Inquieto, talentoso e multiface:  Renato Velho

Gaúcho construiu uma carreira caleidoscópica, atuando como multi-instrumentista, artesão, produtor musical, professor de música para crianças, compositor e até banda de um homem só. “E ainda vou mudar muito, até porque minha obra ainda não terminou”, diz.

Renato Zingano Velho, mais conhecido como Renato Velho, nasceu em 14 de dezembro de 1971, na cidade de Taquara, no Rio Grande do Sul. Oriundo de uma família musical, sua relação com a arte iniciou-se ainda na infância. Entretanto, suas inúmeras influências contribuíram para que construísse uma obra multifacetada, em que exercitou suas habilidades como professor, multi-instrumentista, compositor, arranjador, produtor e até fabricante de instrumentos.

“Meu pai tocava violão, piano e gostava muito de música. Minha infância foi bastante musical. Comecei a tocar violão cedo, e sempre tive uma paixão louca por isso. Sempre gostei de músicas variadas, mas me baseava no gosto do meu pai. A gente também ouvia samba, bastante música gaúcha… Sou de uma região alemã, então ouvia bastante coisa alemã. Assim começou meu amor pela arte”, lembra Renato.

Ele conta que, durante os anos 1970 e 1980, o Rio Grande do Sul viveu um boom de música nativista, durante o qual pululavam festivais de música tradicional gaúcha que impulsionavam artistas regionais. Também em sua cidade natal havia um festival, o “Ciranda Teuto-Riograndense”, que estimulava os garotos locais a ensaiarem e se apresentarem.

“Comecei garoto, com onze anos, tocando música nativista com meus amigos. Mas também tocávamos jovem guarda, estilos latino-americanos, música instrumental… E, na adolescência, comecei a tocar hard rock. Toquei também em bandas de baile, me profissionalizei com carteira da Ordem dos Músicos aos 16 anos”, diz. Aos 17 anos, assistiu a B. B. King em Porto Alegre e foi tocado pelo blues.

No ensino médio, estudou eletrônica. Mas, mesmo antes, já construía pedais de guitarra e consertava violões e guitarras. “Sempre li muito sobre isso. Fiz uma guitarra havaiana e comecei a tocar”, conta. Continuou estudando música por conta própria, passando por diversos instrumentos, incluindo piano, violão erudito, banjo e viola caipira.

Ao se formar no segundo grau técnico, decidiu que não queria mais tocar: sonhava abrir uma fábrica de pedais e amplificadores valvulados. Mas a música foi mais forte. No rastro do sucesso global do Unplugged de Eric Clapton, montou um duo de folk blues com uma cantora. Juntos, fizeram turnês e até tocaram em rádios gaúchas. A cena do estado, porém, levou-o a abandonar a carreira uma segunda vez e a se tornar professor de inglês.

Em meados dos anos 1990, vendeu todos os seus instrumentos e foi para a Inglaterra estudar inglês. Terminou por trabalhar em um estúdio e fazer um curso de produção musical. Voltou ao Brasil ainda sem querer trabalhar com arte, mas acabou se tornando arte-educador. “Foi uma descoberta muito bonita na minha vida”, diz. Trabalhou como professor de musicalização infantil entre os anos de 1998 e 2023, atuando em projetos sociais e em escolas públicas e privadas.

Sua produção artística, desde seu retorno ao Brasil, reflete essa diversidade de interesses. Ela incluiu a gravação de um CD com a trilha sonora de uma peça infantil, O Corvo e o Espantalho, ganhador do Prêmio Açorianos de Melhor CD Infantil de 2001. Com seu conjunto de bluegrass Trem 27, levou o Prêmio Açorianos de Melhor Grupo Pop Rock de 2004. Também gravou dois álbuns autorais: Estratosférico, ganhador do Prêmio Açorianos de Melhor Instrumentista Pop Rock de 2005, e Astenosférico, de 2011. Em 2013, dedicou todo um álbum a releituras acústicas revisitando clássicos do blues, 50 Tons de Blues, que lhe valeu o Prêmio Açorianos de Melhor Intérprete Instrumental de 2013.

Mas sua lista de atividades inclui também a produção artística de diversos álbuns de compositores gaúchos, bandas e trabalhos voltados ao público infantil, com destaque para Pescador do Rio Esperança, de Paulinho Pires, e Conversa de Bicho, de Kitty Driemeyer. Em parceria com a escritora Léia Cassol, lançou um livro infantil, Gritolândia, em 2013. E, no mesmo ano, apostou em outra vertente musical — o neofolk — montando o grupo Bando Celta, que se apresenta em feiras medievais e realiza shows por todo o Rio Grande do Sul.

A pandemia, porém, forçou-o a se reinventar. “Assim como inúmeros músicos, fiquei desempregado na pandemia. Até então, o foco era fazer eventos medievais com o Bando Celta, não estava dando aulas online e fiquei deprimido, trancado em casa. Voltei para a minha oficina para desopilar e comecei a construir instrumentos, algo que fazia quando garoto”, diz. Em casa, passou a se dedicar à prática conhecida como circuit bending, que envolve a produção de circuitos eletrônicos personalizados, e começou a construir instrumentos usados na música tradicional dos EUA, como um tipo antigo de instrumento de cordas denominado cigar box.

“Um amigo meu, o Toyo Bagoso, do Mississippi Delta Blues Festival, me convidou para expor esses objetos num festival, logo após a pandemia. Achei a experiência muito bacana. Sendo expositor, fico o festival inteiro, converso com as pessoas, conheço todos os músicos que participam”, diz.

Assim nasceu seu espetáculo Oldman’s Show, em que apresenta releituras de canções usando a cigar box e a washboard, instrumento de percussão feito a partir de uma tábua de lavar roupa. “São instrumentos típicos do jazz de rua e também do blues rural. Os afrodescendentes construíam instrumentos com o que tinham à mão”, diz. “Viajei com o Oldman’s Show no ano passado e fiz nove festivais. Neste ano, espero fazer 12. Estou sendo chamado de ‘andarilho dos festivais’”, diz.

Com tantas guinadas e recomeços, Renato se sente à vontade para se definir como um artista inquieto, constantemente em busca de aprendizado. “Quero conhecer muitas coisas que agora não conheço. Então, com certeza, ainda vou mudar muito. Até porque a minha obra não está terminada”, diz.

Ele pondera que, mesmo tendo alcançado bons patamares de qualidade artística com seus projetos, isso não o impediu de, em vários momentos, “dar as costas e fazer outra coisa, porque, em algum momento, me veio a reflexão de que já passei essa mensagem”, diz.

“Não sei o que vou fazer daqui a um ano. Não sei se tocarei música do espaço sideral ou música indígena. Mas sei que estarei sempre inquieto e mudando.”

Confira abaixo a entrevista completa no Podcast MPB Unesp.