Especialista em saúde pública da Unesp analisa explosão de casos de dengue e iniciativas para combate à doença em SP e em outras regiões do país

Adriano Mondini comenta bons resultados apresentados pela nova vacina e problemas no combate à disseminação da doença, que ainda é vista com negligência por parte da população. “Precisamos adequar a comunicação a diversidade de linguagem e de condições sociais que vemos no Brasil”, diz.

De acordo com os dados atualizados pelo Ministério da Saúde, o Brasil atingiu esta semana a marca de 512 mil casos de dengue registrados em 2024. Esse número agrega tantos os casos confirmados como aqueles classificados como prováveis, ou seja, que ainda estão em averiguação, em todos os estados, desde o início de janeiro até 12 de fevereiro. Os estados que registraram maior número de casos foram Minas Gerais, Acre, Paraná, Goiás, Espírito Santo e Rio de Janeiro, e também o Distrito Federal, e neles houve decretação de estado de emergência na saúde, o que é associado a um quadro de epidemia.

No levantamento, foram confirmadas 75 mortes pela doença. Outras 217 estão em análise. O número de 512 mil casos é quase quatro vezes maior do que o total registrado no mesmo período em 2023. À época, ocorreram 128,8 mil notificações.

A dengue é transmitida pela picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti e é considerada pelas autoridades em Saúde como a arbovirose urbana mais prevalente nas Américas. De acordo com o Ministério da Saúde, o aumento de casos está relacionado a combinação de fatores como calor excessivo, chuvas intensas, a possível influência do El Niño sobre o clima e o ressurgimento recente dos sorotipos 3 e 4 do vírus da dengue no Brasil.

A vacinação contra a dengue teve início na semana passada, segue um calendário progressivo e enfrenta limitação no volume de doses disponíveis. Segundo o Ministério da Saúde, o primeiro lote vai ser destinado a crianças de 10 a 11 anos. A expectativa é que a vacinação alcance aproximadamente 500 cidades, o que equivale a cerca de 10% do total de municípios brasileiros. As restrições quanto à disponibilidade do imunizantes se devem às limitações do laboratório responsável por sua produção, a empresa japonesa Takeda. O Ministério da Saúde vai receber pouco mais de 6,5 milhões de doses. Destas, 5,2 milhões foram compradas e 1,3 milhão foram doadas.

O biólogo Adriano Mondini, especialista em saúde pública, pesquisador da dengue e docente da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp, campus de Araraquara, alerta para alta acentuada no índice de casos e o cenário de combate à dengue no Estado de São Paulo.

“Segundo o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, nas quatro primeiras semanas de 2024 o Estado de São Paulo registrou pouco mais de 39 mil casos, o que significa um aumento de quase 200% em relação ao mesmo período de 2023. É importante lembrar que o Estado tem uma população numerosa, com cerca de 44 milhões de pessoas, e historicamente tem a presença do mosquito Aedes aegypti nos seus 645 municípios”, diz.

“A alta densidade populacional e a presença do mosquito transmissor já são dois fatores que podem favorecer a transmissão do vírus da dengue. Obviamente, há outros indicadores que precisam ser avaliados. Um deles é o estado imunológico da população humana em relação ao tipo de dengue que está circulando, ou seja, quem já teve aquele sorotipo ou não. Outros fatores incluem as condições climáticas que podem favorecer localmente a proliferação do mosquito, e as políticas locais para o enfrentamento da doença”, diz ele.

O mais recente boletim do Ministério da Saúde situa o Estado do Rio de Janeiro entre as regiões mais preocupantes. “Nesse mesmo período, o Rio de Janeiro experimentou um aumento de quase 1200% em relação ao ano passado. Os casos saltaram de 1.375 para quase 18 mil. É bastante expressivo.” O docente explica a importância de tecer estas comparações, que envolvem números de casos e períodos do ano, para que se possa posteriormente chegar ao possível alerta de uma epidemia. Um aumento dos números de casos de dengue em boa parte do país, nesta época do ano, já era esperado. Mas o que está sendo observado ultrapassou as expectativas, e ligou o alerta para as autoridades sanitárias quanto à possibilidade de que talvez esse crescimento já possa ser classificado como epidemia.

“Por exemplo, imagine uma cidade de 10 mil habitantes para a qual são esperados 30 casos de dengue para o mês de janeiro. Se ela reportar dez vezes mais casos, mas for um evento isolado, será necessário adotar cuidados, mas se trata de um surto apenas, não de uma epidemia. O problema se dá quando os surtos começam a acontecer em várias cidades, e em vários estados de uma nação. Aí, diz-se que esse conjunto de surtos é uma epidemia”, explica. A partir da constatação da pandemia, as autoridades médicas podem intensificar ações de controle da doença e deixar o sistema de saúde em alerta. “Inclusive para a gestão dos pacientes febris que vão chegar nos postos de saúde e nos hospitais”, exemplifica.

