico e ao tratamento. Ela enfatiza que parte da população preta e parda ainda é diagnosticada mais tardiamente e encontra mais barreiras para iniciar a terapia antirretroviral, o que influencia negativamente a evolução do quadro clínico.
As estratégias de prevenção ao HIV também evoluíram ao longo das décadas, incorporando ferramentas que vão além do preservativo e da testagem tradicional. Hoje, a prevenção combinada reúne intervenções diversas, incluindo métodos como a PEP (profilaxia pós-exposição) e a PrEP (profilaxia pré-exposição), que ampliam as possibilidades de proteção e reduzem o risco de infecção de acordo com o perfil de exposição de cada pessoa. Para a infectologista, a principal lacuna não é a disponibilidade dos métodos, mas o conhecimento sobre eles. “A população precisa saber das diversas formas de prevenção, especialmente da prevenção medicamentosa”, destaca Lenice de Souza.
Além das estratégias de prevenção e do diagnóstico precoce, o enfrentamento ao HIV depende diretamente da sustentação financeira das políticas públicas que garantem tratamento contínuo, monitoramento laboratorial e acompanhamento clínico ao longo de toda a vida do paciente. O compromisso do Estado com essa estrutura é, segundo especialistas, o que define a capacidade de manter a qualidade do cuidado e evitar retrocessos na saúde. “O financiamento é importante para toda essa cadeia, do diagnóstico ao monitoramento. Sem financiamento não há o que fazer”, completa a docente da Unesp. A pesquisadora destaca que o Brasil mantém, desde 1996, um programa de acesso gratuito ao tratamento que, apesar de desafios pontuais, continua funcionando de maneira mais consistente: “Temos uma situação privilegiada, muito mais adequada do que outros países”. Para ela, mesmo com oscilações, a continuidade da política pública garante estabilidade aos pacientes e assegura os cuidados para a população.
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