Para astrônomo da Unesp, pesquisa que sugere existência de planeta desconhecido traz indícios promissores

Referência no estudo do Sistema Solar, Othon Winter elogia estudo liderado por brasileiro residente no Japão que aponta anomalias em órbitas como possível sinal da presença de um corpo maior do que a Terra na região do Cinturão de Kuiper. Porém, mais estudos são necessários, e classificação de objeto espacial como planeta depende de cumprir certos pré-requisitos.

Haverá um planeta ainda desconhecido vagando pelo Sistema Solar? É o que sugere uma pesquisa conduzida por astrônomos de universidades japonesas que ganhou grande repercussão, publicada no mês de setembro na revista científica The Astronomical Journal. Os estudiosos sugerem que um astro de expressivas dimensões pode existir em uma área situada depois da órbita de Netuno, chamada Cinturão de Kuiper.

Os pesquisadores buscaram por perturbações nas órbitas de objetos situados na região do Cinturão de Kuiper que possam indicar a influência gravitacional de algum corpo de maiores dimensões. Os cálculos dos astrônomos sugerem a possibilidade da existência de um objeto com tamanho entre 1,5 e três vezes o da Terra, e seguindo uma órbita com inclinação de 30 graus em relação ao plano do Sistema Solar.

Othon Winter, físico, astrônomo e professor da Unesp no Campus de Guaratinguetá, diz que a pesquisa se destaca por seu ineditismo, embora a possibilidade de um planeta desconhecido no Sistema Solar já tenha sido proposta antes.

Ele explica que o novo estudo se baseia na observação dos chamados objetos transnetunianos. Eles têm este nome porque estão situados além da órbita de Netuno, que é o planeta mais distante conhecido. Ao estudarem alguns desses corpos, os estudiosos observaram a ocorrência de alguns padrões em suas órbitas, incluindo alguns alinhamentos. A ocorrência desses padrões poderia ser sinal da influência exercida por algum corpo de dimensões maiores nas proximidades. Segue daí a proposta dos estudiosos quanto à existência de um planeta desconhecido na região.

Netuno fica a uma distância de quase 30 unidades astronômicas – uma unidade astronômica equivale a aproximadamente 150 milhões de km. Logo após da sua órbita origina-se a região do Sistema Solar denominada Cinturão de Kuiper. “Um estudo semelhante foi apresentado há alguns anos, que sugeria a existência de um objeto que foi chamado de planeta nove. Este planeta nove, porém, ficaria a uma distância imensa, da ordem de muitas e muitas centenas de unidades astronômicas”, diz Winter. “Agora, o que está sendo sugerido é a existência de um objeto mais próximo da região do Cinturão de Kuiper”, explica.

No Cinturão de Kuiper são encontradas rochas geladas e certos objetos de maior parte, que chegam a ser classificados como planetas anões. Estão nessa categoria Plutão, Quaoar, Orcus e Makemake. Todos, porém, são muito menores do que a Terra. Mesmo Plutão, que já foi classificado como planeta no passado, tem apenas 18% do tamanho da Terra, ou seja, é menor até do que a Lua.

Descoberta de Netuno seguiu roteiro semelhante

Os principais autores do novo estudo são Patryk Lykawka, da Universidade Kindai, e Takashi Ito, do Observatório Astronômico Nacional do Japão. “Acho interessante salientar que, embora muitas notícias digam que os autores do estudo são todos japoneses, seu primeiro autor, Patryk Lykawka, é um brasileiro e colega nosso, ainda que more no Japão há décadas”, diz Winter.

O docente da Unesp diz que a descoberta de Netuno, o último planeta localizado no Sistema Solar, em 1846, seguiu um roteiro mais ou menos parecido com o que está sendo proposto pelo novo artigo. “Os astrônomos do século 19 observavam a órbita de Urano, que era o último planeta conhecido, mais distante, e constatavam um comportamento um pouco estranho. A forma para explicar esse comportamento foi assumir que existisse um planeta depois de Urano perturbando sua órbita”, conta.

