Ator, compositor, cantor e apresentador que por décadas conduziu diferentes programas que projetaram a cultura brasileira, Rolando Boldrin recebeu, no dia 14 de dezembro, o título de Doutor Honoris Causa in memoriam da Unesp. A cerimônia de outorga foi realizada na presença de amigos e familiares do artista, na abertura da sessão extraordinária do Conselho Universitário, no auditório da Escola Paulista da Magistratura, em São Paulo.
Boldrin se torna a vigésima-primeira pessoa a receber o título, concedido a personalidades que tenham se destacado pelo saber ou pela atuação em prol das artes, das ciências, da filosofia, das letras, da promoção dos direitos humanos, da justiça social, dos valores democráticos ou do melhor entendimento entre os povos.
A cerimônia destacou, entre outros aspectos da trajetória de Rolando Boldrin, seu trabalho pela valorização da música tradicional e da cultura regional do Brasil. O evento teve início com a apresentação do músico Mazinho Quevedo, que interpretou uma versão do Hino Nacional na viola, e também executou algumas das mais conhecidas composições do homenageado.
Falecido em 2022, aos 86 anos de idade, Rolando Boldrin foi representado por sua esposa, Patrícia Teresa Maia Boldrin, e pelo colega e ator Saulo Pinto Muniz. Ao celebrar a homenagem prestada pela Unesp, Patrícia destacou o legado do marido como um guardião da cultura popular que nos ensinou a amar o Brasil de carne e osso, e não uma versão utópica e idealizada.
O sétimo de doze filhos, Boldrin se tornou um artista de projeção nacional mesmo com uma formação educacional incompleta. “Para seu pai, escola era apenas para aprender a ler e escrever, e logo teria que arrumar um ofício”, lembrou Patrícia, com quem o homenageado teve duas filhas. “É isso que dá ao dia de hoje um significado ainda mais especial. Rolando não teve a oportunidade do estudo formal quando criança, mas hoje esse menino do interior de São Paulo recebe o título de Honoris Causa, ficando ao lado de figuras como Milton Santos, Celso Lafer, Mia Couto, Adélia Borges, entres outros agraciados pela Unesp com esse título”, afirmou, emocionada.
A Faculdade de Engenharia e Ciências (FEG) do câmpus de Guaratinguetá foi a responsável pela indicação do artista. Na proposta apresentada em 2022, quando Boldrin ainda estava vivo, os docentes José Antônio Balestieri, Arminda Campos, José Alexandre Matelli, Maurício Delamaro, Paulo Soares e Rubens Dias, destacaram no texto a notoriedade dos serviços prestados por Rolando Boldrin ao país, e sua relação com a universidade. “Como Boldrin, a Unesp também retrata o espírito Paulista com excelência, presente em 24 cidades e cobrindo todas as regiões administrativas do Estado de São Paulo, espalhando seus saberes por meio do ensino público e gratuito da pesquisa inovadora e da extensão universitária”, declararam os docentes.
Responsável pelo pronunciamento panegírico, o diretor da FEG, professor José Alexandre Matelli, explorou a conexão entre atuação de Boldrin no resgate da cultura caipira e a obra do sociólogo Antônio Cândido, que, dentre os diversos temas da sua trajetória acadêmica, estudou a presença de elementos da cultura regional na identidade brasileira. “Hoje em dia a cultura caipira sobrevive em festas tradicionais, em comunidades afastadas, em pequenas propriedades rurais, em assentamentos e em figuras como Rolando Boldrin”, diz Matelli, que destacou a atuação do artista no resgate da dignidade do caipira.
“Não poderia ser mais emblemático que Boldrin se tornasse doutor com a Unesp, uma universidade que nasceu em vários cantos do nosso interior paulista justamente para democratizar o ensino superior para pessoas do interior. Uma universidade de origem caipira, feita por e para caipiras, e que hoje vem ganhando cada vez mais espaço nesse mundão véio sem porteiras, exatamente como nosso mais novo colega unespiano, Rolando Boldrin”, declarou Matelli.
A vice-reitora Maysa Furlan fez referência ao sociólogo britânico de origem jamaicana Stuart Hall para explicitar a relevância da homenagem prestada pela Unesp a Rolando Boldrin. “A cultura é o elemento principal na constituição da identidade, que é o que faz uma comunidade, seja ela local ou global, ser coesa e ter valor de distinção no mundo. É a cultura que nos torna únicos no mundo”, afirmou.