A ampliação da vigilância viral para arbovírus é uma medida extremamente importante para entender melhor os cenários epidemiológicos em que os municípios estão inseridos. “Quando falo em vigilância viral, me refiro ao diagnóstico molecular que utiliza ferramentas capazes de detectar, por exemplo, os sorotipos que estão circulando, além de outros arbovírus que possam estar ali também em meio aos sorotipos de dengue, como zika e chikungunya”, diz.

Ele lembra que, no passado, houve epidemias em que o quadro de febre na verdade não era causado apenas pelo vírus da dengue, ou pelo zika vírus. “Pudemos saber disso porque havia uma estratégia de vigilância viral molecular para monitorar outros arbovírus, quando foram detectados”, diz. Nesses casos, a detecção precoce pode favorecer o desencadeamento de medidas de controle que ajudam a conter o espalhamento de um vírus. Isso é importante, principalmente, nos casos em que um vírus está circulando pela primeira vez. Nestes eventos, a população, por não ter travado contato anteriormente com o vírus, ainda não desenvolveu ferramentas imunológicas para se defender de uma infecção.

Embora, na maior parte dos casos, o diagnóstico da doença se dê pela via clínica, ou seja, baseado nos sintomas que a pessoa apresenta, é importante que a população procure uma unidade de saúde o mais rápido possível em caso de suspeita de dengue. “Isso ajuda a entender melhor o cenário epidemiológico e a identificação de áreas que apresentam riscos diferenciados para a transmissão do vírus da dengue”, diz.

O docente diz que a dengue ainda é negligenciada em algumas regiões. “De fato, apesar dos investimentos e do comprometimento de diferentes esferas do governo, a dengue ainda é negligenciada. Diferentemente de doenças cuja letalidade é acentuada, em alguns casos a infecção pelos sorotipos da dengue pode resultar em sintomas leves e que desaparecem depois de alguns dias, sem maiores complicações. No entanto, o que tem sido observado é que os casos graves e com sinais de alarme que requerem maior atenção do equipamento de saúde vêm crescendo ao longo dos últimos anos.”

E defende que seja reavaliada a forma pela qual se conduz o combate à dengue e a outros arbovírus no país. ” Num país diverso e de tamanho continental, como o Brasil, é preciso uma adequação à linguagem e à realidade dos diferentes tipos de público. As diferenças regionais podem comprometer a forma como a mensagem chega até a população. Outro fator que impacta o combate à dengue são as imensas desigualdades sociais, que fazem com que as prioridades sejam mais individualizadas e menos coletivas, o que ignora as diferenças nos níveis de proteção social entre os indivíduos.”


Vacina contra dengue tem se mostrado eficiente

Nos últimos anos, têm surgido diversas iniciativas inovadoras para enfrentar o vírus da dengue, como o uso de mosquitos geneticamente modificados. No entanto, algumas destas estratégias tem pontos menos positivos, como limitações a algumas localidades ou custos elevados. Esse é o caso também da vacinação.

“Já temos algumas estratégias vacinais disponíveis contra a dengue. No entanto, o impacto de longo prazo depende que a vacina seja capaz de oferecer proteção igual para os quatro tipos de dengue que temos no Brasil. A mais recente empreitada, em termos de estratégia vacinal, sugere uma taxa de eficácia de 80% nos primeiros meses após a segunda dose em pessoas já expostas e em pessoas que não foram expostas ao vírus. Igualmente, depois de 18 meses, a eficácia cai para 76% em pessoas que tiveram contato com o vírus e para 66% nas pessoas que nunca tiveram infecção anterior pelo dengue”, diz. “É importante lembrar que no quadro atual temos 4 tipos de dengue: DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN-4, e a vacina serve contra todos. Mas o que foi mais identificado foi o DEN-1″.

Já chegaram ao país 757 mil doses da vacina e mais 568 mil estão a caminho. No entanto, vale lembrar que a vacinação ocorrerá numa faixa etária específica para crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos, já que foi essa uma faixa etária que apresentou o maior caso maior número de hospitalizações no período dos últimos cinco anos.

Ouça abaixo a íntegra da entrevista de Adriano Mondini.

Imagem acima: recipiente com vacina contra a dengue. Crédito: Agência Brasil