Política federal que estimula práticas sustentáveis na agricultura contribuiu para recuperação de pastagens danificadas pela pecuária em Minas Gerais

Estudo do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas avaliou impactos do Programa ABC sobre municípios de Minas Gerais entre 2013 e 2020. Resultados sugerem que linhas de crédito oferecidas a produtores rurais colaboraram para que áreas classificadas como pastagens semidegradadas experimentassem redução de mais de 40% no período.

Pesquisa efetuada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas, no câmpus da Unesp em Franca, avaliou o impacto que as linhas de créditos oferecidas pelo Programa ABC tiveram na adoção de tecnologias e práticas sustentáveis pelos produtores rurais de Minas Gerais. Hoje chamado de RenovAgro, o Programa está inserido em uma iniciativa mais ampla promovida pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) para estimular a agricultura de baixo carbono no país, chamada Plano ABC.

O estudo, conduzido pelo engenheiro agrônomo Marcelo Odorizzi de Campos, apontou que o Programa ABC foi eficiente em reduzir a área de pastagens semidegradadas e no aumento das pastagens sem degradação. Essa mudança, mostraram os dados, ficou concentrada principalmente nos municípios que tiveram mais acesso ao crédito do programa, que também eram aqueles que já apresentavam a maior atividade agrícola no estado. A avaliação da política pública e a constatação de seu impacto positivo para os objetivos do programa são especialmente relevantes quando se observa o contexto da produção pecuária brasileira e a sua relação com o problema crônico das pastagens degradadas no país.

Em 2024, o rebanho bovino brasileiro alcançou a marca histórica de 238,6 milhões de cabeças, reforçando a posição do país como maior produtor e exportador mundial de carne. A principal característica da produção pecuária nacional, e segundo alguns especialistas, também uma de suas principais vantagens competitivas, é que 90% desse rebanho é produzido em pastagens, tida como uma das formas mais baratas de se alimentar os animais. Não à toa, estima-se que 160 milhões de hectares do território brasileiro sejam aproveitados como pastos, o que equivale a quase 40 vezes o território da Suíça.

O lado preocupante desse cenário, entretanto, é que alguns estudos apontam que mais de 100 milhões de hectares dessas pastagens apresentam algum grau de degradação, uma área superior à soma das três principais culturas de maior interesse econômico do país: a soja, o milho e a cana-de-açúcar. Além de prejudicarem a produtividade dos rebanhos, por causa da menor quantidade de alimento disponível, áreas degradadas apresentam menor fertilidade no solo, reduzindo a sua capacidade de capturar o carbono e ampliando as emissões de gases do efeito estufa.

Recuperar pastagens degradadas é objetivo estratégico

Não à toa, a recuperação dessas áreas tornou-se uma das principais estratégias do Brasil para a mitigação da mudança climática, com amplo destaque na Política Nacional sobre Mudança do Clima e nos compromissos assumidos pelo país no âmbito do Acordo de Paris, em 2015. Tendo em vista os compromissos internacionais e os impactos econômicos e ambientais das pastagens degradadas, nos últimos anos governos têm adotado uma série de políticas públicas que, direta ou indiretamente, estimulam o investimento na melhoria dos pastos brasileiros.

O tema está presente tanto no Plano Safra, principal iniciativa de crédito rural do país, quanto no Pronaf, uma “versão” do programa voltado para a agricultura familiar. Outro exemplo é o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Áreas Agrícolas Sustentáveis (PNCPD), lançado em 2023, e que tem como objetivo recuperar até 40 milhões de hectares de pastagens degradadas até 2030.

O trabalho de Odorizzi em conjunto com outros pesquisadores da Unesp teve o foco especificamente no Programa ABC e foi publicado na revista Environmental Development e contemplou o período entre 2013 e 2020. Além da recuperação das pastagens degradadas, a iniciativa também busca fomentar outras práticas sustentáveis, como a adoção de sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta, aplicação de plantio direto, a fixação biológica de nitrogênio, o plantio de florestas e o tratamento de dejetos animais.

Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Produção Vegetal, no câmpus da Unesp em Jaboticabal, Odorizzi explica que algumas das práticas sustentáveis no campo, e que estão entre os objetivos do Programa ABC, não puderam ser avaliados por falta de dados disponíveis, como a fixação biológica do nitrogênio, o tratamento de resíduos e a adoção dos sistemas produtivos que integram lavoura, pecuária e floresta. Ainda assim, foi possível contemplar variáveis como valores do crédito destinados a cada município, área de silvicultura, áreas em que foi aplicada a técnica de plantio direto, grau de degradação de pastagens e número de cabeças de gado e PIB do município. Para isso, Odorizzi buscou dados junto ao Banco Central, ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e à rede MapBiomas, que oferece uma série histórica sobre a mudança no uso da terra no Brasil.

