Mutantes, Guilherme Arantes, Titãs, Os Mulheres Negras, Ira!, Ultraje a Rigor, Raul Seixas, Walter Franco, Camisa de Vênus … Essa lista de nomes estrelados da música brasileira, e particularmente do rock brasileiro, dá uma ideia do quilate da trajetória de Pena Schmidt. Além de produzir álbuns de todos os artistas citados acima, ele também atuou como operador de som, diretor de palco e diretor técnico de festivais, dono de selo e diretor de gravadora, entre outras funções, tornando-se um dos nomes mais conhecidos no período áureo da indústria fonográfica brasileira, entre os anos 1970 e meados dos anos 2000.
Augusto José Botelho Schmidt nasceu na cidade Taubaté, interior de São Paulo, em 1950. A música estava presente nas memórias da família. “Eu diria que na minha família havia mais música do que artista. Havia um primo do meu pai que se tornou pianista de concerto. Porém, as raízes culturais estavam na casa da minha bisavó, que ficava no centro de São Paulo. Evidentemente, não acompanhei isso. Mas desde criança ouvia as histórias de que toda terça-feira à noite havia um sarau da família, reunindo agregados e amigos para ouvir e fazer música. Isso foi uma tradição familiar, pois ouvi essas histórias por muitas vezes”, relembra Pena.
Ele tentou se tornar instrumentista, mas avançou pouco. “Eu tentei tocar, mas não me adaptava em elaborar as pestanas no violão, meus dedos também eram grossos para tocar piano e fui desanimando. Rapidamente eu me conformei em ouvir”, lembra. E ouvir especialmente a rica programação veiculada pelo rádio brasileiro na época.
“Em meados da década de 1950, a gente ouvia rádio o dia inteiro. Inclusive, meu pai era rígido com o repertório. Ele falava para só escutarmos as grandes orquestras, e as peças instrumentais que eram consideradas mais elaboradas à época”, diz. “Eu troquei essa coisa do interesse pelo instrumento, pelo interesse em ouvir uma vitrolinha. Comecei a descobrir os discos e foi aí que a coisa foi indo. Entendi que a minha mão não era de música, mas o ouvido era”.
Ele conta que, quando tinha 13 anos, estava em casa ouvindo rádio junto com a mãe. De repente, parou o que estava fazendo e se concentrou na música. “Quando terminou, falei para a minha mãe que queria trabalhar com esse tipo de música. Quando acabou a canção, anunciaram que eram os Beatles entrando nas rádios brasileiras. Quando conheci a música dos Beatles, pirei. Aquilo me entusiasmou”, conta.
Talento como engenheiro abriu portas na música
Mais tarde, influenciado pelo seu pai, seguiu rumo a Minas Gerais para estudar na conceituada Escola Técnica de Eletrônica de Santa Rita do Sapucaí, junto com seu irmão. “De cara adorei a escola. Decidi que iria estudar ali. Era um vestibular muito concorrido na época. Meu irmão entrou em primeiro lugar, e eu em décimo. Chegamos com moral”, diz. Uma vez aprovado, mergulhou nos estudos em eletrônica. Em paralelo, continuava ligado na cena musical e procurava aproximar suas atividades para o sonho de trabalhar com música. “A gente fazia caixas de som, alto falantes, tudo que tivesse a ver com sonoridades. Fui me aprimorando e pegando gosto “, diz.
Entre idas e vindas entre MG e SP, começou a estudar sobre a eletrônica de áudio lendo revistas importadas. Em busca de novos ares, Pena Schmidt conseguiu seu primeiro emprego na área musical na capital paulista. “Como eu não tinha padrinho, eu estudei bastante sobre os equipamentos. Recusei as melhores ofertas de multinacionais de tecnologia. Minha primeira atividade registrada em carteira foi na fábrica de instrumentos Giannini. Bati na porta dos caras e disse: Sou técnico de som e tenho interesse nesse ramo. De cara, me mandaram para o RH assinar a carteira e comecei no dia seguinte. A partir daí, me meti numa série de atividades que acabaram culminando com o convite para ir atuar no Estúdio Scatena. Ganhei outro emprego porque fui o único que soube fazer funcionar um equipamento de som recém-chegado ao Brasil, o sintetizador ARP2500”, diz.
