Vistos historicamente como parte do passado e muitas vezes apagados do presente, os povos indígenas enfrentam uma longa história de invisibilização, preconceito e disputas territoriais. Nesse cenário adverso, a arqueologia indígena emerge como uma disciplina fundamental para resgatar, valorizar e preservar a memória e os saberes ancestrais desses povos, rompendo com narrativas tradicionais que os marginalizam e contribuindo para a construção de uma história mais diversa e representativa.
A arqueologia indígena é o tema da nova edição do Prato do Dia, o podcast da Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp. Neste programa, entrevistamos a professora do Departamento de Planejamento, Urbanismo e Ambiente da Unesp de Presidente Prudente, Neide Faccio. Coordenadora do Centro de Museologia, Antropologia e Arqueologia e do Laboratório de Arqueologia Guarani da Faculdade de Ciências e Tecnologia, Faccio atua há 37 anos na área de Patrimônio Arqueológico, com foco em Arqueologia Pré-Histórica. “Falar das peças pelas peças não importa para a arqueologia. O que importa é descobrir as técnicas, as formas como essas populações viviam nesses locais”, diz ela.
Em um país onde a imagem do indígena é marcada por estereótipos e apagamento histórico, a arqueologia indígena surge como uma ferramenta eficiente para desmentir narrativas colonialistas, reconstruir memórias e dar visibilidade à diversidade e à complexidade dos povos originários. Entre os estigmas mais enraizados está o indígena rotulado como preguiçoso, uma construção criada no período colonial para legitimar a escravidão. Segundo Faccio, essa caricatura surgiu porque os indígenas, ao dominarem o território e conhecerem os caminhos e recursos naturais, conseguiam fugir com mais facilidade do trabalho forçado. Em vez de aceitarem a submissão nas grandes fazendas, resistiam à escravização por meio da fuga, o que foi interpretado como falta de disposição para o trabalho.
A arqueóloga também denuncia as dificuldades enfrentadas pelas populações originárias para se afirmarem em uma sociedade que constantemente as inviabiliza. Ela aponta que há contradições impostas pelo próprio Estado: “Os indígenas reclamam muito. Falam: nós andávamos nus, e aí [no passado] o estado obrigou a gente a usar roupa, e proibiu a gente de falar a língua. Hoje, se a gente não fala a língua, eles dizem que não somos indígenas, e querem que a gente tire a roupa”, analisa.
Ela também pondera que nenhuma cultura, em nenhum ligar, pode se manter inalterável. Porém, dos indígenas, exige-se certa estagnação cultural, “Tudo muda, mas os indígenas não. Eles não podem mudar. Primeiro obriga-se que eles mudem, que eles se tornem civilizados. Depois dizem que eles não são mais indígenas, que só serão indígenas se tiverem a cultura original.”
Dentro desse cenário, a parceria entre arqueólogos e as comunidades indígenas se torna cada vez mais crucial. Como destaca a docente, essas colaborações ajudam a reconfigurar práticas museológicas, respeitando os significados culturais atribuídos aos objetos, como não misturar itens ritualísticos com utensílios domésticos ou manter as caixas de cerâmica destampadas para permitir a circulação de energia. O grupo de pesquisa liderado pela docente conta com a colaboração de representantes do povo Kaingang na apresentação das coleções. “Estamos modificando os nossos museus de arqueologia para que esses museus também sejam deles”, diz.
Ouça a entrevista completa com a professora Neide Faccio no podcast Prato do Dia, disponível nas principais plataformas de áudio e no player abaixo.