No mês de novembro, um tsunami de dados invadiu a cidade de Denver, nos Estados Unidos, onde foi realizada a conferência Supercomputing 2023. O feito foi uma demonstração da capacidade de transmissão de dados entre instituições acadêmicas do mundo inteiro, da qual a Research and Education Network at São Paulo (Rednesp) participou. O resultado foi uma onda informacional que atingiu 6,2 Tbps (Terabits por segundo) de transmissão conjunta; utilizando os servidores da Unesp, USP e Mackenzie, a Rednesp conseguiu colaborar com 260 Gbps (Gigabits por segundo), o equivalente a 4% do fluxo total de dados.
Apoiada pela Fapesp, a Rednesp conecta entre si dezenas de instituições de pesquisa do estado de São Paulo, e também com centros no exterior. Durante a demonstração, liderada pelo California Institute of Technology (Caltech) sob a coordenação do professor Harvey Newman, a Rednesp pôde testar seu novo projeto: o Backbone SP, uma rede de fibra óptica de alta velocidade que tem como objetivo interligar oito universidades paulistas entre si e com instituições no exterior. São elas: USP, Unesp, Unicamp, Universidade Mackenzie, UFABC, Ufscar, Unifesp e ITA.
O projeto conta com uma velocidade de conexão de 100 Gbps para transferências dentro do estado, além de se conectar a redes acadêmicas internacionais por meio do consórcio Amlight, com sede na Flórida; da RedClara, na América Latina; e do Ellalink, na Europa. Para os Estados Unidos, a transmissão chega a atingir 600 Gbps enquanto que as ligações com a América Latina e a Europa permanecem em 100 Gbps. A título de comparação, a velocidade da rede interna da Unesp alcança apenas 10 Gbps. “O Backbone SP é uma rede de pesquisa para começarmos a nos preparar para a realidade de que, muito em breve, será necessária uma maior velocidade para a transmissão de dados. Com ela, nós estamos habilitando a Unesp a participar de grandes projetos científicos”, diz Ney Lemke, atual coordenador da Rednesp e docente do Departamento de Biofísica e Farmacologia da Unesp, campus Botucatu.
A Supercomputing 2023 ocorreu entre os dias 12 e 17 de novembro e é considerado um dos principais eventos da área de computação de alta performance; neste ano conseguiu reunir um total de 17 mil participantes. Além dos 260 Gbps alcançados durante a demonstração, de maneira isolada, a Rednesp atingiu um total de 320 Gbps, com uma latência de 145 ms da conexão vinda pelo Atlântico, e 200 ms da conexão vinda do Pacífico. Anteriormente, a taxa máxima obtida havia sido de 80 Gbps, ou seja, entre um ano e outro a velocidade ficou quatro vezes mais rápida.
Lemke diz que tão importante quanto a capacidade de transmitir uma grande quantidade de dados é manter a velocidade de transmissão alta, o que se reflete em uma latência baixa. “A latência é o tempo necessário para que os dados se propaguem”, explica o pesquisador. Em uma chamada de vídeo, por exemplo, se a latência da conexão estiver elevado, começam a acontecer atrasos e delays durante a conversa. Já uma latência baixa implica uma comunicação praticamente instantânea. “Se a latência for alta, qualquer pesquisa que precise de interações entre indivíduos em diferentes lugares vai ficar prejudicada”, conta Lemke. “Esse é um fator crítico, não só para o meio acadêmico, mas para a vida cotidiana. Grandes lojas virtuais, por exemplo, só conseguem fazer entregas rápidas em praticamente qualquer lugar do país porque houve um esforço grande de rede que permite aos diferentes setores manterem-se conectados desde o momento da compra, até a entrega do produto”, diz.
Hoje, ainda são poucos os projetos que exploram a capacidade do Backbone SP. Um deles é o Sprace. Situado no Núcleo de Computação Científica da Unesp, é responsável por processar parte dos dados obtidos no Grande Colisor de Hádrons (LHC), o maior acelerador de partículas do mundo, operado pela Organização Europeia de Pesquisa Nuclear (Cern). Ainda assim, a banda utilizada pelo projeto é pouco mais da metade disponível: aproximadamente 60 Gbps.
“Queremos aumentar essa rede paulista. Por isso, estamos no processo de incluir o Sirius e o Inpe no Backbone SP”, diz Lemke. “Se isso acontecer será fantástico para a ciência brasileira, porque o Sirius gera muitos dados. Hoje, é preciso processar e transmitir esses dados por disco portátil porque a conexão é muito lenta, em torno de 1 Gbps. Se conseguirmos ampliar essa conexão para 100 Gbps, se expandem as possibilidades de pesquisa e interação entre pesquisadores”, diz.
No caso do Inpe, o pesquisador prevê que o clima será um dos grandes tópicos do futuro a demandar redes de conexão extremamente eficientes. “Penso que, eventualmente, vamos ter que criar uma rede mundial de compartilhamento de informações sobre o clima. Isso será algo crítico, com muitas aplicações práticas, como a previsão precisa de eventos climáticos extremos”, diz. Outro setor que deverá ocupar uma posição central na utilização das redes é o desenvolvimento de pesquisas em Inteligência Artificial. Segundo o físico, embora o futuro da área de IA não esteja claro, projetos cada vez mais ambiciosos envolvendo modelagem de IAs irão demandar crescente poder computacional e capacidade de rede.
Embora não haja em andamento no Brasil pesquisas que usufruam plenamente das possibilidades de conexão ofertadas pelas redes Rednesp e Backbone SP, Lemke sustenta que a construção dessa infraestrutura é essencial para permitir o desenvolvimento científico e tecnológico no país sem entraves. “Na área da tecnologia da informação, estamos oferecendo coisas que as pessoas ainda não sabem que vão precisar, esse é o nosso papel. Construímos as estradas para que possam servir ao momento em que chegar a demanda”, diz.
Guiada por esta perspectiva, a equipe da Rednesp integra a rede Global Network Advancement Group (GNA-G), cujo principal objetivo é pensar em estratégias de escala global para transmissão de dados em alta velocidade. “A ideia é participar da Supercomputing a cada ano expandindo os limites, indo além do que alcançamos no ano anterior. Agora, já estamos começando a pensar em melhorias de infraestrutura e conexões para o que poderá ser apresentado no ano que vem”, diz Lemke.
Legenda: Espaço de trabalho da equipe Rednesp durante a Supercomputing 2023, em Denver, nos Estados Unidos.
Crédito: Rogerio Motitsuki