As eleições de 2024 nos EUA entraram na reta final. No próximo dia 5 de novembro, a população irá às urnas eleger os novos presidente e vice-presidente do país, além de todos os 435 assentos na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos e 33 dos 100 assentos no Senado. Fora do âmbito federal, serão eleitos os mandatários para 13 governos estaduais e territoriais. Mas todos os olhares estão concentrados na eleição presidencial, a 60ª da história do pais, e talvez a mais polêmica.
A candidata Democrata Kamala Harris e o candidato Republicano Donald Trump estão realizando seus eventos finais de campanha. No foco de ambos estão sete estados: Arizona, Carolina do Norte, Geórgia, Michigan, Nevada, Pensilvânia e Wisconsin. Eles são chamados de estados pêndulos, e considerados decisivos para vencer a acirrada disputa pela Presidência.
Ao contrário de boa parte dos estados americanos, em que tradicionalmente o mesmo partido vence a eleição, os estados pêndulos são aqueles que, ao longo de diferentes pleitos, não demonstram uma preferência clara por republicanos ou democratas. Ou seja, a depender da campanha, das pesquisas e da eleição anterior, esses estados podem mudar de lado. Por isso, são tão cobiçados.
De acordo com as últimas pesquisas, ambos seguem tecnicamente empatados. Levantamento divulgado pelo The New York Times/Siena College no dia 25/10 mostrou Kamala Harris e Donald Trump empatados, com 48% das intenções de voto cada um. Outros indicadores colocam a Democrata com 1% ou 2% à frente do Republicano, embora muitos veículos de mídia tenham, na última semana, apontado um embalo maior por parte da candidatura Republicana.
Um sistema eleitoral próprio
Nos EUA, o voto é indireto. No sistema eleitoral peculiar que o país adota, o candidato mais votado pela população em cada estado leva todos os delegados da área, mesmo que a diferença seja de apenas um voto. Para vencer a eleição, o candidato precisa conquistar ao menos 270 dos 538 delegados do Colégio Eleitoral. Cada estado tem um número específico de delegados, que varia de acordo com a população e o total de representantes no Congresso.
Em 2024, 244 milhões de pessoas estão habilitadas a votar em 5 de novembro. Como o que vale é o número de votos no Colégio Eleitoral, nem sempre o candidato mais votado em todo o país pelo voto popular é o eleito, o que abre margem para que a definição se dê por uma parcela dos eleitores dos estados-chave. Em 2016, por exemplo, Trump recebeu 3 milhões de votos a menos que Hillary Clinton, mas venceu na soma de delegados.
Marcelo Fernandes de Oliveira, docente e especialista em relações internacionais do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas do câmpus da Unesp em Marília, analisa a reta final da campanha eleitoral dos EUA e aponta características, propostas e possibilidades dos candidatos Kamala Harris (Democrata) e Donald Trump (Republicano).
Oliveira destaca as grandes oposições que marcam as duas candidaturas que disputam o cargo mais poderoso do planeta. “São duas visões inteiramente diferentes do mundo. Uma visão à direita enxerga os Estados Unidos como potência que age unilateralmente no mundo. A outra visão é mais progressista, pautada nas identidades, no gênero, na questão das minorias, na importância do social na política americana”, diz. “São dois mundos diferentes que estão em choque, para decidir quem vai dar o tom da principal potência do mundo ocidental nesse momento histórico.”
Do ponto de vista do chamado voto popular, isto é, das intenções de votos para cada candidato, Harris e Trump se mostram empatados. Porém, isso não significa um empate do ponto de vista do voto indireto. “Cada Estado organiza o seu processo eleitoral de um jeito. Por exemplo, tem Estados que têm lá direito a 20 delegados e estabelecem que quem tiver 51% dos votos populares ganha os 20 delegados”, diz. Em outros Estados, quem recebe 51% dos votos, num universo hipotético de 20 delegados, fica com 11 delegados, e o outro leva 9. “E assim se vai fazendo a soma dos delegados, a partir dos processos eleitorais em cada Estado”, diz.
Como Trump lidará com uma derrota?
O docente diz que Trump parece ter chegado à reta final com embalo. “Nessa chegada à linha final da eleição, houve uma ascensão republicana. Mas, do ponto de vista do número de delegados dos distritos, que é o que vale, não dá para saber ainda como está a condução”, analisa.
Trump até agora não se comprometeu a reconhecer os resultados das eleições, caso não seja vencedor. Ele adotou a mesma atitude no pleito anterior, em 2020. O resultado foi uma turbulência política que se arrastou por meses e culminou com o ataque ao Congresso dos EUA que ocorreu em 6 de janeiro de 2021. Este ano, autoridades do executivo temem que ele declare vitória antes mesmo que as apurações se encerrem, jogando outra vez o país em uma crise política.
“Como cada estado elege os seus delegados à sua maneira, a contagem dos votos é mais demorada, mais complicada, mais difícil. Em alguns distritos, durante a contagem de votos, existe pressão política. Na eleição de 2020, Trump fez ligações a governadores, exigindo que lhe arranjassem mais votos para ele de qualquer maneira, mesmo na base da fraude, para que ele levasse todos os delegados daquele estado. O Trump tem esse viés, ele questiona a vitória do outro a qualquer custo. E uma maior demora na finalização da apuração vai gerar mais tensão, mais problema, mais temor”, diz.
Nessa reta final, Kamala recebeu o apoio de celebridades como a cantora Beyonce, e tem mobilizado em seus comícios astros do partido Democrata como o casal Obama e o ex-presidente Bill Clinton. Já Trump endureceu ainda mais sua oratória, prometendo deportações em massa e até o emprego de forças armadas para combater inimigos internos.
“O apoio público das celebridades e a atuação do casal Obama apoiando Kamala busca ampliar a imagem progressista dela. Sobretudo junto àqueles eleitores mais identitários negros, imigrantes, mulheres, pobres… Esse é um lado da questão. Trump respondeu aumentando o apelo ao temor e ao ressentimento dos homens do interior, brancos, pobres que perderam com a globalização e com os discursos mais progressistas que os Estados Unidos adotaram nos últimos anos.”
“Essa é a lógica eleitoral nesse momento: Trump radicaliza para fidelizar a sua base atacando a globalização, as pautas progressistas. Kamala sinaliza para essas classes, dizendo que vai fazer políticas públicas sociais mais progressistas para resgatá-las das condições que enfrentam hoje nos Estados Unidos.”
Ouça a íntegra da entrevista de Marcelo Fernandes de Oliveira abaixo.
Imagem acima: Depositphotos.