Em sua manifestação, o reitor Pasqual Barretti celebrou a capacidade de Boldrin de valorizar não apenas os grandes medalhões da música popular brasileira em seus programas, mas também resgatar e projetar novos artistas dos mais diversos rincões do Brasil. Citando Liev Tolstói, Barretti afirmou que quem quer ser eterno, deve começar pintando a sua própria aldeia. “Boldrin, ao descortinar o Brasil profundo e popular, tornou-se eterno. Querido Rolando Boldrin, a Unesp, ao lhe conceder o título de Honoris Causa, irmana-se oficialmente no reconhecimento do seu imenso trabalho em prol da cultura brasileira. Nada mais justo para uma pessoa que todo o país reconhecia como Sr. Brasil. Rolando, presente”, finalizou.
Trajetória artística
Boldrin deixa como legado décadas de trabalho a serviço da difusão da música caipira no país. Conhecido por sua voz forte e timbre grave, Boldrin deu os primeiros passos na música ainda menino, mas a mudança para a capital paulista, por volta dos 16 anos, impôs algumas alterações em seus sonhos. Na capital, o jovem desempenhou diversas funções, como sapateiro, carregador e garçom, enquanto tentava viabilizar a carreira artística.
As atuações em programas de teleteatro da TV Tupi foram as primeiras portas que se abriram em sua carreira. Em 1965, estreou a novela “Olhos Que Amei”, na mesma Tupi, e entre os anos 1960 e 1980 atuou em telenovelas nas emissoras Record e Bandeirantes. Nos anos 1990, Boldrin expandiu sua atuação e envolveu-se em longas metragens. O filme “O Tronco”, de 1999 e dirigido por João Batista de Andrade, rendeu-lhe o prêmio de melhor ator coadjuvante no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Sua mais recente interpretação foi lançada cinco anos antes de sua morte. No filme “O filme da Minha Vida”, que é uma adaptação do livro “Um Pai de Cinema”, ele emprestou seu carisma ao personagem Giuseppe.
A literatura também foi uma das áreas desbravadas por Boldrin, que escreveu três livros, todos tendo como marca principal um elemento presente em toda a sua carreira: os “causos”. Em “História de contar o Brasil: um Carroção de Causos de Rolando Boldrin”, “Contando Causos” e “Proseando – Causos do Brasil”, o ator e escritor recorre a este gênero discursivo para contar histórias caipiras e tipicamente brasileiras, que acabaram conquistando o público.
O amor pelos causos e pela música fez de Rolando Boldrin apresentador de programas de TV que reuniam ambas as paixões, e que foram exibidos em todas as principais emissoras do Brasil ao longo de décadas. O sucesso ajudou a consolidar o artista como porta-voz da música regional e da cultura brasileira. O primeiro programa foi na Rede Globo, em 1981, chamado “Som Brasil”. Em seguida, estreou na TV Bandeirantes o “Empório Brasileiro”. Anos depois, em 1989, estava no SBT, apresentando o programa ‘Empório Brasil”.
Último programa comandado por Rolando Boldrin, o “Sr. Brasil”, estreou na TV Cultura em 2006 e ficou no ar ao longo de 17 anos. A exemplo das atrações anteriores, nele estiveram presentes grandes nomes da música brasileira, mas também uma série de artistas menos conhecidos provenientes dos quatro cantos do país.
No ano de 2010, Rolando Boldrin foi homenageado pela escola de samba Pérola Negra. O enredo “Vamos Tirar o Brasil da Gaveta” era também título de um álbum organizado por Boldrin e lançado em 2004. A letra do samba-enredo da escola fez questão de homenagear o papel dos causos em sua obra: “e assim eu vou, bordando a história desse meu país / Em cada canto uma raiz / Tantos causos pra contar.”
No vídeo abaixo é possível ver a cerimônia completa, incluindo o pronunciamento e a declamação de poemas pelo ator Saulo Laranjeira, colega de Rolando Boldrin, e as apresentações do músico Mazinho Quevedo. A outorga do título de doutor Honoris Causa ocorreu no início da transmissão da reunião extraordinária do Conselho Universitário.
Imagem de abertura: a Vice-reitora Maysa Furlan, Patrícia Boldrin, Reitor Pasqual Barretti. Crédito das fotos: Marcos Jorge.