Fragilidade econômica e desconfiança da população com políticos tradicionais fortalecem campanha do candidato Javier Milei à presidência da Argentina

Político conhecido por defender combinação de medidas econômicas ultraliberais e ideias polêmicas aparece em primeiro lugar nas pesquisas para eleição, que ocorrerá em outubro. Candidato tem apelo especial junto aos jovens, desiludidos com as expectativas de futuro do país.

Javier Milei, candidato à presidência da Argentina nas eleições que serão disputadas no próximo dia 22/10, tem gerado preocupações dentro e fora do país. Milei é candidato pela coalizão La Libertad Avanza, que reúne 4 partidos da direita, e saiu vitorioso nas eleições primárias de agosto.  Seu nome aparece como potencial vencedor em todas as pesquisas de opinião pública. nova pesquisa do Instituto Opinaia divulgada no dia 5 de setembro pelo jornal Clarín aponta que ele está em vantagem  tanto na disputa com a conservadora  Patricia Bullrich, do partido Juntos por el Cambio, quanto com o peronista Sergio Massa, atual ministro da Economia.

Milei define-se como ultraliberal e defende propostas polêmicas como a liberação da venda de órgãos humanos, a extinção do Banco Central argentino, a busca de aproximação estratégica com os Estados Unidos e Israel e o distanciamento de outros atores geopolíticos relevantes. Ele já se declarou contrário à adesão da Argentina ao bloco dos Brics e afirmou que, se eleito, vai retirar o país do Mercosul. Estes posicionamentos podem resultar em afastamento dos demais países latino-americanos, e das nações emergentes.

Na última semana, o presidenciável protagonizou outra polêmica ao insultar o Papa Francisco. Ele o chamou de ‘representante do maligno’ e ‘imbecil’. O episódio desencadeou a realização de uma missa de repúdio organizada por padres de diferentes comunidades de Buenos Aires. Devido à sua postura, aqui no Brasil ele também ficou popularmente conhecido como o ‘Bolsonaro Argentino’.

Matheus de Oliveira Pereira, doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP) ligado ao Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp, e integrante do GEDES (Grupo de Estudo de Defesa e Segurança Internacional), explica que os motivos por trás do grande apelo popular da candidatura Milei devem ser objeto de estudos e polêmicas nos próximos anos. 

“Com base no cenário atual, posso destacar alguns aspectos que contribuem para essa popularidade. Um deles é o desencanto da população argentina com os grupos políticos tradicionais. Embora Milei já seja deputado há um tempo, ainda é pouco associado aos segmentos políticos mais tradicionais. Ele organizou um novo partido, sem estrutura e centrado na figura dele. É possível observar como os candidatos a governador que pertencem ao seu partido obtiveram um desempenho muito inferior à popularidade de Milei. Isso mostra que a força política está centrada na figura dele, que canaliza muitos sentimentos de raiva, incômodo e cansaço com os grupos que dominam a política argentina há tempos. Ele também apela a propostas simplistas que ressoam bem em determinadas camadas da população, como o discurso do Estado Mínimo e a proposta da dolarização. Num país onde a inflação acumulada ao longo do ano passou de 100%, essa proposta seduz uma parcela da população. Ele também mostra uma inserção junto aos segmentos mais jovens do eleitorado, muito desencantados com as perspectivas de futuro para o país. Tudo isso converge para explicar o seu desempenho, que vem surpreendendo todos os analistas”, diz.

Milei é economista de formação, graduado pela Universidade de Belgrano (Licenciatura) e com dois Mestrados no Instituto de Desarrollo Económico e Social (IDES) e na Universidade Torcuato  di Tella. Foi economista-chefe da Máxima AFJP (empresa de previdência privada), economista-chefe do Estúdio Broda  (empresa de assessoria financeira) e consultor governamental do Centro Internacional para a Arbitragem de Disputas Sobre Investimentos.  Também trabalhou como assessor econômico do deputado Antonio Domingo Bussi, indiciado por crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura. Já atuou como professor de diversas disciplinas econômicas em universidades argentinas e no exterior. Além de sua carreira acadêmica, Milei tem seu próprio programa de rádio chamado Demoliendo mitos (Demolindo mitos).

Em linhas gerais, a mídia internacional e os acadêmicos descrevem o pensamento político de Javier Milei como pertencendo ao campo de extrema-direita, com teor fortemente conservador. Ele é admirador do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro e do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Também é próximo do partido de 

extrema-direita espanhol Vox, e do político conservador e ex-candidato presidencial chileno José Antonio Kast. Ao lado de políticos como Rafael López Aliaga do Peru, José Antonio Kast do Chile e Eduardo Bolsonaro do Brasil, o presidenciável assinou a Carta de Madrid, um documento elaborado pelo Vox que descreve grupos de esquerda como inimigos da Ibero-América, envolvidos em um “projeto criminoso” que está “sob o guarda-chuva do regime cubano”.

.

Pereira destaca  a força das aparições de Milei na mídia argentina, onde adotou um estilo irreverente e direto, muitas vezes incorporando o uso de palavrões e fazendo críticas ácidas contra o  que chama de “casta política”.

“Ele sempre insiste que o problema da Argentina não está em um ou outro grupo, mas no sistema político do país, que impede o desenvolvimento da economia e fomenta as mazelas sociais”, diz. Milei criou o partido “La Libertad Avanza” e surpreendeu nas eleições primárias de setembro de 2021, ficando em terceiro lugar na cidade de Buenos Aires com 13,66%  dos votos. “As propostas polêmicas, como a negociação de órgãos, e o fato de se opor ao aborto, mesmo nos casos em que uma mulher ou menina tenha sido abusada sexualmente, também atraem outra parcela do eleitorado”, avalia Pereira.

De acordo com o pesquisador da Unesp, o cenário econômico da Argentina está extremamente fragilizado e os riscos são graves. “A situação é bastante complicada por uma combinação de fatores. Há um quadro inflacionário severo, o que gera uma corrosão do poder de compra da população. Outro ponto-chave é a escassez de divisas e dólares. A Argentina é um país primário-exportador, que depende da venda de suas commodities, mas enfrentou uma seca grave nas últimas safras que impactou nas exportações e resultou numa sangria das reservas internacionais”, explica.  

O resultado é um comprometimento da capacidade de importação do país. “Várias concessionárias de autos não têm mais carros à venda, porque não conseguem importa-los. O mesmo acontece no setor de saúde, em que há falta de insumos e equipamentos nos hospitais. Tudo isso resulta em um quadro geral bem problemático”, avalia. Além da crise, qualquer processo eleitoral, por via de regra, amplia as incertezas no país como um todo. “E neste ano em particular, a tensão e as incertezas aumentam justamente pela participação de um candidato de extrema-direita”, diz.

Ouça abaixo a íntegra do depoimento ao Podcast Unesp.

Imagem acima: reprodução do Instagram.