Petrobras chega aos 70 anos com histórico de grandes conquistas, mas também de escolhas controversas, diz pesquisador

Especialista em indústria do petróleo analisa a trajetória da companhia, que consolidou-se como importante ator para o desenvolvimento econômico brasileiro e chegou a ser classificada como quarta maior empresa de capital aberto do mundo.

Há 70 anos, em 3 de outubro de 1953, era criada a Petrobrás, uma empresa estatal que detinha o monopólio da prospecção e exploração do petróleo no território brasileiro. A criação da empresa foi  fruto da campanha “O Petróleo É Nosso”, iniciada após a eleição de Getúlio Vargas para seu segundo período na presidência, em 1950. O movimento arrastou multidões e tinha como principal objetivo fomentar o desenvolvimento econômico e social do Brasil dentro da perspectiva de que o controle nacional das riquezas do subsolo é essencial para a soberania do país.

Sete décadas após sua criação, ficou para trás o acento no “a”, e também o foco exclusivo no território brasileiro. A Petrobras do século 21 opera em 14 países, prioritariamente nas áreas de exploração, produção, refino, comercialização e  transporte de petróleo, gás natural e seus derivados, e ganhou reputação internacional no desenvolvimento de tecnologia avançada para a exploração petrolífera em águas profundas e ultraprofundas.

Ficou para trás também o caráter 100% estatal. Atualmente, a Petrobras está organizada como  Sociedade de Economia Mista, submete-se às regras gerais da administração pública e não mais detém o monopólio da exploração do petróleo em território nacional. Em 2011, ocupou o quinto lugar na classificação das maiores petrolíferas de capital aberto do mundo. Em 2010, foi classificada como segunda maior empresa do continente americano e a quarta maior do globo. Em setembro do mesmo ano, passou a ser a segunda maior empresa de energia do mundo, sempre em termos de valor de mercado, segundo dados da Bloomberg e da Agência Brasil.

Mas seu papel vai além da obtenção de lucro, e envolve aspectos como geração de emprego e renda, além da promoção do desenvolvimento local nos lugares onde instala suas unidades e empreendimentos. Estes, muitas vezes, se situam em regiões remotas, que não despertam o apetite de companhias privadas. Permanece, assim, uma empresa estratégica para diversos aspectos do desenvolvimento econômico do país. Entre eles, a pesquisa de outras matrizes energéticas renováveis. E há bons motivos para isso. Como consequência de suas atividades, a Petrobrás foi responsável por 0,77% da emissão de gases efeito estufa na indústria no período entre 1988 até 2015, revelando-se um ator com contribuições significativas ao processo de mudanças climáticas.

Infelizmente, no passado recente a empresa ocupou o noticiário por outras razões também. Em 2014, a Petrobras teve um prejuízo de cerca de R$ 21,587 bilhões, o maior desde 1986 e o primeiro da empresa desde 1991. A queda, gerada por acusações de  atos de corrupção ocorridos entre 2004 e 2012, foi estimada em R$ 6,194 bilhões. No ano seguinte, a empresa registrou um prejuízo de R$ 34,8 bilhões, em decorrência da queda do preço do barril de petróleo no mercado internacional, da crise econômica no país, e da crise referente à Operação Lava Jato. A companhia optou por suspender seus investimentos, o que atingiu em cheio a rede de  fornecedores de serviços e equipamentos.

Já em 2023, com retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República, a empresa busca voltar às suas origens e alçar novos rumos. Com foco na transição energética, a Petrobras voltou a ser uma das “meninas dos olhos” do Brasil, desde que Lula escolheu Jean Paul Prates para presidir a companhia.  Após anos de ataques de governos anteriores, a estatal voltou a fazer parte do projeto de desenvolvimento do país, com o cancelamento da venda de ativos estratégicos e mostrando disposição de voltar a ser uma empresa de energia indutora do desenvolvimento econômico e social, buscando uma imagem de compromisso com a sociedade brasileira, com os trabalhadores, e com a transição energética justa. 

Pesquisador da história do petróleo no país, Luiz Alencar Dalla Costa é mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe aplicado pela Unesp, e membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens e da Plataforma Operária e Camponesa da Água e Energia (POCAE). Dalla Costa ressalta a importância da Petrobras como símbolo de uma conquista histórica do país, construída a partir de uma luta importante da sociedade na década de cinquenta.

“Historicamente, naquela época havia uma total hegemonia de empresas estrangeiras sobre o refino do petróleo por aqui, mesmo antes que fossem feitas descobertas de maior monta. Havia um sentimento de que o controle do petróleo e de todos seus derivados deveria ser do Brasil. Trata-se de uma luta histórica do povo brasileiro, em especial de setores nacionalistas. Setores inclusive do próprio Exército, que ajudou nesse trabalho de garantir soberania nacional sobre os recursos que o país tinha na época “, analisa.

