Em junho passado, o governo federal encaminhou para debate no Congresso Nacional o projeto de lei do novo Plano Nacional de Educação (PNE), documento responsável por orientar as diretrizes, metas e estratégias para a política educacional brasileira ao longo da próxima década. O último Plano, estabelecido em 2014, teve sua vigência estendida até 2026. Um dos motivos dessa prorrogação foi permitir aos congressistas mais tempo para discussão sobre o novo documento, que vai nortear as políticas do setor até 2034.
Entre as metas listadas no novo projeto, chama a atenção o item que trata da adequada formação docente, que costuma ser apontada por especialistas como uma das prioridades nacionais no campo educacional e com inegável impacto na qualidade da educação praticada no chão da escola. O texto que descreve a meta para a formação dos professores no projeto de 2014 se parece muito com o texto levado ao Congresso e com previsão de entrar em vigor em 2026.
Se no PNE 2014-2025 havia menção em assegurar “que todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam”, a redação do projeto de lei do PNE 2026-2036 parece redundante ao falar em “assegurar que todos os docentes da educação básica possuam formação específica em nível superior, obtida em curso de pedagogia, e licenciatura nas áreas de conhecimento e modalidades em que atuam”.
Na exposição de motivos que acompanha o plano enviado ao Congresso, é citado que mais de um terço dos professores atua sem a formação adequada na área curricular em que leciona. De acordo com o relatório mais recente de monitoramento das metas do PNE, divulgado em junho deste ano pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia vinculada ao Ministério da Educação, o percentual de docências ministradas por professores com formação superior adequada à área de conhecimento que lecionam varia de 74,9% nos anos iniciais a 60,4% nos anos finais do ensino fundamental, passando pelos 63,3% verificados na educação infantil e pelos 68,2% registrados no ensino médio.
Os dados são relativos ao ano de 2023 e, além de constatar o “improvável” cumprimento da meta de 100% de formação docente adequada em todas as etapas do ensino básico, indicam, em relação aos números apurados em 2013, um crescimento maior nas etapas iniciais da vida escolar. Na educação infantil e nos primeiros anos do ensino fundamental, em 11 anos, o aumento foi de cerca de 21 pontos percentuais, enquanto nas etapas seguintes a alta foi menor: de 48% para 60,4% no final do fundamental e de 57,8% para 68,2% no ensino médio. Ou seja, quanto mais o ensino vai ganhando profundidade e complexidade, e ficando mais específico, o desafio de formar e manter em sala de aula professor de geografia, matemática, biologia, química, física etc graduado na área parece tornar-se maior.
“Não há como melhorar a educação no Brasil sem melhorar a formação de professores. Nós ainda temos, tanto no ensino básico quanto no ensino superior, professores que não estão com a qualificação correta”, afirmou ao Jornal da Unesp a professora Denise Pires de Carvalho, presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Médica, pesquisadora e ex-reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a docente assumiu o comando da Capes em fevereiro e admite especial preocupação com a formação inicial e continuada de professores, em especial para a educação básica, que representa uma das linhas de ação da Capes por meio do Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor). O programa tem como objetivo induzir e estimular professores que estão na ativa e atuando em sala de aula a realizarem a primeira ou a segunda licenciatura na área em que lecionam.
No ensino superior, o percentual de docentes com mestrado e/ou doutorado em exercício na educação superior brasileira atingiu a meta proposta no atual PNE, que era de 75%. Segundo o Inep, esse percentual estava em 84,6% em 2022, mas com índices que variavam muito entre regiões e entre instituições de ensino superior (IES), com as IES públicas municipais e especiais e as privadas com fins lucrativos ainda abaixo da meta de formação docente no ensino superior.
Mais mestres em sala de aula
“Deveria ser proibido que o Brasil tivesse pessoas atuando na educação básica sem a formação naquela área de graduação e na educação superior sem, pelo menos, o mestrado. Eu acho que o novo Plano Nacional de Educação vem com essa mensagem: de que precisa haver mais mestres em sala de aula no Brasil para que a educação básica e [o ensino] superior melhorem no país. A Capes está aí para ajudar nesse desafio de aumentar a quantidade de mestres na educação”, afirma.
A presidente da Capes visitou a Unesp em 24 de junho, na capital paulista, para uma palestra sobre desafios e perspectivas da pós-graduação brasileira, voltada a coordenadores dos 140 programas de pós-graduação da Universidade. No encontro, falou sobre a elaboração da nova versão do Plano Nacional de Pós-Graduação, comentou de passagem acerca do novo programa de internacionalização a ser lançado em breve pela Capes e demonstrou ter uma visão integrada da educação nacional. Apresentou números da graduação, respondeu perguntas sobre ensino médio e enfatizou a necessidade de se formar mais mestres e doutores no país, embora esta seja uma das poucas metas alcançadas no atual Plano Nacional de Educação. Segundo números ainda preliminares, o Brasil fechou o ano de 2023 com quase 66,5 mil mestres e 25,3 mil doutores formados, atingindo a meta do PNE para a pós-graduação.
“Mais respeito quando se fala na pós-graduação no Brasil porque é uma história de sucesso, tanto em termos de avanço, de aumento, de interiorização… Nós temos feito nosso trabalho”, resumiu a presidente da Capes durante a palestra (confira a apresentação no vídeo abaixo).
Crise localizada
Para a presidente da Capes, um dos fatores que afastava interessados para a realização de mestrado e de doutorado foi corrigido no ano passado, quando, após quase dez anos, a agência reajustou o valor das bolsas. A ex-reitora da UFRJ explica que isso só foi possível porque o orçamento da fundação saltou de R$ 3,6 bilhões em 2022 para R$ 5,4 bilhões em 2023, ano em que a Capes concedeu 47.187 bolsas de mestrado e 52.895 bolsas de doutorado –ou 79% de todas as bolsas ofertadas no sistema de pós-graduação do país.
“O que nós precisamos entender é que há capacidade instalada no Brasil em todas as áreas do conhecimento e com cursos de excelência, com cursos que têm nível internacional. Isso é importante porque, uma vez que haja capacidade instalada, no momento em que o recurso volta, em que o fomento volta, o Brasil já está preparado para desenvolver essas áreas”, diz Denise Pires de Carvalho.
De acordo com a docente, a crise na pós-graduação atualmente está localizada em algumas áreas, especificamente nas engenharias, nas ciências exatas e da terra, nas ciências agrárias, e nas ciências biológicas, nas quais houve uma diminuição no número de ingressantes nos últimos anos.
“Minha hipótese é que nessas áreas houve uma possibilidade de empregabilidade melhor que nas outras e as pessoas se desviaram para os empregos, sejam formais ou não formais. Quando olhamos a área das engenharias, é claro (esse movimento). E com a ‘pejotização’ fica ainda mais difícil você acompanhar se essa pessoa é uma pessoa jurídica que está empregada ou não”, pondera a presidente da Capes.
“Então, me parece serem áreas nas quais os profissionais formados não foram atraídos para a pós-graduação. Não que a pós-graduação não seja importante para eles. É fundamental. Mas porque o valor da bolsa estava muito baixo. Com o reajuste das bolsas, a ampliação no número de bolsas e a nova portaria Capes de 2023 que permite acúmulo de salário com bolsa, esses profissionais devem retornar para os bancos do mestrado e do doutorado. É isso o que a gente imagina que vai acontecer.”
Imagem acima: Presidente da CAPES Denise Pires de Carvalho durante evento na Unesp (Crédito: Fabio Mazzitelli)