Pesquisa sobre pontos quânticos leva o Nobel de Química de 2023

Tecnologia corroborou previsão da mecânica quântica de que certas propriedades das partículas estariam associadas ao seu tamanho. Hoje, os pontos quânticos são responsáveis por colorir a imagem de televisores e computadores, e também ajudam médicos a se guiarem durante procedimentos cirúrgicos.

Um trio de cientistas que logrou criar “pontos quânticos” (quantum dots) foi premiado na manhã desta quarta-feira (4) com o Nobel de Química de 2023. Moungi G. Bawendi, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (Estados Unidos); Louis E. Brus, da Universidade de Columbia (EUA); e Alexei I. Ekimov, da Nanocrystals Technology Inc. (EUA), foram homenageados pela Academia Real das Ciências da Suécia pela descoberta e criação de pontos quânticos. Estas partículas são responsáveis por impulsionar o desenvolvimento da nanotecnologia, e hoje suas cores iluminam dispositivos como televisores e lâmpadas LED, além de guiar cirurgias de remoção de tecido tumoral.

A existência da nanopartícula conhecida hoje como ponto quântico  já havia sido prevista em 1937, pelo físico francês Herbert Fröhlich. Entretanto, embora tal possibilidade fosse discutida nos cursos de mecânica quântica, sua existência não ultrapassava o status de suposição teórica. Segundo a previsão, se um ponto quântico se tornasse extremamente pequeno, o espaço para os elétrons também iria diminuir, fazendo com que se aproximassem cada vez mais. Isso resultaria em alterações nas propriedades do material composto por esses átomos, e novos efeitos emergiram nesse processo. Ou seja, o tamanho de um átomo determinaria suas propriedades.

O confinamento de um grupo de átomos em um espaço pequeno o suficiente para forçar a mudança de posição dos seus respectivos elétrons é o que ficou conhecido como ponto quântico. O insight estava em não apenas conseguir criar os pontos quânticos, mas também manipular seu tamanho para determinar o tipo de propriedade desejada. Mariano de Souza, docente do Departamento de Física da Unesp, campus Rio Claro, explica que essa ideia está relacionada com o efeito de confinamento quântico. “Um átomo é composto pelo núcleo, com prótons e nêutrons, e por elétrons orbitando esse núcleo. Nós podemos imaginar que os átomos possuem ‘caixinhas’, onde os elétrons podem ser alocados de acordo com seus níveis de energia. Então, quando mudamos o tamanho dos pontos quânticos, ocorre um confinamento do conjunto de átomos que estão inseridos nesses pontos, de modo que a separação entre caixinhas, ou seja, a separação entre os níveis de energia, é alterada”, explica o pesquisador.

Uma das propriedades que emergem desse processo é a cor. Antonio Carlos Ferreira Seridonio, físico do Departamento de Física e Química, campus de Ilha Solteira, conta que esse fenômeno ocorre devido ao tamanho do ponto quântico. “Quando o elétron está preso dentro de uma região do espaço, à medida que ocorrem transições eletrônicas de um nível discreto de energia para outro, os elétrons emitem um fóton com uma frequência específica, responsável por definir a cor que será emitida pelo ponto quântico, também chamado de átomo artificial”, explica. “Os pesquisadores que foram premiados observaram, por via experimental, aquilo que ensinamos na teoria aos nossos graduandos: que a mecânica quântica possui a finalidade de descrever o comportamento ondulatório das partículas atômicas e subatômicas, e nos permite explicar diversas de suas propriedades. A cor de tais átomos artificiais é uma delas.”

Alexei Ekimov foi o primeiro pesquisador a conseguir demonstrar experimentalmente a relação entre  tamanho do ponto quântico e sua cor. O feito ocorreu por volta da década de 1980, quando o físico estudava as propriedades da coloração de vidros. Utilizando cloreto de cobre, o físico tingiu amostras de vidro e aqueceu o material em diferentes temperaturas, variando também o tempo de aquecimento. Com as amostras de vidro resfriadas e endurecidas, o pesquisador notou que minúsculos cristais de cloreto de cobre se formaram dentro do vidro e que o processo de fabricação afetou o tamanho dessas partículas. Algumas amostras contavam com partículas de cerca de dois nanômetros, enquanto outras chegavam a 30 nanômetros.

Uma das constatações dos experimentos foi que, quanto menores as partículas empregadas nas amostras, mais azulada se tornava a cor do vidro. Isso indicava que a absorção da luz dependia do tamanho da partícula, corroborando a teoria dos pontos quânticos. Esse experimento assinalou a primeira vez que ocorreu a produção de pontos quânticos. O segundo a conseguir o feito foi o químico Louis Brus.

Mais ou menos na mesma época, Louis Brus estudava a possibilidade de gerar reações químicas usando energia solar, a partir da utilização de partículas de sulfeto de cádmio em uma solução. Com a intenção de facilitar as reações, o pesquisador criou partículas minúsculas do composto. Brus notou, então, que as partículas começaram a apresentar propriedades ópticas diferentes e decidiu comparar esses efeitos com outras partículas maiores. Sem ter conhecimento dos trabalhos de Ekimov, Brus chegou às mesmas conclusões: as partículas maiores absorvem ondas eletromagnéticas tendendo para o vermelho, enquanto as partículas menores tendem para o azulado.

No entanto, os pontos quânticos produzidos pelos cientistas apresentavam defeitos, e isso se refletia em uma qualidade óptica ruim. Isso mantinha a descoberta algo restrita ao universo dos protótipos e pesquisas de ponta. Foi então que entrou em cena o trabalho do químico franco-tunisino Moungi Bawendi. Ele procurou identificar novas formas para melhorar a qualidade dos pontos quânticos.

Os pontos quânticos são pequenos cristais compostos por uma certa quantidade de átomos confinados em um espaço. Por meio de testes com diferentes técnicas, solventes e temperaturas, Bawendi foi capaz de descobrir a “receita”, que permitiu a criação de nanopartículas praticamente perfeitas. Além disso, seu grupo de trabalho também era capaz de determinar o tamanho específico de cada cristal, determinando a cor que seria refletida.

Além de eficiente, a produção desenvolvida por Bawendi era simples e fácil de reproduzir, tornando acessível a criação e manipulação de pontos quânticos. Isso, por sua vez, abriu caminho para sua aplicação em diferentes tecnologias. Hoje, esses cristais estão presentes em algumas lâmpadas do tipo LED, permitindo ajustar a temperatura da luz, em telas de computador e televisores com tecnologia QLED – o “Q” faz referência aos pontos quânticos. As possibilidades de aplicação para esta tecnologia seguem sendo exploradas. Acredita-se que, futuramente, ela estará presente no desenvolvimento de sensores, células solares e até mesmo na comunicação quântica.

Embora esta premiação do Nobel se destine a reconhecer as realizações no campo da química, a escolha da pesquisa em pontos quânticos consagra um desenvolvimento no campo da física teórica. “O reconhecimento da Academia Sueca evidencia a importância da física básica. Muitas vezes não há uma aplicação direta das pesquisas nesse campo.  Mas, justamente por ser tão fundamental, quando uma descoberta assim ocorre, possui potencial para revolucionar o paradigma tecnológico”, afirma Souza.

Nesta semana ainda serão anunciados os laureados com o Nobel de Literatura e da Paz, na quinta (5) e na sexta-feira (6) respectivamente. Na segunda-feira (9) conheceremos o último premiado, na divulgação do Nobel de Economia. Ontem foi apresentado o trio que levou o Nobel de Física pelo desenvolvimento de experimentos que permitiram estudar a movimentação de elétrons dentro de átomos; e, na segunda-feira conhecemos os vencedores do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, por seus estudos envolvendo RNA mensageiro e sua interação com o sistema imunológico, o que viabilizou a criação de vacinas de maneira mais rápida em meio à pandemia.

Imagem: Ill. Niklas Elmehed © Nobel Prize Outreach

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Este artigo faz parte da série Nobel do Jornal Unesp. Conheça a trajetória científica e as pesquisas dos laureados com o prêmio Nobel nas categorias fisiologia ou medicina, física, química, economia, literatura e da paz a partir do ano de 2022.

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