Dalla Costa ressalta alguns episódios centrais que a empresa atravessou em sua trajetória de 70 anos. “Sua fundação, e a luta do povo para garantir a soberania do petróleo e tentar impedir a privatização, já são marcos importantíssimos na história. Mas destaco a greve dos petroleiros na década de 1990 e a descoberta do pré-sal a partir de 2006. De uma reserva de 12 bilhões de barris para 19 anos de consumo interno, o país passa de ter uma reserva de mais de 100 bilhões de barris que dá para atender o mercado nacional nos próximos cem anos”, diz . “Do ponto negativo,  também na década de 1990 houve a abertura das ações da empresa para o mercado internacional, durante o auge do neoliberalismo, que considero uma opção ruim feita pelo governo brasileiro.”

Dalla Costa explica que, mesmo nos casos de países com grande desenvolvimento econômico ou que têm acesso a imensas reservas de óleo, o setor petrolífero demanda elevado apoio do estado e participação estatal. “O apoio é fundamental. O Estado participa de todo o processo de desenvolvimento da cadeia do petróleo. Desde a perfuração do poço, a descoberta do conteúdo, até conseguir utilizar esse material para o benefício da população, vai um longo período de maturação que demora de 5 a 10 anos. Normalmente, os estados nacionais são responsáveis por esses investimentos de longo prazo. É uma questão de segurança. Foi graças aos investimentos desembolsados pelo Estado brasileiro que conseguimos atingir a quantidade de petróleo que temos hoje”, diz. “Mesmo nos momentos mais críticos de governos neoliberais anteriores, a Petrobras respondeu por quase 90% da produção e do refino do petróleo no país. É lamentável que parte da distribuição, por meio dos dutos que levam os derivados, tenha sido privatizada. A atuação do Estado é uma segurança para o povo brasileiro,  e essa riqueza deva ser utilizada para beneficiar toda a nação”, diz.

O pesquisador da Unesp critica as políticas para o setor petrolífero adotadas durantes os governos dos presidentes Michel Temer e Jair Bolsonaro que resultaram na revenda de refinarias. Isso enfraqueceu a ascendência do grupo sobre a cadeia produtiva, que se estendia desde a prospecção até o posto de gasolina. “Desfazer-se de qualquer parte da cadeia produtiva, desde a perfuração de um poço até o processo de uma venda de um gás de cozinha, afeta o país. Essas ações foram prejudiciais ao desenvolvimento da sociedade e da indústria do petróleo no Brasil”, diz. “Atualmente, no ponto de vista de produção de petróleo, somos exportadores de petróleo cru. Ainda temos dificuldade na transformação em derivados como gasolina, querosene e óleo diesel para satisfazer as necessidades do país.”

A questão do refino do petróleo envolveu uma das decisões mais polêmicas da história da empresa, a compra de uma refinaria nos EUA durante os governos Lula e Dilma, que depois se transformou em escândalo político. “Tinha tudo para dar certo se não houvesse a sanha de vários setores nacionais e internacionais que se opunham à atuação do país num âmbito internacional. O Brasil poderia fazer alianças com outros países para aumentar a produção e transformação de derivados e vendê-los, pois o que gera lucro é a venda de derivados do petróleo e não necessariamente o petróleo cru”, diz. E ataca a venda de uma refinaria na Bahia a um grupo árabe ocorrida no governo passado. “Uma refinaria altamente produtiva, que poderia ser fundamental para o país. Aquilo, sim, foi um equívoco. Creio que o governo deveria fazer todos os esforços para readquirir as empresas do setor de petróleo que foram privatizadas”, diz.

Apesar de todos os equívocos e desgastes que envolveram a imagem da Petrobras, especialmente no século 21, Dalla Costa acredita que o setor de produção de petróleo oferece boas perspectivas e continuará relevante ainda por bastante tempo no mercado mundial de energia. “Ainda não há outra fonte que substitua o petróleo como combustível. E também há o fato de ser um componente fundamental nas cadeias de eletrônicos, roupas e de outros produtos que utilizamos. E, também, para a geração de riqueza. Entretanto, devido às mudanças climáticas, há uma iniciativa mundial para que se use menos petróleo. Acho que até poderíamos utilizar os lucros do petróleo para investir em energia renovável e limpa. Precisamos realizar a transição energética. Porém, é necessário descentralizar as riquezas e distribuir melhor as rendas. Apenas assim teremos mais justiça social e será possível assegurar que todas as classes brasileiras possam se beneficiar desse lucro”, diz.

Confira também a entrevista no Podcast Unesp.

Imagem acima: fachada da sede da Petrobras, RJ. Crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil