Nobel de Literatura distingue o trabalho de Jon Fosse, um dos mais destacados dramaturgos em atividade e autor de mais de 40 peças teatrais

Escrevendo em dialeto pouco conhecido que preserva as raízes dos antigos idiomas nórdicos, norueguês se consagrou com obra que também inclui romances, poesia, ensaio e literatura infantil.

Seguindo a semana de premiações do Nobel, nesta manhã foi anunciado o laureado na área de literatura. O escritor e dramaturgo norueguês Jon Fosse foi o escolhido da Academia Sueca para ser homenageado em 2023, por “suas peças e prosa inovadoras, que dão voz ao indizível”, segundo diz o texto do anúncio do comitê.  Nascido em 1959, em Haugesund, uma cidade no oeste nórdico, Fosse ficou conhecido por uma obra que aborda, de maneira profunda e sensível, questões que estão no cerne da existência humana, como as ansiedades e as inseguranças que perpassam a vida e a morte. “Há uma certa universalidade em tudo que ele escreve e, por conta disso, consegue atingir a totalidade da essência humana. Não importa se é uma peça, uma poesia ou uma prosa, suas obras têm o mesmo tipo de apelo para o que nos faz humanos”, comentou Anders Olsson, presidente do Comitê do Nobel de Literatura.

O autor é conhecido por empregar em sua obra o Nynorsk, o menos comum dos dois dialetos oficiais noruegueses, cujas características preservam semelhanças com o antigo nórdico. Segundo a Direção Norueguesa de Educação e Formação, menos de 15% da população norueguesa se comunicam cotidianamente pelo dialeto. Apesar disso, o Nynorsk mantém  forte presença na literatura do país, e Fosse é um dos mais proeminentes autores que recorrem a ele como matéria prima para escrever suas peças de teatro, romances, coleções de poesia, ensaios, livros infantis e trabalhos de tradução.

“Fosse combina as raízes da linguagem e da natureza de sua formação norueguesa com técnicas artísticas na esteira do modernismo”, afirmou Olsson durante o anúncio. Em entrevista para a NRK, uma emissora norueguesa, Fosse comentou sua surpresa com a ligação do comitê, embora reconhecesse que esperava o prêmio nos últimos dez anos. Para o autor, a láurea é um reconhecimento do dialeto e do movimento que o promove, e ponderou que, em última análise, deve ao idioma sua premiação.

As peças de Fosse estão entre as mais performadas mundialmente na atualidade. Seu lançamento ao estrelato aconteceu em 1999 com a produção parisiense de Nokon kjem til å komme (Alguém vai chegar, em tradução livre), escrita em 1996. A peça parte da busca por isolamento de um casal, o que os leva a se mudarem para uma “casa velha e degradada” no meio do nada. Apesar do local ermo, um crescente sentimento de ansiedade passa a dominar a dupla que começa a acreditar que alguém irá aparecer naquele local. “Na peça, ele logra expressar as emoções humanas mais poderosas de ansiedade e impotência, que emergem das situações mais simples e cotidianas”, destacou a Academia Sueca. Desde então, o dramaturgo já criou mais de quarenta peças. Seu último trabalho, lançado em 2023, recorre a um tema que está presente ao longo de sua trajetória: a do andarilho. Na obra I svarte skogen inne (Por dentro da floresta negra, em tradução livre), em um rompante de delírio, um homem perde a habilidade de se orientar “lançando seu carro na escuridão e desaparecendo”.

Na prosa, sua obra-prima é a trilogia Septology. Escrita entre 2019 e 2021, a produção integra os livros: Det andre namnet (O outro nome), Eg er ein annan (Eu sou Outro) e Eit nytt namn (Um novo nome). Ao longo de 1.250 páginas, o leitor acompanha o monólogo de um artista idoso, que passa a falar consigo mesmo como se fosse outra pessoa. A primeira seção do romance aborda a pintura favorita do protagonista, Asle, nunca concluída. No decorrer da obra, Fosse aborda questões como a relação do artista com sua arte, encontros internos entre as várias personalidades que compõem um indivíduo, assim como o luto, tanto pela esposa, como pela vida que podia ter sido e não foi, enfrentando a realidade de uma carreira mal-sucedida.

Segundo o portal The Book Prizes, a obra de Fosse já foi traduzida para mais de cinquenta idiomas. No Brasil, a Companhia das Letras publicou o livro “É a Ales” em setembro deste ano. O romance acompanha as memórias de uma esposa que, há 20 anos, aguarda o retorno do marido que um dia saiu de barco. A escrita passeia pelo quebra-cabeça que compõem a personagem, remontam dramas familiares de cinco gerações, promovendo um encontro entre os fantasmas do presente e do passado. Segundo a editora, o livro “oferece uma reflexão assombrosa sobre o amor, a perda e o legado de nossos antepassados”.

Além deste, está prevista para outubro a publicação do romance Brancura (Kvitleik, no original), por meio da editora Fósforo. Segundo a sinopse, a obra acompanha um homem que começa a dirigir sem rumo e, desconhecendo as próprias motivações, conduz seu carro até uma floresta. Na escuridão e sob neve pesada, ele decide não procurar ajuda, mas entrar pela mata escura – onde encontra um ser de brancura reluzente. Além disso, para 2024, a Fósforo prepara uma antologia de poemas e outra de peças do escritor norueguês. Já a Companhia das Letras pretende lançar no mesmo ano Trilogia, premiado volume com três novelas sobre a história de amor entre um jovem casal. Por fim, em 2025, sai pela Fósforo Septologia. 

Fosse receberá a medalha e o prêmio de 11 milhões de coroas suecas, o equivalente a mais de R$ 5 milhões, em Estocolmo, durante a cerimônia de premiação que ocorrerá no dia 10 de dezembro.

Para encerrar a semana de premiações, o Nobel de Paz e de Economia serão anunciados amanhã (6) e segunda-feira (9), respectivamente. Até o momento, foram conhecidos os laureados de química, pela criação de pontos quânticos; o trio que levou o Nobel de Física pelo desenvolvimento de experimentos que permitiram estudar a movimentação de elétrons dentro de átomos; e os vencedores do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, por seus estudos envolvendo RNA mensageiro e sua interação com o sistema imunológico, o que viabilizou a criação de vacinas de maneira mais rápida em meio à pandemia.

Ilustração: Ill. Niklas Elmehed © Nobel Prize Outreach

Séries Jornal da Unesp

Este artigo faz parte da série Nobel do Jornal Unesp. Conheça a trajetória científica e as pesquisas dos laureados com o prêmio Nobel nas categorias fisiologia ou medicina, física, química, economia, literatura e da paz a partir do ano de 2022.

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