Nova morte de político no processo eleitoral do Equador é fruto da explosão de violência que sacudiu país nos últimos anos, diz pesquisador da Unesp

Cartéis de drogas se infiltraram pela sociedade, e disputa entre grupos está resultando em recordes na taxa de homicídios. Governo federal tem recorrido seguidamente à decretação de estado de exceção, mas sem conseguir frear ação de criminosos.

Cinco dias após o assassinato do candidato à presidência Fernando Villavicencio, que gerou comoção continental, um dirigente partidário equatoriano, Pedro Briones, também foi morto a tiros nesta segunda-feira (14/8), segundo as informações do jornal “El Telégrafo“.

Pedro Briones era dirigente do Movimento Revolução Cidadã, a que pertence também o ex-presidente do Equador, Rafael Correa. Inicialmente, a informação foi divulgada nas redes sociais de uma candidata a deputada, Paola Cabezas. Rafael Correa a seguir se pronunciou no Twitter: “Outro de nossos camaradas foi assassinado em Esmeraldas. Já basta!”, disse.

Candidata à presidência pelo Movimento Revolução Cidadã, Luisa Gonzalez publicou a seguinte mensagem no Twitter: “O Equador vive sua época mais sangrenta. Isso se deve ao abandono total por um governo inepto e por um Estado tomado por máfias. Meu abraço solidário à família do camarada Pedro Briones, que caiu nas mãos da violência. A mudança é urgente”.

Briones e Villavicencio eram de campos ideológicos opostos

Em entrevista proferida na capital do país, dirigentes do partido Construye, a que pertencia Villavicencio, informaram que Christian Zurita assumiria a candidatura para a eleição que ocorrerá em 20 de agosto. 

Assim como o candidato morto, Zurita também é um jornalista investigativo com histórico de denúncias sobre corrupção que, no passado, colaborou com Villavicencio. Sua candidatura ainda deve ser aprovada pelo Conselho Eleitoral Nacional.

Um vídeo divulgado nas redes sociais, atribuído supostamente ao cartel Los Lobos, segunda maior organização criminosa do Equador, indica que o grupo teria assumido a responsabilidade pela morte de Villavicencio. Segundo as autoridades locais, o cartel Los Lobos, assim como outras quadrilhas do crime organizado que atuam no Equador, estão envolvidos em narcotráfico e extorsão.

Cristian Daniel Valdivieso, doutor e mestre em Relações Internacionais pelo programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas”, pesquisador do IARAS, Núcleo de Estudo de gênero do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES Unesp), explica que o narcotráfico e o alto índice de mortes colocam o Equador entre os países mais violentos do mundo.

“Esses dois eventos revelam que o país está tomado por uma crise ligada à presença das redes de narcotráfico que se estabeleceram em território nacional”, diz Valdivieso, que é equatoriano. Ele explica que o salto na violência resultou em um crescimento na taxa de homicídios de 87% entre 2021 e 2022. “O Equador está se encaminhando para se tornar um dos países mais perigosos do mundo, com uma taxa de 30 mortes por cada 100 mil habitantes”, diz. Ele cita também um crescimento de 300% das taxas de extorsão e sequestro. “Vemos um país bastante tomado por redes do crime organizado transnacional que de alguma forma estão apoiadas em cartéis de droga que vem do México, os cartéis de Sinaloa, e que estão vinculadas a disputas nas cadeias pelo controle de droga no território nacional.” 

Segundo o pesquisador da Unesp, entre 2021 e 2023 uma série de guerras e disputas que varreram os principais cárceres do país deixaram cerca de 400 vítimas. “Essa é mais uma expressão de que a sociedade está desatendida por parte do governo, que não soube encontrar outra forma para lidar com esse problema a não ser decretar estado de exceção”, diz. Foram decretados quase uma vintena de estados de exceção nos últimos anos, o que torna a medida apenas um paliativo, e não uma resposta eficiente. “E os crimes têm abatido outros atores, como jornalistas e profissionais do ministério público que investigam casos de assassinato vinculados ao narcotráfico”, diz. 

Villavicencio combatia as máfias

” Fernando Villavicencio era uma das pessoas que mais criticavam a ação das máfias. Ele falava da máfia petroleira, da máfia política, da máfia do garimpo ilegal, falava em fazer uma depuração da polícia nacional… Ele confrontava diretamente esses grupos e se colocou como alvo principal deles. Como jornalista investigativo, desde a década de 90 coletava informações sobre o uso do dinheiro público em diversos governos, e tinha conhecimento de coisas que, infelizmente, a gente não tem acesso. Com o tempo, estamos vendo o que ele de fato conhecia a respeito da incidência do narcotráfico em território nacional”, relata Valdivieso.

Segundo o especialista em relações internacionais, no início deste ano, o presidente Guillermo Lasso, atual mandatário desde 2021, estava enfrentando um processo de impeachment. Na base do processo estava a acusação de que ele teria conhecimento de associações suspeitas entre alguns dos seus funcionários, principalmente o seu cunhado, com uma figura chamada Rubén Cherrez que seria vinculado à máfia albanesa. A máfia albanesa controla o tráfico de drogas na Europa, A máfia buscaria essa associação a Cherrez por se tratar de um personagem ligado à exportação petroleira, pesqueira e ao setor imobiliário. Isso está de conformidade com a conhecida complexidade do modo de funcionamento dessas redes criminosas, que se infiltram não apenas na sociedade, mas também pela esfera pública.

Plantio de drogas já chegou ao país

Valdivieso destaca também o elemento estratégico conferido pela localização geográfica do Equador. Situado entre Colômbia e o Peru, dois dos principais países produtores de cocaína, se torna uma via natural para o trânsito de drogas. “Se analisamos o vazio deixado pelo controle do tráfico internacional de drogas na Colômbia, a partir do acordo de paz entre o governo e as Farc em 2016, e a ação de grupos residuais que continuam cultivando coca em quantidade recorde, vemos que o país segue produzindo droga. Como, porém, eles enfrentam competição com os cartéis de drogas mexicanos, terminam buscando como saída a fronteira entre Colômbia e Equador”, diz.

E o Equador sofre de um grande déficit de tecnologia para o controle das suas fronteiras. “Estamos falando de fronteiras marítimas, terrestres e amazônicas. O acesso é difícil acesso inclusive para as forças armadas. Isso não apenas favorece o tráfico de drogas, armas e pessoas, como também facilita a extensão desses cultivos. A ONU já alertava que esses cultivos de drogas estavam muito próximos do território equatoriano. Por enquanto o cultivo de drogas no Equador ocorre de forma incipiente. O tráfico de drogas também acontece muito na região de fronteira com o Peru. Tudo isso fortalece os bandos criminosos. É uma rede ampla, que toma mais de 60% do país e coloca o Equador completamente na mão dos criminosos”, conclui.  

Ouça a íntegra do depoimento abaixo.

Imagem acima: Pedro Briones ao centro e a candidata a deputada federal Paola Cabezas à direita. Crédito: @PaolaCabezas.