Uma notificação de alerta foi emitida pelo Instituto Nacional de Meteorologia hoje, alertando para os potenciais riscos apresentados por uma onde de calor que vai afetar diferentes partes do país. Sucinta, ela diz apenas: “risco à saúde. temperatura 5ºC acima da média por período de 03 até 05 dias”. Os efeitos do calor intenso, porém, já vem dominando o noticiário desde o início da semana, e tem levado gestores a adotarem medidas especiais.
A causa imediata para a onda de calor é a presença de uma grade massa de ar seco que cobre grande parte do pais. Os termômetros nos estados do Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Tocantins e Rondônia chegar perto dos 40ºC, ou mesmo acima. Certas localidades, como a cidade de Cuiabá, podem chegar aos 45ºC. Na região Sul, o calor extremo poderá ser sucedido por fortes chuvas.
A maior temperatura registrada oficialmente até hoje no Brasil foi de 44,8°C em Nova Maringá, Mato Grosso, em 4 e 5 de novembro de 2020. Aquela medição superou o recorde oficial anterior registrado em 2005 na cidade de Bom Jesus, no Piauí, de 44,7°C.
Segundo informam os meteorologistas, modelos numéricos chegam a indicar que, no Centro-Oeste do Brasil, em locais onde a pressão atmosférica é estimada em 850 hPa (valores registrados em altitudes da ordem dos 1.500 metros), a temperatura deve chegar perto dos 30ºC . Isso é característico de massas de ar extremamente quentes, como a que atingiu o Sudoeste dos Estados Unidos no mês de julho.
Rodrigo Lilla Manzione, especialista em gestão de recursos hídricos e professor do câmpus da Unesp em Ourinhos, explica que diversos fatores estão contribuindo para gerar a onda de calor. Entre eles, a presença de centros de baixa e alta pressão na atmosfera. O primeiro funciona sugando o ar, enquanto o segundo age para dissipá-lo, formamdo, respectivamente, “um ciclone e um anticiclone”. “Trata-se de um bloqueio atmosférico. Temos um centro de alta pressão no centro do Brasil que não permite que os ventos frios do sul subam, como se fosse um obstáculo ao avanço das massas de ar frio. Devido aos efeitos do El Niño, essas ondas não conseguem subir para as outras regiões. Consequentemente, as massas de ar frio não conseguem avançar e aumentam as chuvas na região Sul, em especial no estado do Rio Grande do Sul”, diz.
Segundo Manzione, a ocorrência de ondas de calor é comum, mas estas estão ganhando intensidade graças aos efeitos do fenômeno conhecido como El Niño, que este ano está se mostrando mais potente. “Já vimos isso no Sudeste e Centro-Oeste, no ano passado e em 2020. Mas fica mais evidente quando ocorrem vários dias consecutivos com temperaturas médias muito altas. Os estudiosos de mudança climática estipulam que o valor máximo para as temperaturas médias não deve ultrapassar os 35°C. Se o calor vai além disso, verifica-se uma série de problemas com plantas, animais e seres humanos. O resultado é uma bola de neve que impacta o nosso cotidiano”, analisa.
Ainda de acordo com o pesquisador, apesar de tais eventos não serem algo propriamente novo, ganham mais visibilidade na mídia devido à preocupação mais ampla dos cientistas com o atual El Niño e com a cobertura pelos meios de comunicação. “O fenômeno El Niño, que é causado por uma aquecimento anômalo de uma grande área de águas do Oceano Pacífico, até hoje não é totalmente compreendido. Por que ele acontece? Por que é cíclico? O que se sabe é que gera uma disruptura no ciclo hidrológico em todo mundo”, diz. No Brasil, alguns efeitos já identificados incluem a ocorrência de secas na Amazônia e de chuvas no Sul. Outros mais surgem à medida que o fenômeno vai se prolongando.
“Esperava-se que esse El Niño não fosse muito intenso nem prolongado. Pois nós enfrentamos um período prolongado do La Niña que resultou em efeitos inversos, ou seja, no resfriamento das águas do Pacifico por um bom tempo. Esse resfriamento também resultou em mudanças nos padrões climáticos. E antes que nos recuperássemos dos efeitos do La Niña, já estamos enfrentando um El Niño mais forte”, analisa. “Tudo isso preocupa os cientistas, e aparece no noticiário”, diz.
O docente lembra que os termômetros de países europeus, norte-americanos e asiáticos também vêm somando recordes nos últimos meses, e como pano de fundo do noticiário está o tema, cada vez mais candente, das mudanças climáticas. Reportagem do jornal The Washington Post menciona levantamento da ONG CarbonPlan que sugere que mais de 5 bilhões de pessoas experimentarão ondas intensas de calor nos próximos 30 anos. E outros eventos climáticos extremos como ciclones, furacões e tempestades serão cada vez mais frequentes.
“Já é fato que a mudança climática existe e traz efeitos em todo o mundo”, diz Manzione. Ele cita como exemplo o recente furacão ocorrido no Mediterrâneo, “algo extremamente raro”, e que destruiu parte da Líbia. “Quando isso ocorre numa região vulnerável como a Líbia, um país em guerra civil, com governo dividido, a situação é ainda mais crítica. Houve furacão, chuvas extensas e rompimentos de barragens. Já se estima que o saldo é de 20 mil mortos, fala-se em cerca de 10 mil corpos boiando e há um quadro de ausência de ações das autoridades”, diz.
Manzione lembra que em novembro os Emirados Árabes vão sediar uma edição da Conferência das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (COP28). “Isso é uma contradição, afinal esse país é referência na produção mundial de petróleo. É preciso buscar um novo modelo para tratar a situação, analisar as circunstâncias de forma conjunta e objetiva e cobrar governos. A ONU e as demais instituições envolvidas não estão fazendo sua parte para que essas questões sejam tratadas de forma mais responsável pelos governantes.”
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Imagem acima: termômetro na Avenida Paulista em 19/0. Crédito: Paulo Pinto/Agência Brasil.