A partir dessa previsão, os astrônomos observacionais passaram a buscar por observações do hipotético oitavo planeta em seus telescópios. Assim Netuno foi finalmente encontrado. “Por essa abordagem primeiro, se produz a teoria e depois vem a procura do objeto. Se esse corpo realmente existir e for encontrado, seria uma repercussão gigantesca. Afinal, os planetas que a gente conhece foram descobertos há mais de um século”.

Winter diz que, embora o estudo seja preliminar, apresenta resultados bastante fortes, que servem como indícios. Porém, é preciso desenvolver muitos outros trabalhos teóricos e aperfeiçoar o que se sabe até agora.  “Em paralelo a esse trabalho teórico, é provável também que o pessoal de observação comece a ampliar a procura nessa região, buscando aperfeiçoar os dados. Esse aperfeiçoamento permite restringir a região onde se irá procurar o objeto. Devido as imprecisões que este estudo apresenta, não é fácil fazer esta busca”, diz.

O debate sobre o conceito de planeta

Em 2006, por decisão tomada durante a Assembleia Geral da União Astronômica Internacional (IAU), realizada na República Tcheca, Plutão, que até então era contabilizado como o nono planeta do Sistema Solar, perdeu este status. O motivo foi a elaboração de uma nova definição do termo planeta aprovada pela IAU, que resultou no reconhecimento de apenas oito planetas em nossas vizinhanças.

Othon Winter explica as causas para o que ficou conhecido como “rebaixamento”, de Plutão. “Após a descoberta de Netuno, posteriormente foram observadas certas perturbações em sua órbita, e sugeriu-se que poderiam indicar a existência de outro planeta. Só que os cálculos estavam errados; na verdade, não havia nenhuma perturbação significativa na órbita de Netuno. Mas, mesmo assim, os astrônomos começaram a procurar outro planeta e encontraram Plutão. Foi o primeiro corpo que se observou além da órbita de Netuno”, relata. Porém, com o tempo ficou claro que Plutão é bem menor do que os demais planetas. Suas dimensões o aproximam mais da Lua do que da Terra. “Mas era o corpo mais distante conhecido, e foi considerado planeta”, diz o docente.

No entanto, em 1992, foi descoberto o primeiro objeto na região do Cinturão de Kuiper, situado além de Netuno –  e também além de Plutão. Estes objetos são uma espécie de material remanescente do período de formação do Sistema Solar, que foi ejetado para uma região um pouco mais distante e periférica.  Hoje conhecemos uma centena de objetos no Cinturão de Kuiper. Vários possuem tamanho comparável ao de Plutão. Esse acúmulo de descobertas ensejou o processo de revisão do conceito de planeta. “Não fazia sentido definir todos como planeta. Então, organizou-se uma convenção da União Astronômica Internacional para discutir o tema e propor uma nova definição”, diz Winter.

Ele explica que, para que um corpo seja classificado como planeta, precisa atender a três requisitos.  “Primeiro, o corpo precisa estar em órbita o Sol, pois estamos falando do Sistema Solar. Segundo, precisa ser grande o suficiente para adquirir um formato que seja aproximadamente esférico. Corpos pequenos, como asteroides, em geral não têm formato esférico, são bem irregulares. E Plutão atende esses dois quesitos”, diz Winter. Foi a exigência do terceiro quesito que tirou Plutão da lista planetária. Ela estipula que a região do espaço onde se situa a órbita de um corpo “deve ser dominada por ele”.

“Ele não pode estar numa região onde existam muitos outros corpos de tamanho semelhante. E foram encontrados vários outros corpos em órbitas parecidas com a de Plutão”, diz Winter. Os astrônomos instituíram então a categoria de planeta anão, destinadas aos corpos que preenchem dois dos três requisitos para a classificação como planeta. Por exemplo, o asteroide Ceres, que fica entre as órbitas de Marte e de Júpiter, é grande o suficiente para possuir formato esférico. E também orbita o Sol. Mas, não é dominante na região onde está. “Por isso, Ceres é considerado um planeta anão, assim como Plutão e vários outros objetos que estão na região do Cinturão de Kuiper “, diz o docente.

Ouça abaixo a íntegra da entrevista ao Podcast Unesp.

Imagem acima: ilustração do planeta Plutão.