Vivem no Brasil mais de 18,5 milhões de pessoas com deficiência, o equivalente a cerca de 9% da população. Ainda que numeroso, este contingente enfrenta dificuldades para acessar os elementos mais básicos da cidadania: somente 26,6% conseguem uma vaga de emprego estável, por exemplo, e o índice de analfabetismo alcança 19,5%, segundo dados da Pnad de 2022. O Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, que é celebrado anualmente na data de 21 de setembro, é uma oportunidade também para destacar iniciativas com potencial para gerar mudanças positivas na qualidade de vida dessas pessoas. No campo da C&T, uma promissora iniciativa em processo de estruturação é o Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Tecnologia Assistiva (CMDTA) que tem sede na Faculdade de Ciências da Unesp, campus de Bauru.
O Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Tecnologia Assistiva é parte do programa dos Centros de Ciência para o Desenvolvimento, ofertado pela Fapesp. O programa se destina a fomentar pesquisas com foco na busca de soluções para problemas sociais relevantes, em parceria com órgãos de governo. Neste caso, a parceria é com a Secretaria Estadual de Direitos da Pessoa com Deficiência. O financiamento ofertado será de R$ 9 milhões, disponibilizados ao longo dos próximos cinco anos.
O CMDTA irá articular grupos de pesquisa, laboratórios universitários e entidades públicas e privadas em uma rede de apoio para atuar no desenvolvimento de equipamentos, materiais e metodologias de ensino e comunicação. No âmbito da Unesp, se credenciaram como integrantes docentes de unidades nas cidades de Rio Claro, Araraquara, Ilha Solteira, Botucatu, Ourinhos, Presidente Prudente, Marília, Sorocaba e Bauru, que será a sede administrativa. Também integram o novo centro pesquisadores ligados a unidades da USP de São Paulo, da USP de Bauru e da USP de São Carlos, da Universidade Federal de São Carlos e da Universidade Federal do ABC, num total de 45 docentes associados. Além das universidades, também são colaboradores e parceiros a Secretaria de Educação de Rio Claro, o capítulo de São Paulo da Associação Brasil Parkinson, a APAE de Bauru, o Hospital Amaral Carvalho, de Jaú e a Associação Brasileira de Dislexia, além de três empresas privadas.
Gerenciando o CMDTA está um comitê executivo que é dirigido pelo físico Carlos Roberto Grandini, docente da Faculdade de Ciências de Bauru que também é o pesquisador responsável pelo projeto. A vice-diretora é Vera Lúcia Messias Fialho Capellini, também docente da Faculdade de Ciências de Bauru, que é presidente da Comissão Central de Acessibilidade da Unesp. Os pesquisadores estão organizados em quatro grandes áreas denominadas Novas Tecnologias e Materiais para Tecnologias Assistivas, Inteligência Artificial e Comunicação Alternativa, Novas Tecnologias e Materiais para Dispositivos Médicos, Órteses e Próteses e Materiais Pedagógicos Digitais. Cada uma é coordenada por um docente da Unesp.
A diversidade de subáreas reflete também os muitos projetos no campo de tecnologias assistivas que já estão em andamento na Unesp. Só para rememorar alguns já apresentados no Jornal da Unesp, há um exoesqueleto em fase de estudos destinado a indivíduos com mobilidade reduzida, próteses feitas de bambu, mais leves e mais baratas para amputados e a elaboração de uma cartilha destinada a instituições de ensino superior com objetivo de facilitar a inclusão de pessoas com autismo, que foi impressa pela Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência e distribuída a mais de 400 instituições no estado. O próprio Grandini está orientando um projeto de desenvolvimento de um joelho artificial, que está na etapa de testes.
A verba de R$ 9 milhões será empregada para a compra de equipamentos e o financiamento de bolsas de pesquisa de diversos níveis, desde o ensino médio até o pós-doutorado. O centro também se beneficiará de investimentos na área anunciados no mês passado pelas universidades estaduais paulistas. E os parceiros na iniciativa privada e no terceiro setor também irão contribuir fornecendo laboratórios e equipamentos aos cientistas do CMDTA.
Outra possível futura vertente de atuação envolve servir como polo de testes e de avaliação de inovações desenvolvidas por outros atores, como empresas e ONGs. “Imagine que uma empresa está criando alguma nova tecnologia assistiva. Ela poderá trazer esta inovação ao CMDTA para que possa ser caracterizada, validada e submetida aos testes necessários para que, posteriormente, seja certificada e chegue ao mercado”, explica Grandini.
“Também queremos estabelecer parcerias com universidades, escolas e organizações não governamentais para fortalecer a cultura de inclusão e práticas inclusivas. O objetivo será capacitar recursos humanos para a utilização de tecnologias assistivas, e combater assim as barreiras que dificultam a efetiva participação de pessoas com deficiência e desordem do movimento em ambientes educacionais e de lazer”, diz Grandini. “O uso de Inteligência Artificial, por exemplo, poderá levar à criação de ferramentas que democratizem a leitura junto a pessoas com deficiências e transtornos de aprendizagem”, diz.
Segundo o Observatório do Trabalho e da Pessoa com Deficiência, vivem no estado de São Paulo cerca de 3,5 milhões de pessoas nestas condições. Grandini diz que a expectativa é que o CMDTA consiga estabelecer canais de contato com essa parcela da população e escute suas demandas, e que esse feedback sirva como estímulo para o desenvolvimento e o aprimoramento de novos recursos assistivos. A contrapartida para o diálogo se dará virá por meio da disponibilização do resultado das pesquisas para a população, por meio de canais como Sistema Único de Saúde.
“Entre os objetivos dos estudos e do desenvolvimento de novos equipamentos e materiais está o de reduzir custos e democratizar o acesso a tecnologias assistivas e dispositivos médicos, tais como próteses e órteses. Não estamos fechados para empresas ou para o mercado, mas queremos que estes desenvolvimentos possam ser oferecidos por meio do SUS, e assim disponibilizados para toda a população”, diz.