Em 1972, o salto para a música com Os Mutantes
“Na verdade, eu já era fã dos Mutantes Porém, estávamos atravessando o período de ditadura militar no Brasil. Por esse motivo, praticamente todos os programas musicais na televisão foram vetados, e muitos artistas ficaram de mãos atadas. Certa vez, fui a um showzinho dos Mutantes no Parque da Água Branca. Eles haviam lançado um EP, Vida de Cachorro. O Arnaldo Baptista estava sentado na grama com uma câmara de eco. Me aproximei e comecei a falar sobre o equipamento. Deixei uma pista, para eles verem que eu entendia do equipamento, e trabalhava no Scatena, onde eles já haviam gravado. Certa noite eu estava no estúdio, o senhor Scatena me chamou na sala dele e disse: ‘É o seguinte: os Mutantes querem que você vá trabalhar com eles. São amigos da casa, já gravaram aqui. Gosto muito deles, gosto muito de você e acho que você terá mais futuro lá do que aqui.’ Ele abriu a janela e me mostrou o bugue do Sérgio Baptista: eles já estavam lá me esperando. Entrei no carro. Eles me chamaram para trabalhar com eles na Serra da Cantareira. Só pedi para passar em casa e fazer uma mochila com algumas roupas. E fui embora montar a primeira mesa de som que o irmão deles, Claudio Cesar, havia desenhado, e conviver naquele astral.”
Assim teve início sua carreira de técnico de som, operando a mesa para os primeiros shows de rock setentista e festivais. Em paralelo, construía equipamentos para Rita Lee e iniciando seu trabalho em estúdio com Novos Baianos, Som Nosso de Cada Dia , Moto Perpétuo e Walter Franco, entre outros. A seguir, tornou-se coordenador de produção, trabalhando em alguns dos nascentes grandes festivais, como o primeiro Hollywood Rock, realizado no Rio de Janeiro em 1975, e as apresentações do Montreaux Jazz no Anhembi. Mais tarde, também coordenaria a primeira edição do Free Jazz Festival e o Festival de Águas Claras, em 1985.
Eventualmente, mudou de função no estúdio, e tornou-se produtor. Nessa função, trabalhou para a Continental Discos, a WEA, a Som Livre e para sua própria gravadora, a Tinitus. Contratou e produziu em primeira mão talentos como Titãs, Ultraje a Rigor, Ira!, e Os Mulheres Negras, para citar apenas alguns.
Atuou como presidente da Associação Brasileira de Música Independente (ABMI), diretor de palco e proprietário da empresa de produção musical StageBrainz. Também foi superintendente do Auditório Ibirapuera e Diretor do Centro Cultural São Paulo, e atualmente participa do projeto “#listadaslistas”, que combina pesquisa, consultoria e curadoria musical.
“É difícil citar alguns momentos e álbuns especiais que gravei, foram muitos. Me lembro que todo projeto que parecia maluco, ou que exigia uma sonoridade diferenciada, me mandavam gravar. Nesse contexto, sempre cito minhas atuações com Mutantes, Novos Baianos, Walter Franco, Guilherme Arantes (Moto Perpétuo), Som Nosso De Cada Dia, Camisa de Vênus… Fiz muita coisa diferente. Hoje tenho grande satisfação em atuar na “listadaslistas e saber que a música brasileira segue germinando artistas geniais e com grande qualidade. Basta ouvir e correr atrás para conhecer. Fica a dica!”.
Confira abaixo a entrevista completa no Podcast MPB Unesp.