Pesquisa sobre história da participação feminina no mercado de trabalho recebe o Nobel de economia de 2023

Comitê premiou a norte-americana Claudia Goldin, pioneira na análise de fatores como a pílula anticoncepcional e a flexibilidade das ocupações no setor de serviços no engajamento profissional das mulheres. Economista também se debruçou sobre desigualdades de gênero que persistem mesmo nas sociedades mais avançadas, como sub-representação e diferenças salariais para a mesma função.

Concluindo a semana de anúncios dos laureados com o prêmio Nobel em 2023, a Real Academia de Ciências da Suécia anunciou o nome da norte-americana Claudia Goldin, 77, como escolhida para o Nobel na área da economia este ano. Claudia Goldin é professora da Universidade Harvard, e a terceira mulher a ser contemplada com o prêmio, que foi instituído em 1969. O anúncio foi feito nesta segunda-feira pelo secretário-geral da Real Academia Sueca de Ciências, Hans Ellegren.

Ao anunciar a premiação, Ellegren destacou os estudos de Goldin sobre os rendimentos e a participação das mulheres no mercado de trabalho, ao longo dos séculos. “Claudia Goldin vasculhou arquivos e recolheu mais de 200 anos de dados dos EUA, o que lhe permitiu demonstrar como e por que as diferenças de gênero envolvendo remuneração e as taxas de emprego se transformaram ao longo do tempo”, disse.

Ao longo do último século, a proporção de mulheres engajadas em funções remuneradas de trabalho chegou a triplicar em muitos países de rendimento elevado. No entanto, mesmo nas nações onde se considera que houve maiores avanços no campo dos direitos das mulheres, permanecem problemas importantes e diferenças significativas. Numa perspectiva global, estima-se que 50% das mulheres exerçam alguma função remunerada, enquanto entre os homens o percentual chega a 80%. E não é incomum que as mulheres que exercem funções remuneradas recebam salários inferiores aos dos homens.

A partir da década de 1980, Goldin empregou métodos inovadores na área da história econômica para demonstrar que certos fatores influenciaram historicamente a oferta e a procura de trabalho feminino. Entre eles, as oportunidades para que as mulheres possam combinar trabalho e a constituição de uma família; decisões relativas à educação e criação dos filhos; inovações na tecnologia, nas leis e nas normas; e a transformação estrutural da economia.

“Claudia Goldin recebeu o prêmio por trabalhos que desenvolveu já há bastante tempo. Ultimamente, ela tinha se dedicado a outras relações, mas sempre tendo um fio condutor importante, que é a desigualdade de gênero” explica o economista Cláudio Paiva, que é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, campus de Araraquara. “Mas esta temática continua extremamente atual. Basta ver que no Brasil de hoje seguimos discutindo a desigualdade no mercado de trabalho. Até há quem esteja defendendo o uso de multas para tentar reduzir estas distorções”, explica.

Economia de serviços trouxe flexibilidade

Paiva explica a influência dos fatores que Goldin identificou sobre a sociedade e a economia, e que ajudam a explicar por que o crescimento da participação das mulheres no mercado de trabalho seguiu uma dinâmica não linear. O primeiro fator diz respeito à passagem de uma economia de base industrial para outra focada em serviços.

“Na economia de serviços há uma maior flexibilidade para o trabalhador. No caso das mulheres, isso deu condições para que pudessem desempenhar um papel profissional e ao mesmo tempo iniciar e cuidar de uma família”, diz. Por outro lado, a descoberta da pílula anticoncepcional e a difusão de seu uso permitiram às mulheres retardar o início de sua vida familiar e focar a carreira profissional. E o terceiro fator foi a expansão da educação, que trouxe a qualificação necessária para que pudessem competir pelas vagas.

“O trabalho dela deixa claro que o fator responsável pelas diferenças de remuneração, que persistem ainda hoje, não está nas diferenças de acesso à educação entre homens e mulheres. Hoje, elas muitas vezes continuam recebendo menos do que os homens, até quando exercem a mesma função, e apresentam a mesma formação”, diz.

“Compreender como e por que os níveis de emprego e de rendimentos diferem entre mulheres e homens é importante por motivos socioeconômicos, tanto de curto como de longo prazo, porque esta questão está relacionada à utilização mais eficiente dos recursos da sociedade. Se as mulheres não tiverem a mesma oportunidade de participar no mercado de trabalho, ou se participarem em condições desiguais, seu trabalho e sua experiência são desperdiçados”, disse o comitê do Nobel. “É economicamente ineficiente que os melhores trabalhos não sejam destinados às pessoas mais qualificadas”, concluiu.

O anúncio do Nobel de Economia marcou o fim da temporada de premiações do Nobel em 2023. Ao longo dos últimos oito dias, conhecemos o laureado de Literatura, Jon Fosse, um dos mais destacados dramaturgos e escritores da atualidade; os vencedores do prêmio de química, pela criação de pontos quânticos; o trio que levou o Nobel de Física pelo desenvolvimento de experimentos que permitiram estudar a movimentação de elétrons dentro de átomos; e os homenageados do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, por seus estudos envolvendo RNA mensageiro e sua interação com o sistema imunológico, o que viabilizou a criação de vacinas de maneira mais rápida em meio à pandemia.

lustração: Niklas Elmehed © Nobel Prize Outreach

Séries Jornal da Unesp

Este artigo faz parte da série Nobel do Jornal Unesp. Conheça a trajetória científica e as pesquisas dos laureados com o prêmio Nobel nas categorias fisiologia ou medicina, física, química, economia, literatura e da paz a partir do ano de 2022.

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