Em junho passado, a Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para o Projeto de Lei (PL) 4372/2016, que invalida a homologação da delação premiada de réus presos. Em uma votação simbólica e sem contagem de votos, o pedido de urgência apresentado pelo deputado federal Luciano Amaral (PL-AL) foi aprovado em cerca de dez minutos .
Os projetos em regime de urgência têm sua dinâmica de tramitação alterada e podem ser votados diretamente no plenário sem ter de passar antes pelas comissões da Câmara. Desde terça-feira (17 de julho), a Câmara dos Deputados está em período de recesso, de forma que a votação da proposta só poderá ser realizada no próximo semestre, e ainda não tem uma data para acontecer.
A delação (ou colaboração) premiada é considerada um instrumento para a obtenção de provas. Por meio dela, acusado ou indiciado pode receber benefícios, como redução de pena ou progressão de regime, em troca de detalhes e informações que se comprovem verídicas sobre crimes investigados. A proposta apresentada por Luciano Amaral em junho foi apensada a um PL apresentado em 2016 pelo deputado Wadih Damous (PT/RJ).
Consequências no combate ao crime organizado
Embora a discussão sobre alterações ou mesmo a extinção da delação premiada costume ficar centrada sobre investigações envolvendo membros da classe política, a cientista política Rita de Cássia Biason explica que esse instrumento também tem sido usado com frequência no combate ao crime organizado. “Caso ocorra a extinção da delação premiada, a medida poderá prejudicar importantes investigações policiais, principalmente aquelas que envolvem o crime organizado. Além disso, a questão da delação premiada permite aos policiais conhecerem como funciona a organização. Então, não é só uma questão de quem está envolvido, mas o funcionamento dentro da estrutura da organização criminosa”, explica a professora, que coordena o Centro de Estudos sobre Corrupção da Unesp, no câmpus de Franca.
“Obviamente que esse projeto de lei é uma resposta aos supostos abusos que poderiam ter ocorrido e que ocorreram em determinada instância durante a Operação Lava Jato. Mas ele [o projeto de lei] tem que ser revisto, porque pode também trazer danos para uma área que é estratégica e que sem esse suporte do acordo dos indivíduos que estão presos, pode ficar difícil a investigação e chegar até mesmo aqueles que praticam tráfico de drogas, extermínio dentre outras questões criminais envolvidas”, aponta a docente da Unesp.
Biason explica que uma das argumentações para a apresentação do projeto de lei que invalida a homologação da delação premiada de réus presos é que, nessas condições, não há da parte do colaborador um depoimento lúcido. Ou seja, por vezes o réu não estaria sob o efeito da sua plena consciência e, portanto, poderia criar condições que não fossem reais. “Em meio a essa discussão, apesar de não falar da punição de quem divulga o conteúdo das colaborações, o projeto fala que os terceiros implicados poderão impugnar o acordo de colaboração premiada. Na verdade, é a extinção da colaboração premiada”, diz Rita.
A professora da Unesp destaca ainda que, caso o projeto de lei seja aprovado, ele não seria um processo retroativo. Isso quer dizer que os acordos que já foram firmados, como o do ajudante de ordem do presidente Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, no âmbito das investigações de tentativa de golpe de Estado, ainda teriam valor. Dessa forma, as determinações do projeto de lei só passariam a valer em acordos para colaborações firmadas após a sua aprovação. “Mas é sempre duvidoso, porque se tratando de um acordo que beneficia enormemente segmentos políticos, tudo é possível. Mas, em suma, pelo rol do que se trata, como diriam os advogados, uma questão processual não poderia retroagir sobre acordos já homologados pela Justiça”, aponta a professora.
Confira abaixo a entrevista de Rita de Cássia Biason para o Podcast Unesp: