Nascido na Argentina, Willy Verdaguer construiu sua carreira musical no Brasil, onde reside desde os anos 1960 e se destacou como contrabaixista, compositor, arranjador, diretor musical e maestro, gravando seu nome na cena da música pop e instrumental feita dentro e fora do nosso país.
Willy nasceu em 21 de julho de 1945, na província de Buenos Aires. Seu talento para a música foi percebido logo cedo por familiares. “A minha relação com a música se iniciou ainda pequeno. Não havia músicos na família, mas tínhamos um piano. Toda semana, eu ia ao cinema junto com meus pais e minha irmã. Quando a gente retornava para casa, eu corria para o piano e, com as mãozinhas, tocava de ouvido a música do filme que havíamos assistido. Meus pais falavam: ‘a gente tem um gênio em casa!’ Eles me incentivaram a estudar música e me colocaram para ter aula com uma professora em casa toda semana. Mas confesso que não gostava muito de estudar piano”, diz. Ele se recorda de escutar discos de grandes óperas que o pai possuía, com registros de artistas como Enrico Caruso e Niccolò Paganini. Ele ficava parado em frente ao alto falante e brincava de reger a música que vinha dos discos. “Isso alimentava meu imaginário e as pessoas diziam que ali havia um talento. Mais tarde, influenciado pela minha irmã mais velha, comecei a ouvir rock e cantores da época”, diz.
Um amigo chamado John tocava violão e o ensinou a executar alguns acordes quando Willy tinha 13 anos. Os dois tocavam juntos, e Willy percebeu que estava evoluindo no instrumento. “O pai desse meu amigo era contrabaixista da orquestra municipal. Ele sempre nos escutava tocando na casa dele. Certa vez, ele foi conversar com meu pai e disse: “Olha, o teu filho tem uma coisa muito especial. Ele já ultrapassou meu filho no aprendizado de violão. Vale a pena investir na música”. Meu pai então me levou para comprar uma guitarra elétrica, um amplificador e uma palheta, e eu saí muito feliz com o novo instrumento. Então, com 15 ou 16 anos comecei a montar conjuntinhos e a tocar em bailinhos, festinhas e outros espaços. Aí, meu mundo mudou”, diz.
Posteriormente, Willy montou uma banda chamada Bob Cats, junto com o músico Billy Bond, um pioneiro da cena do rock na Argentina, que produziu Ney Matogrosso e foi membro do grupo Joelho de Porco e se tornou um produtor célebre. Inicialmente, ele atuava como um dos dois guitarristas do grupo. Um dia, o baixista saiu. Willy agarrou o contrabaixo e iniciou-se ali uma grande parceria. “Peguei o baixo e não larguei mais. Depois, já como baixista, montei a banda Guantes Negros. Essa banda teve uma reverberação muito bacana, que me possibilitou fazer um nome do meio musical, despertou o interesse de outras bandas e resultou em um convite para vir ao Brasil”, conta.
O músico argentino chegou ao Brasil em 1967, para atuar como integrante do Beat Boys , quinteto de vanguarda fundamental no apoio à formatação da Tropicália. O Beat Boys foi um grupo de rock, surgido em São Paulo em meados da década de 1960, formado pelos músicos argentinos Tony Osanah (guitarra e voz), Cacho Valdez (guitarra), Toyo (órgão), Willy Verdaguer (baixo) e Marcelo Frias (bateria). Ao longo de sua trajetória, os cinco se apresentaram acompanhando grandes nomes da música brasileira.
Willy conta que, quando chegou ao Brasil, o Beat Boys já estava por aqui há um ano. Eles se apresentavam em um restaurante requintado que se chamava O Beco, localizado na rua Bela Cintra, próximo à Avenida Paulista. “Tocávamos todas as noites no Beco. Era muito interessante, pois vários artistas participavam de cada apresentação. Havia dois grupos de rock, um trio de samba, jazzistas, humoristas… Era uma espécie de teatro de revista: cada artista se apresentava por 15 ou 20 minutos e depois retornava ao palco”, conta.
“Certa vez, estávamos no camarim quando chegou o garçom e disse que algumas pessoas numa mesa queriam falar com a gente. Fomos até lá e levantou-se um cara e disse: ‘Prazer, eu sou o Caetano Veloso’. Levantou outro jovem e disse: ‘Prazer, sou o Gilberto Gil’. Depois, uma menina diz: ‘Prazer, eu sou a Gal Costa’. Por último se levantou um cara que disse: ‘Eu sou o Guilherme Araújo, empresário deles’”, conta.
Willy conta que os três estavam começando a despontar como artistas, mas ainda não eram famosos. Gil, que era o mais comunicativo dos três, contou que eles participariam de um festival próximo, e que ele e Caetano estavam tentando revolucionar a música inserindo guitarras elétricas. Disse também que iria apresentar a música Domingo Parque e que havia chamado um conjunto chamado Mutantes para acompanha-lo. “E disse que o Caetano ia apresentar uma música que se chamava Alegria Alegria e gostaria que o Beat Boys tocasse com ele no festival. Foi assim que rolou essa oportunidade tão relevante”, diz. Os estudiosos reconhecem que o arranjo de Alegria Alegria, de autoria de Willy, foi um marco para a adoção da guitarra elétrica e do baixo elétrico na MPB.
Secos e Molhados
Outro destaque na carreira musical de Willy envolve sua colaboração com o conjunto Secos & Molhados.
Antes que o famoso grupo surgisse, Willy tocava numa banda que acompanhava musicais de teatro. Eram grandes produções, que contavam com nomes célebres como Antônio Fagundes, Marília Pêra, Raul Cortez ou Nuno Leal Maia, dentre outros. Esse trabalho proporcionou boa visibilidade musical para Willy e seus companheiros.
