Manifesto divulgado durante a COP30 é importante para discutir o combate às “fake news” na área ambiental, avalia docente da Unesp

Documento apresentado durante o evento foi subscrito por cerca de 400 organizações ambientais, científicas e sociais presentes em Belém. Pesquisadora especializada no impacto das notícias falsas na esfera das mudanças climáticas, Liliane Lucena Ito explica a importância da iniciativa para atrair atenção para desafios como desmonte de bolhas de informação e envolvimento de governos na regulação das empresas de tecnologia.

Mesmo antes do seu fim – o encerramento está marcado para hoje, 21 de novembro – a COP30 já fez história ao contribuir para denunciar publicamente um dos maiores obstáculos às discussões sobre as mudanças climáticas: as fake news que iludem a opinião pública, atravancando discussões e impedindo a consolidação de consensos para enfrentar um problema que é de todo o planeta.

Em 12 de novembro, cerca de 400 organizações científicas, ambientalistas e sociais presentes em Belém para o evento lançaram um manifesto que solicita aos governos e entidades internacionais a promoção de medidas mais robustas para frear correntes de desinformação sobre questões climáticas. O documento reclama que as fake news sobre questões ambientais dificultam a adoção de políticas públicas e classifica essas informações falsas como uma ameaça à saúde, aos direitos humanos e à segurança.

“Esse tipo de documento e as movimentações que o envolvem, principalmente em um momento emblemático como o da COP30, são algo necessário e importante. Isso gera um coro para uma causa que, muitas vezes, não está tendo muita visibilidade”, diz Liliane Lucena Ito, docente da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp, câmpus de Bauru, e que pesquisa o problema das fake news na área ambiental.

Liliane diz que as narrativas conspiratórias ou inverdades não só desviam a atenção de uma temática importante, como também criam preconceitos sobre regiões, etnias e movimentos sociais do campo. “A disseminação de informações falsas, no ambiente digital, tem afetado muito a percepção das pessoas em relação às temáticas socioambientais”, avalia.

O manifesto traz um apelo pela adoção de medidas concretas voltadas para o combate à veiculação de conteúdos falsos na internet e nas redes sociais. Cabe aos governos articular as ações regulatórias que controlem as grandes empresas de tecnologia, diz a docente. No entanto, os interesses políticos e econômicos atrelados às empresas têm resultado em uma oposição feroz às regulações. “A regulamentação é muito importante, não no sentido de censura, mas no sentido de uma responsabilização maior dessas big techs em relação ao que circula nas plataformas de redes sociais”, afirma.

Outro desafio a ser superado são as bolhas ideológicas fortificadas pelos algoritmos, as quais passam a se tornar câmaras de eco desinformadoras. “O algoritmo, nas plataformas de redes sociais, privilegia e entrega conteúdos previamente curtidos, compartilhados e consumidos por cada usuário. Isso restringe o consumo da informação apenas àquele perfil”, explica Liliane. A ação dos algoritmos impede que até mesmo as informações produzidas pelas agências de checagem, que oferecem muitas vezes um importante contraponto às fake news, acabem não alcançando o usuário. “Essa é a maior dificuldade: quebrar essa barreira e chegar até o público que precisa ser conscientizado.”

O apego a informações que confirmem vieses próprios, fenômeno chamado de pós-verdade, também é um problema. Neste tipo de comportamento, a pessoa se distancia da verdade factual, preferindo acreditar em seus afetos próprios. Transformar esse quadro passa por uma educação midiática, preferencialmente ministrada desde cedo. Esse tipo de abordagem, porém, além de ser pouco disponível no país, não gera retornos de curto prazo.

O texto do manifesto – que foi subscrito por importantes nomes do campo da luta contra as mudanças climáticas, como a Rede Internacional de Ação Climática e a ONG 350.org – ainda acusa companhias do ramo dos combustíveis fósseis de financiar campanhas coordenadas de desinformação. Também solicita políticas voltadas a assegurar a integridade da informação sobre a crise climática que é divulgada em redes sociais, nos meios de comunicação tradicionais e na publicidade, além da proteção do trabalho desempenhado por jornalistas ambientais, cientistas e pesquisadores.

“É um documento que, com certeza, faz coro a todo o ativismo socioambiental. E contribui, não sei se a médio ou a longo prazo, para projetos de lei e políticas públicas nesse sentido. Então, com certeza, tem uma relevância”, analisa Liliane.

Você pode ouvir essa entrevista na íntegra no Podcast Rádio Release, produzido pela Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp clicando aqui.

Imagem acima: Globo terresta pendurado no teto de pavilhão da Blue Zone na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), em Belém. Crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil