Em 9 de outubro passado, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, presidida pela deputada Caroline de Toni (PL-SC), aprovou duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) e dois projetos de lei que tramitam na Casa no sentido de restringir decisões monocráticas dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e expandir as possibilidades de pedidos de impeachment contra os ministros da corte.
A aprovação do “pacotão de projetos” pela CCL da Câmara foi vista como uma reação à decisão do ministro do STF Flávio Dino de suspender o pagamento das emendas impositivas, que deputados e senadores destinam a obras e projetos em suas regiões para atender demandas locais, fortalecendo assim suas bases de apoio. A suspensão das emendas, apoiada por toda a Corte, gerou descontentamento entre os parlamentares e motivou a mais recente rodada de “queda de braço” entre os dois poderes.
Para discutir os possíveis impactos e desdobramentos desse embate, a edição mais recente do podcast “Prato do Dia”, produzido pela Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp, contou com a participação da professora Soraya Regina Gasparetto Lunardi. Pesquisadora com mais de 100 publicações nas áreas de Direito Constitucional, Direitos Fundamentais e Sociais, Direito Administrativo e Políticas Públicas, a docente atua na Faculdade de Ciências e Letras da Unesp em Araraquara e, em uma edição anterior do Prato do Dia, já havia abordado as alegações de que o Judiciário estaria ultrapassando suas atribuições e interferindo nas funções do Legislativo.
Soraya diz que embora algumas ideias já apresentadas na Câmara mirando o STF, como a limitação dos prazos para os pedidos de vista no STF, sejam positivas, também há vários pontos incoerentes.
Um deles envolve a insistência em acabar com a alegada “usurpação” de funções legislativas pelo STF, termo que consta do projeto que sugere “impeachment por usurpação de funções legislativas”. Ela pontua que a Constituição permite que o Supremo atue em casos de omissão legislativa. “Esse embate faz parte daquilo que a gente chama de “checks and balances”, ou freios e contrapesos. Cada um dos poderes controla o outro, e tenta manter a atuação desse poder dentro do regime democrático”, diz. E, ainda que o STF possa apontar uma norma como inconstitucional, isso não impede o Legislativo de voltar a criar outra nova norma abordando o mesmo tema.
O sistema de freios e contrapesos envolve uma dinâmica complexa, pois, embora os poderes sejam independentes, o Judiciário tem a função de verificar a constitucionalidade das normas criadas pelos outros poderes. No entanto, uma das propostas aprovadas na CCJ, que quer dar ao Congresso o poder de revisar o conteúdo das decisões do Supremo pode ser vista como uma tentativa de limitar a atuação desse poder, o que seria problemático para o sistema de freios e contrapesos. Esse fenômeno já tem um nome: efeito Backlash. “É uma espécie de reação do poder político contra as tentativas do Judiciário de impor limites ou controles sobre sua atuação. E isso pode ocorrer de uma maneira democrática ou não”, diz.
Segundo a docente, as Propostas de Emenda Constitucional discutidas na CCJ têm sido utilizadas por partidos como ferramenta de disputa política, já que muitas dessas propostas não são novas, e inclusive trazem algumas ideias que já estão contempladas na legislação vigente. E o caráter político de muitas dessas propostas às vezes fica bem claro. “Quando a Comissão de Constituição e Justiça aprovou a PEC 8/21, em dezembro de 2023, vários deputados passaram a tirar no selfies no Congresso para comemorar. Isso evidencia que há uma demanda política em torno dessa questão”, observa Soraya.
A pesquisadora reconhece que o recurso aos discursos de caráter ideológico é parte essencial do jogo democrático, e diz que os partidos políticos frequentemente utilizam certos discursos sobre o STF como uma estratégia em suas campanhas. Ela também menciona uma tendência global de politização das cortes constitucionais, citando o exemplo do México, onde os ministros passaram a ser eleitos por voto direto, seguindo uma legislação recentemente aprovada por lá.
Ela diz que esse tipo de mudança é problemática, pois compromete a função do Judiciário como guardião da democracia. “O Supremo Tribunal Federal não pode se deixar influenciar por posturas legislativas partidárias ou político-partidárias, pois isso não condiz com sua natureza. Sua função é proteger o sistema democrático previsto na Constituição Federal, sendo ele o guardião da Constituição”, diz.
A entrevista completa com a professora Soraya Regina Gasparetto Lunardi para o podcast “Prato do Dia” está disponível no player abaixo ou em sua plataforma de streaming de preferência.