Quem nunca acordou cansado mesmo depois de uma longa noite de sono? Ou sentiu que as horas na cama não renderam o suficiente para recarregar as energias? De acordo com pesquisas realizadas pela Fundação Oswaldo Cruz, mais de 70% dos brasileiros sofrem com distúrbios do sono que afetam a qualidade e o tempo de descanso do indivíduo. As noites mal dormidas deixaram de ser queixas isoladas e refletem um problema de saúde pública, alimentado pelo estresse, pela rotina acelerada e pelos excessos do mundo digital. Nesta edição do Prato do Dia recebe a pesquisadora e docente Mônica Andersen para discutir a relação entre sono e saúde.
Egressa da Unesp de Botucatu, Andersen atualmente é professora do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo, diretora de Ensino e Pesquisa do Instituto do Sono e editora-chefe da revista Sleep Medicine and Reviews. Em 2022, foi contemplada com a bolsa para projeto temático da FAPESP, pelo projeto “Relação da apneia obstrutiva do sono e suas comorbidades com a microbiota intestinal: interface com sexualidade e função reprodutiva”.
O sono é um componente fundamental para a nossa saúde física e mental, e por isso destinamos a ele, em média, um terço de nossa existência. Durante esse período, desenvolvem-se no corpo diversos processos fundamentais, incluindo a consolidação da memória, a reparação celular e a regulação hormonal. Em outras esferas, o sono, e sua ausência, podem afetar a regulação do humor e a possibilidade de problemas psicológicos.
Há algumas recomendações sobre a duração do sono ideal que informa sobre a necessidade de oito horas diárias de sono. A docente, porém, desmistifica essa ideia. “Precisamos desmontar essa história a respeito das oito horas de sono. Você precisa dormir a quantidade de horas necessária para que se sinta pleno e capaz de iniciar suas atividades da vigília, que é o tempo acordado”, diz. É normal que algumas pessoas que se mantenham saudáveis e dispostas com menos de oito horas de sono, e outras precisem de mais, ou até bem mais, tempo para se sentirem realmente revigoradas.
Durante o sono, passamos por diferentes fases que se alternam ao longo da noite, chamadas de arquitetura do sono, e passar por todas é essencial para garantir um descanso de qualidade. Essas fases incluem os estágios N1, N2 e N3, que compõem o sono não REM, e a fase REM, responsável pelos sonhos. Cada uma delas desempenha papéis específicos na recuperação do organismo. Enquanto o sono profundo, do estágio N3, é crucial para a reparação física, a fase REM está associada à consolidação da memória e ao processamento das emoções. “Numa noite bem dormida, a gente sonha quatro ou seis vezes por noite, numa média de uma hora e meia”, explica Andersen.
Apesar da importância do sono para o bom funcionamento do organismo, grande parte da população enfrenta dificuldades para manter uma rotina de descanso saudável. Andersen diz que são conhecidas mais de 80 doenças relacionadas ao sono, denominadas como distúrbios. Esses problemas vão muito além da insônia e incluem condições como bruxismo, sonambulismo e o ronco associado a pausas respiratórias, conhecido como apneia obstrutiva do sono. Esses distúrbios também são causados por fatores emocionais, como o medo, que têm sido apontados como grandes vilões da qualidade do repouso.
“Há uma incidência maior de distúrbios do sono hoje, em comparação aos anos 1980. Quando indagamos sobre as causas para isso à população, ouvimos que o medo é o fator que mais atrapalha o sono. Ele eleva os níveis de hormônio do estresse e impacta negativamente na indução ao sono”, diz. Andersen destaca que preocupações com violência, insegurança financeira e instabilidade no trabalho são queixas cada vez mais frequentes entre quem possui dificuldades para dormir.
O uso de celulares e de outros dispositivos eletrônicos também é um fator muito importante para o surgimento de dificuldades para dormir. Segundo Andersen, o que mais interfere não é tanto a luz emitida por esses aparelhos, mas a atividade interativa que eles promovem. Navegar pela internet, fazer perguntas e receber respostas cria um ciclo de estímulos que gratificam o cérebro com dopamina, mantendo-o em estado de alerta e dificultando o desligamento necessário para o descanso. “Com o advento da energia elétrica, a internet, a globalização e tudo que esse dispositivo eletrônico faz para me acender, perdemos tempo de sono”, diz.
É fácil entender como o uso de remédios como solução rápida e eficaz para lidar com as dificuldades para dormir disparou. Em 2024, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) alterou as normas para a compra de Zolpidem, medicamento usado para tratar insônia. A medida foi aprovada devido ao uso desenfreado da medicação, que teve um aumento de 71% durante a pandemia. Seu uso prolongado pode causar dependência, amnésia e efeitos colaterais como sonambulismo. A abordagem mais eficaz para tratar distúrbios do sono, diz a docente, é compreender como se originam, recorrendo para isso ao acompanhamento de um profissional qualificado. Ele poderá adotar estratégias comportamentais, como a higiene do sono. “Antes de procurar as medicações, precisamos trabalhar as nossas expectativas”, diz.
Ouça a entrevista completa com Mônica Andersen no podcast Prato do Dia, disponível nas principais plataformas de áudio e no player abaixo.