Asteroides são rochas espaciais que podem chegar aos 1.000 km de extensão e que estão em sua maioria concentradas em uma região situada entre os planetas Marte e Júpiter. Elas são antiquíssimas e por isso despertam grande interesse junto aos astrônomos que procuram reconstruir a história do Sistema Solar. Agora, um novo estudo que contou com a participação de pesquisadores da Unesp sugere que esses corpos celestes passaram por uma jornada mais acidentada e complexa do que se imaginava anteriormente, envolvendo extensos deslocamentos pelo cosmo e expressivas reduções de tamanho.
Há 4,5 bilhões de anos, o colapso de uma nuvem nebulosa deu origem ao Sol e deixou para trás um disco de poeira e gás que seria responsável pela formação de tudo que hoje é conhecido como Sistema Solar. O acúmulo dessa poeira deu origem aos planetesimais, uma espécie de “blocos de construção” que seriam empregados para a formação dos planetas e dos corpos que mais tarde se tornariam os atuais asteroides, cometas e satélites.
À época, os planetesimais estavam espalhados pelo Sistema Solar. No caso dos asteroides, essa variação contribuiu para o surgimento de dois tipos principais, com características diferentes. Hoje, porém, a imensa maioria dessas rochas espaciais está concentrada na mesma região do cinturão de asteroides, situado entre as órbitas de Marte e Júpiter. As razões que levaram à fixação desses diferentes tipos de asteroides numa mesma região ainda intrigam os estudiosos.
A busca de respostas a esta e outras questões ligadas à evolução do Sistema Solar levou os pesquisadores a coletarem evidências que sugerem que, muito provavelmente, os asteroides eram maiores no passado. O artigo “Asteroids were born bigger: An implication of surface mass ablation during gas-assisted implantation into the asteroid belt”, publicado na revista científica Icarus, aponta que essas grandes rochas celestes podem ter perdido até 40% de sua massa durante os primeiros cinco milhões de anos do Sistema Solar devido a interações que envolveram o disco de gás e poeira gerado durante a formação de Júpiter e Saturno.
“O cinturão abriga milhares de asteroides que possuem os mais diversos tamanhos”, diz Rafael Ribeiro de Sousa, um dos autores do artigo. “Mas ele é composto principalmente pela sobreposição de dois tipos de asteroides: os do tipo-S, ricos em silicato, e os do tipo-C, com predominância de carbono”, diz o professor e pesquisador na Faculdade de Engenharia e Ciências da Unesp, campus Guaratinguetá.
Asteroides do tipo-S são extremamente secos e rochosos. Por conta dessas características, acredita-se que se formaram na parte interna do Sistema Solar, mais próxima do Sol, onde as altas temperaturas não permitiam a existência de água ou outros compostos voláteis, de fácil evaporação. Já os asteroides do tipo-C eram super-hidratados e parte da sua composição consistia em gelo astrofísico: uma mistura de elementos como água, monóxido de carbono, dióxido de carbono e amônia. Para que a existência do gelo fosse possível, é necessário que eles tenham se formado na parte exterior do Sistema Solar, para além de uma fronteira conhecida como Linha do Gelo. Lá podem ser encontradas temperaturas suficientemente baixas para permitir a condensação dos componentes.
Partindo da informação de que os planetesimais mediam aproximadamente 100 km de diâmetro, os autores procuraram simular os processos de formação que levaram ao surgimento das duas categorias de asteroides. Os resultados das simulações sugerem que asteroides do tipo-S mantiveram seu tamanho praticamente inalterado durante toda a história do Sistema Solar. Já asteroides do tipo-C sofreram reduções drásticas, e podem ter perdido entre 30% e 40% de seu tamanho original. E parte de sua população original, aliás, pode simplesmente ter se desintegrado com o tempo. Ou seja, o número de asteroides ricos em carbono pode ter sido maior no passado.
Sousa diz que a causa do encolhimento dos asteroides do tipo-C está relacionada à formação dos dois brutamontes do sistema solar, os gigantes gasosos Júpiter e Saturno. Essa influência seria responsável também por deslocar as rochas especiais do lugar onde se formaram originalmente e se concentrarem, quase todas, na região do cinturão.
Asteroides moldados pelo calor
Souza explica que o tamanho dos planetesimais está associado à sua formação, que ocorre por um mecanismo conhecido como Streaming Instability, ou Instabilidade de Fluxo. “Uma estrela se forma a partir do colapso de uma nuvem molecular gigante, composta basicamente de hidrogênio, hélio e de uma quantidade mínima de poeira”, conta o físico. Com o colapso, é formado um disco ao redor da nova estrela composto aproximadamente por 99% de gás e 1% de poeira, que é arrastada pelos gases em um movimento circular em torno do objeto.
Apesar de pequena, a quantidade de poeira não é desprezível: é a partir dela que os planetesimais irão se formar. “A poeira liberada na explosão pode seguir dois caminhos principais: no primeiro caso, ela é arrastada pelo gás e, rapidamente, vai acabar espiralando no sentido da estrela. Nesse caso, toda a poeira se perderia rapidamente”, explica. “Porém, pesquisas descobriram que o arrasto sofrido pelo gás faz com que as partículas se acumulem em grãos cada vez maiores, responsáveis por criar uma barreira que interrompe o fluxo da poeira em direção à estrela”, finaliza. É graças a esse mecanismo que os planetesimais são formados, devido ao acúmulo de grãos de poeira liberados no momento do surgimento de uma nova estrela.
A instabilidade de fluxo também permite supor que os corpos celestes recém-formados teriam em torno de 100 km de diâmetro, medida média utilizada pelo grupo de pesquisa. Além disso, o trabalho considerou os três modelos de formação de Júpiter e Saturno mais aceitos atualmente. O primeiro, conhecido como “in situ”, aponta que os planetas começaram a surgir mais ou menos na mesma região em que eles se encontram hoje. Um segundo modelo defende que Júpiter e Saturno teriam se formado em regiões muito afastadas, a uma distância entre 10 e 15 Unidades Astronômicas (AU), e depois teriam migrado para sua localização atual, a aproximadamente 5 AU do Sol. Por fim, um dos modelos mais recentes, recebe o nome de Grand Tack, e discute a possibilidade de Júpiter e Saturno terem iniciado sua formação em uma região mais próxima do Sol e depois terem realizado duas migrações: uma para perto do Sol, a uma distância próxima de onde a Terra está hoje, e outra se afastando, até alcançar o local onde se estabeleceram no Sistema Solar.
As simulações foram feitas adotando-se os três cenários de formação descritos acima e considerando uma quantidade inicial de milhões de planetesimais. Em todos os cenários, os resultados foram idênticos. A pesquisa demonstra que, durante a formação de Júpiter e Saturno, foram geradas temperaturas extremamente altas na superfície dos planetesimais, responsáveis por causar um fenômeno conhecido como ablação nesses objetos. Na ablação, os planetesimais sofrem uma forma de erosão; nesse caso, o calor e a fricção gerada pelos gases no processo de formação dos gigantes gasosos seriam responsáveis por derreter e evaporar os compostos presentes nos asteroides tipo-C. Isso resultaria em uma diminuição de seu tamanho original. Outra consequência foi um deslocamento dos planetesimais para a parte interna do Sistema Solar.
No decorrer desses processos, os asteroides localizados no exterior do Sistema Solar seriam arrastados pelo gás para a parte mais interna do sistema. Ali se encontrariam com os asteroides do tipo-S. Estes, embora não tenham sofrido alterações no seu tamanho, por serem mais resistentes ao calor, foram atraídos no sentido de Júpiter, por conta de sua força gravitacional. Ao final do processo, e com o desaparecimento do disco de gás, o resultado seria a formação do cinturão de asteroides, que abriga uma miríade de objetos de diferentes tipos e tamanhos.
Origem da água na Terra segue em aberto
Embora as simulações sugiram que os planetesimais tenham experimentado praticamente a mesma diminuição de tamanho, independentemente do cenário adotado para explicar a formação de Júpiter e Saturno, o grupo percebeu que, em alguns casos, a depender de quão violenta possa ter sido a formação dos planetas, alguns planetesimais podem ter se desintegrado completamente devido ao efeito da ablação. Nesse caso, alguns objetos não teriam sido capazes de alcançar distâncias próximas de 1 Unidade Astronômica, a região onde a Terra se encontra.
Segundo Sousa, essa constatação abre uma porta para futuras pesquisas. Afinal, ela coloca em xeque uma das principais teorias para explicar a origem da água no planeta Terra. Essa visão sustenta que a água e outros elementos voláteis chegaram aqui trazidos por planetesimais que se chocaram com nosso planeta enquanto ele estava em seu período de formação. “Nas simulações vimos que, em alguns modelos, os planetesimais se evaporam por completo antes de terem chance de colidir com a Terra em formação. Isso é um indício para repensarmos algumas hipóteses da formação da água na Terra”, diz o pesquisador.
Imagem acima: ilustração representando o cinturão de asteroides localizado entre as órbitas de Marte e Júpiter
Crédito: ESA