Em 1972, estava em cartaz uma adaptação de Os Lusíadas, a célebre obra de Luís de Camões. Denominado A Viagem, o espetáculo contava com mais de 50 dançarinos e cantores. Dentre eles estava o jovem Ney Matogrosso, ainda um anônimo. “O Ney Matogrosso, o João Ricardo e o Gérson Conrad formavam um trio vocal. Certa vez, o Ney convidou o João Ricardo e o Conrad pra assistir A Viagem, e ambos ficaram na plateia. Quando acabou o espetáculo, durante a confraternização, ambos chegaram até nós dizendo que queriam montar um conjunto, e que gostariam de contar com a gente para acompanhá-los. Ali começou a se desenrolar todo o processo”, diz.
Como colaborador, o músico argentino teve a oportunidade de participar do processo de elaboração e gravação de dois álbuns da banda: Secos & Molhados 1973 e Secos & Molhados 1974. Ambos são reconhecidos, dentro e fora do Brasil, como obras-primas da MPB. “Participei de tudo, desde os ensaios até a concepção dos discos. Na verdade, fiz os arranjos e as linhas de contrabaixo de inúmeras canções. Tínhamos um grupo de excelentes músicos e com letras geniais, mas posso dizer que os outros tocavam em função do baixo. É importante dizer que o João Ricardo acatava as minhas levadas, e nunca restringiu qualquer sonoridade que eu apresentei durante os ensaios”, relata.
Ele destaca a percepção e atuação artística de Ney. “A presença dele era diferenciada. Era um cara simples, controlado, gente boa, muito inteligente. Sacava tudo que estava rolando, mas era na dele, bem discreto”. E conta que a ideia de usar rostos pintados também veio de Ney.
“Nós continuamos a tocar na peça (A Viagem). Havia um bar no teatro onde se reuniam músicos, artistas e intelectuais da época, e o Secos & Molhados decidiu tocar para esse público nesse espaço mais intimista. A peça acabou e o Ney foi lá embaixo tirar a maquiagem. Mas algumas partes da maquiagem ele não conseguiu tirar, até que decidiu: vou fazer o show assim. Aliás, vou colocar mais tinta, mais purpurina. De repente, decidiu também tirar a roupa e ficar com uma sunga e uma franja pendurada, com um visual do tipo “jeito animal de ser”. E, logo na primeira música, o Ney começou a andar de quatro no chão, olhando na cara das pessoas. Foi uma loucura”, lembra.
Em 1974, a banda acabou. Para o músico foi um impacto tremendo. “O fim foi terrível. Nós estávamos com tudo: sucesso, músicas lindas e viajando o Brasil inteiro. Foi um casamento, mas, como muitos casamentos, também chegou ao fim.”
Carreira solo
Após o fim do Secos & Molhados, Willy deu continuidade a sua trajetória enveredando por várias trilhas musicais. Dentre seus incontáveis trabalhos, merece destaque sua atuação como criador, diretor musical e contrabaixista do grupo Raíces de América.
O Raíces de América tem mais de quatro décadas de existência e segue na ativa até hoje. Seus arranjos elaborados misturam instrumentos folclóricos e eletrônicos para compor um belo mosaico da riqueza musical latina-americana. Gravou vários discos e se apresentou por todo o Brasil e em países como Holanda, Bélgica e Espanha, entre outros países. Willy tocou também com nomes importantes da cena cultural de São Paulo, como Walter Franco, Luis Sérgio Carlini (que foi guitarrista do Tutti Frutti) e Guilherme Arantes.
Em 1990, Willy compôs o musical Pulomelu – A Criação do Mundo, em parceria com David Kullock. Sob a sua direção e regência, o espetáculo foi encenado no Brasil e na Espanha. Em 2000, foi diretor da orquestra e regente da produção brasileira para o musical da Broadway RENT. De 2003 a 2005, foi diretor da orquestra no musical O Mágico De Óz, no Brasil e no Chile. Em 2006, compôs, para a National Geographic Chanel, a trilha sonora do documentário Pelos Caminhos de Che.
Willy é formado em Regência Orquestral na Universidade Livre de Música Tom Jobim, pelo maestro Roberto Farias, e produz composições e arranjos para orquestras e bandas sinfônicas. Em 2007, compôs a pocket-ópera IQUIQUE sob o libreto de Billy Bond, executada pelo Raíces de América com a Banda Sinfônica Jovem de São Paulo, a Banda Sinfônica de Cubatão e a Banda Sinfônica de Nova Odessa. Em 2008, no Memorial da América Latina, tocou suas composições e arranjos, acompanhado pela Orquestra Sinfônica Tom Jobim, com a regência do maestro Roberto Sion.
Com nova formação, em 2016, retornou ao cenário musical com o quinteto instrumental Willy Verdaguer e Humahuaca. Nessa proposta, elementos musicais em profusão se fundem com identidade e vigor, viajando entre o rock e o jazz, o folclore e o clássico. No ano de 2019 o baixista faz o primeiro show do Lommo, banda de músicos experientes que trazem aos palcos o melhor do Rock Argentino além de músicas autorais.
Em paralelo, Willy gravou seus trabalhos solos autorais e segue com inúmeros projetos culturais em andamento. “Tenho muito orgulho da minha trajetória. Sou uma pessoa modesta, mas não posso esconder que tive uma importância forte na história da música brasileira. Desde a minha entrada no Beat Boys, passando pelos festivais, o Secos & Molhados e tantos outros trabalhos que faço até hoje. Guio minha obra pela qualidade. Não tenho grande popularidade, mas creio que em 90% dos livros sobre rock e MPB lançados no Brasil, meu nome é citado. Isso não tem preço.”
Confira a entrevista completa no Podcast MPB Unesp.