O poeta, escritor, professor e crítico literário carioca Paulo Henriques Britto é autor de 14 obras e, também, um prolífico tradutor, tendo vertido para o português mais de 120 livros de autores de língua inglesa. Neste mês de setembro, Britto tomará posse na Academia Brasileira de Letras como titular da cadeira de número 30 do Quadro de Membros Efetivos, antes pertencente à escritora Heloísa Teixeira. A nova edição do Prato do Dia, o podcast da Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp, recebe o escritor carioca para conversar sobre os prazeres e desafios da produção poética, bem como as dificuldades da tradução literária desse gênero.
A poesia é uma das mais antigas formas de expressão artísticas da humanidade, pois é capaz de valer-se apenas de palavras, da sua sonoridade e da imaginação humana para evocar fortes emoções em quem a oportunidade de ouvir ou ler um texto poético. Paulo lembra que um dos maiores poetas de todos os tempos, o português Fernando Pessoa, ponderou sobre os segredos de seu métier em seu poema Autopsicografia, no qual afirmou que “o poeta é um fingidor”, isto é, alguém parte dos sentimentos e dores, reais ou imaginados, para transformá-los em arte. O fingimento não é mentira mas um esforço consciente do poeta em construir uma nova realidade que vai além das suas experiências individuais.
Britto conta que sua vocação para a escrita veio da facilidade de lidar com as palavras e, apesar de ter iniciado sua trajetória pensando em escrever prosas, foi na poesia que encontrou uma maior conexão criativa.
Diferentemente da prosa, que se organiza através da clareza narrativa, a poesia apresenta uma multiplicidade de sentidos e pela atenção a cada detalhe da linguagem. Ele apresenta sua definição de poesia: “a poesia é um texto que se apresenta de maneira a sugerir que qualquer elemento presente pode ser relevante”. A sonoridade, o ritmo, a disposição dos versos e até a escolha de uma palavra específica são recursos que atendem a um fim estético. É a junção dessas características que impactará o leitor. “Uma característica marcante do bom leitor de poesia é a capacidade de identificar, em poucos segundos, os elementos mais importantes do poema”, diz.
Embora a poesia hoje seja vista como pouco atraente para a massa de leitores, ela já ocupou um espaço central no mercado editorial e cultural. Britto lembra o exemplo do poeta romântico britânico Lord Byron, que no início do século 19 chegava a esgotar uma edição de milhares de exemplares de uma de suas obras em um só dia, demonstrando o enorme prestígio de que o verso desfrutava na sociedade da época. Hoje, a poesia se tornou uma forma artística mais restrita, com leitores fiéis, mas em número reduzido. Isso não é um demérito da poesia, reflete o autor, mas um reflexo de um processo histórico em que antigas expressões artísticas perdem espaço à medida que outras mais novas surgem. “No século 20, o cinema foi uma das artes mais admiradas no planeta, mas recentemente são as séries que tem conquistado o público”, pondera. “No Brasil, a poesia deu espaço para a música popular. Mais recentemente, estilos musicais como o rap estão assumindo um novo lugar de destaque”, diz.
A escrita do gênero envolve a resolução de problemas específicos. Britto, que ministra oficinas em que os participantes são convidados a realizar exercícios de elaboração poética com regras e limitações, diz que “o poema é um artefato” cuja produção vai muito além do mero despejar de sentimentos no papel. “A primeira coisa é aprender a ouvir a língua portuguesa, perceber os sons, contar as sílabas e marcar os acentos. A ideia é justamente dificultar, porque escrever poesia de forma espontânea e apenas sincera quase sempre resulta em um poema ruim”, alerta.
Apesar de a poesia ser frequentemente considerada uma forma de arte “elevada”, Britto alerta para o risco de hierarquização das expressões artísticas. Para ele, não faz sentido pensar que a função da literatura ou da poesia é necessariamente “elevar” o leitor ou torná-lo moralmente melhor: “Se você disser que a poesia é mais elevada que as outras artes, que a poesia trata de coisas elevadas, isso já é uma visão preconceituosa e hierarquizante da arte, e eu não compartilho dessa opinião. A função da literatura não é tornar ninguém melhor”, pondera.
A entrevista ao podcast também abordou a questão da tradução literária, tanto de prosa quando de poesia, áreas em que Britto é especialista. Ele relata que a tradução não se limita à mera transposição de palavras supostamente sinônimas entre duas línguas. O desafio envolve a recriação de um objeto literário que mantenha, dentro das possibilidades de cada idioma, o prazer estético do original. Diante de uma empreitada tão desafiadora, algumas perdas são inevitáveis, como os jogos verbais que envolvam tonalidades ou tempos verbais que não possuam equivalentes em outra língua. A tarefa do tradutor, porém, é compensar estas perdas mobilizando outros recursos poéticos. O resultado será um texto que dialoga com a obra original, sem, no entanto, deixar de ser autônomo. “Toda língua é pobre numa coisa em que outra língua é rica. Nunca será exatamente a mesma coisa, mas é possível criar um poema que funcione tão bem na tradução quanto no original.”, diz.
Ouça a entrevista completa com Paulo Henriques Britto no podcast Prato do Dia, disponível nas principais plataformas de áudio e no player abaixo.