Segundo os autores, o fluxo de créditos do Programa ABC alcançou, de fato, os municípios com maior quantidade de pastagens degradadas. Além disso, essas regiões contempladas pelo programa concentraram a maior redução de áreas de pasto degradado. O trabalho apontou que os municípios que acessaram os créditos do Programa concentravam, em média, 16,5% das pastagens degradadas do estado, enquanto os municípios que não acessaram o crédito abrigavam, em média, 9,6% das áreas degradadas.

Em linha com as pastagens degradadas, o levantamento também observou que os créditos do Programa ABC foram acessados em maior frequência e com maiores valores em municípios com maior número de cabeças de gado (média de 58,8 cabeças por produtor nos municípios com acesso aos créditos do programa, contra 34,9 daqueles sem acesso).

“Existe relação entre recursos destinados pelo programa, número de cabeças de gado e área de pastagens degradadas. A prática de sobrepastoreo, em que se acomoda um número excessivo de animais alimentando-se do pasto, provoca pisoteando excessivo e acaba compactando o solo, dificultando a sua recuperação e causando degradação”, explica Odorizzi.

Aumento na área de pastagens saudáveis

Cabe mencionar que, segundo os dados da rede MapBiomas, entre 2013 e 2020, janela analisada pelo artigo, houve uma redução de mais de 40% nas pastagens semidegradadas em Minas Gerais. Ao mesmo tempo, também foi observado um aumento de 13,4% nas pastagens “saudáveis” no estado. Não houve uma alteração estatisticamente relevante quanto às pastagens degradadas no período.

A escolha de Minas Gerais como espaço de estudo pelos pesquisadores ocorre pela representatividade do estado no contexto agropecuário brasileiro. Além de uma produção agrícola diversificada em que se destaca a produção cafeeira, o estado abriga mais de 500 mil estabelecimentos rurais e possui o maior rebanho leiteiro do Brasil (25% da produção nacional) e o segundo maior rebanho bovino (23 milhões de cabeças de gado), segundo o IBGE ”Minas Gerais também possui um longo histórico de acessos a financiamentos rurais por meio de políticas públicas e é um dos estados que mais acessa o Programa ABC”, explica Odorizzi.

Odorizzi explica que ainda não existe uma metodologia consolidada na literatura científica para calcular a captura do carbono por algumas das variáveis consideradas no trabalho, como o aumento da área de pastagens, e por isso não foi possível incluir essa análise no trabalho. “Seria interessante trazer esse entendimento de como as remoções decorrentes da melhora na qualidade do pasto poderiam favorecer o balanço de carbono em relação ao financiamento ao programa ABC. Entretanto, ainda não é possível fazer essa análise, por enquanto”, aponta Odorizzi.

Odorizzi elaborou o estudo como parte de seu mestrado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas, no câmpus da Unesp em Franca, e diz que os resultados podem ajudar na orientação de novas iniciativas de sustentabilidade no meio rural. O pesquisador sugere, por exemplo, que as pastagens semidegradadas devem estar na prioridade de políticas que estimulem a recuperação do solo.

“Quando eu penso na emissão de carbono evitada por conta da degradação total desse pasto e no potencial de remoção de uma pastagem que se torna saudável, é muito melhor recuperar a pastagem semidegradada. Isso porque meu custo é menor para um efeito mais rápido”, explica o pesquisador. “É muito melhor investir esforços para manter o carbono que já está estocado em uma pastagem com degradação intermediária do que precisar deslocar um grande esforço em algo que vai ser muito mais custoso porque eu cheguei tarde demais e a pastagem já está há muito tempo degradando”.

Sugestão para destinar mais recursos a áreas mais pobres

Um maior refinamento dos dados coletados e disponibilizados pelas órgãos que viabilizam o Programa ABC poderia colaborar para análises mais aprofundadas. Odorizzi sugere, por exemplo, que as informações do fluxo de crédito direcionado ao produtor estejam relacionadas ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) da propriedade, ou mesmo um ponto georreferenciado. Indo além, poderia haver um controle maior de qual prática de mitigação o agricultor beneficiado aplicou na sua produção. “Isso poderia ajudar inclusive no aprimoramento dos inventários de emissão de gases de efeito estufa no Brasil”, afirma o pesquisador da Unesp. Segundo ele, a realização de novas edições do Censo Agropecuário, cujo último levantamento ocorreu em 2017, também vão ajudar a aprimorar as análises temporais. O IBGE prevê uma nova edição do Censo para 2026.

O artigo também reforça uma constatação, já feita por outros trabalhos, de que recursos de crédito de iniciativas como o programa ABC costumam fluir para regiões mais desenvolvidas, que possuem maior PIB, que abrigam produtores com mais acesso à informações do programa e dotadas de maior estrutura de agências bancárias, por exemplo. Entretanto, segundo Odorizzi, do ponto de vista de política pública, pode ser interessante tentar contemplar as regiões menos desenvolvidas. “Talvez não traga o mesmo retorno do ponto de vista econômico, mas os impactos sociais, ambientais e agronômicos podem ser significativamente relevantes nessas regiões. Atualmente, a política pública não olha isso”, diz.

Imagem acima: Instituto Mineiro de Agropecuária/Divulgação.