Câmeras subaquáticas reforçam importância de reservas marinhas para manutenção da biodiversidade

Pesquisadora sugere o uso da tecnologia como uma estratégia complementar para o monitoramento das espécies de peixes, que hoje é feita a partir da observação de mergulhadores e que costuma gerar subnotificação de espécies que ocupam o topo da cadeia alimentar

A presença de um mergulhador no fundo do mar costuma afugentar alguns peixes que circulam pelos oceanos, em especial os grandes predadores. Por esse motivo, avaliações científicas em zonas subaquáticas muitas vezes costumam registrar cálculos subestimados para esse tipo de peixe. No entanto, um novo recurso tecnológico tem ajudado os pesquisadores a complementar os dados de monitoramento para obterem um registro mais preciso da diversidade marinha.

Um grupo de pesquisadores da Unesp no câmpus de Rio Claro foi um dos primeiros no Brasil a usar em suas pesquisas uma estrutura chamada BRUV (ou Sistemas de Vídeo Estéreo Subaquáticos Remotos com Iscas, em uma tradução livre). Trata-se de um dispositivo leve, de alumínio, que é lançado a partir do barco de pesquisa e fica “estacionado” no fundo do mar. Uma das vantagens do uso desse equipamento é conseguir observar os peixes de uma forma mais discreta que com mergulhadores, que é o método mais comum atualmente.

Para realizar essa observação, a estrutura do BRUV inclui duas câmeras GoPRO convencionais capazes de filmar toda a movimentação de espécies que ocorrer no seu campo de visão no fundo do mar. “As câmeras são montadas de uma forma que conseguimos ter uma imagem com se fosse em 3D. Junto das duas câmeras existe ainda uma isca para atrair os peixes. A partir dessa imagem, o software do sistema permite a gente medir os peixes e, indiretamente, mensurar a biomassa dos animais observados”, explica Fernanda Rolim, que usou o dispositivo em sua tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Zoologia da Unesp, no câmpus de Rio Claro.

Em um dos artigos publicados durante o desenvolvimento da tese, Fernanda e um grupo de pesquisadores usaram o dispositivo remoto de vídeo para avaliar o comportamento de peixes que vivem na região de Abrolhos, no litoral sul da Bahia. “Nós comparamos áreas de recife protegidas pelo parque marinho de Abrolhos a outras áreas, mais próximas do continente e que não têm a mesma proteção e, portanto, estão mais expostas à pesca”, afirma a bióloga que continua pesquisando sobre a vida marinha em um estágio de pós-doutorado na Unifesp. 

Embora ainda fosse uma novidade no Brasil, a pesquisadora explica que o método já era usado em outras áreas do mundo, como na Austrália, onde ela realizou um estágio durante o doutorado. Uma das razões da estadia do outro lado do mundo foi justamente entender a melhor forma de aplicar o BRUV nas pesquisas. “Toda a calibração do dispositivo é feita na piscina. Na prática, é como se os nossos olhos estivessem lá no fundo”, afirma Fernanda.

Depois de toda a metodologia ter sido seguida – o tempo em que o dispositivo fica no fundo do mar registrando as imagens, por exemplo, é o mesmo nas duas regiões avaliadas –  os pesquisadores tiveram algumas confirmações importantes: na área protegida pelo parque marinho de Abrolhos, a biomassa dos peixes e a existência de animais de topo de cadeia, como os tubarões, é maior. “Além disso, a presença de determinadas espécies alvos da pesca também chama a atenção. Normalmente, os animais de topo de cadeia são mais tímidos e ficam assustados com a presença do mergulhador. O sistema remoto usado dessa vez evita esse viés”, ratifica a cientista. 

A questão da quantidade de biomassa, entretanto, é apenas um dos pontos observados pelos autores do estudo Habitat and Marine Reserve Status Drive Reef Fish Biomass and Functional Diversity in the Largest South Atlantic Coral Reef System (Abrolhos, Brazil), publicado na revista Frontiers in Marine Science. Outra informação relevante trazida pelo trabalho, assinado por outros sete pesquisadores, sendo dois deles da Austrália, é sobre a complexidade mais intrincada que existe na cadeia trófica sob proteção da ação humana. 

“Outra coisa bacana que nós conseguimos trazer neste artigo é que conseguimos destacar que na unidade de conservação a diversidade funcional das espécies maiores, dos predadores de topo, é mais completa”, afirma Fernanda. Ou seja, dentro do parque Marinho de Abrolhos, os grandes animais cumprem praticamente todas as funções que são esperadas deles. “Um predador de alto nível trófico ocupa a coluna d’água, tem hábitos diurnos e assim por diante. Conseguimos observar que o conjunto de comportamentos de nichos das espécies, as funções que elas desempenham no ecossistema, está todo presente na área protegida em comparação com a região exposta”, explica a principal autora da pesquisa científica.

Vídeo registrado pelos pesquisadores com o uso do BRUV, em Abrolhos (Crédito: Fernanda Rolim)

Existe ainda uma outra comparação entre a área mais e menos protegida. Os onívoros frequentam mais a região fora do parque. “São espécies que apresentam uma dieta menos específica. Por isso, podemos dizer que de certa forma elas exigem menos do hábitat. O único grupo funcional com mais exemplares na área aberta para a pesca foi o dos onívoros”, afirma Fernanda.

Os resultados obtidos em Abrolhos a partir do método remoto desenvolvido na Austrália – e a região brasileira abriga os maiores recifes costeiros do Atlântico – apenas ratificam o que o próprio grupo que Fernanda participa já vem mostrando: áreas protegidas são essenciais para a manutenção da vida marinha. “Como é difícil ter bastante fiscalização na costa sobre pesca predatória, o simples fato de existirem unidades de conservação ajuda bastante”, explica a bióloga também graduada na Unesp, mas no câmpus de Botucatu.

E no caso específico do método científico, diz a cientista, o uso de câmeras remotas que são jogadas no ambiente presas em uma bóia e depois resgatadas pelos operadores também se mostrou eficaz. “Além de evitar a ausência das espécies topo de cadeia, é um sistema super indicado para lugares sensíveis, porque ele é posicionado de uma forma que não gera distúrbio nenhum ao ambiente. Não causando mortalidade nem da comunidade bentônica, nem dos corais. Como  também não precisa pegar o bicho para saber o tamanho dele, pode ser bastante usado com a avaliação de espécies ameaçadas de extinção”, avalia Fernanda.

Em contraponto, explica, o método remoto costuma subestimar espécies de peixes mais associados aos recifes, uma vez que muitas vezes estão entre essas estruturas e com sua visualização comprometida. Por conta disso, a pesquisadora sugere a adoção dos BRUVs como uma estratégia complementar ao censo visual dos mergulhadores para o monitoramento da diversidade marinha. “Implementar um método remoto como o BRUV permite abranger as espécies que usualmente evitam os mergulhadores, que normalmente são os predadores de topo e mesopredadores. Dessa forma, nós conseguimos registrar uma diversidade funcional mais representativa daquele ambiente”, aponta.  

Imagem acima: tubarão é registrado a partir das câmeras do BRUV (Crédito: Fernanda Rolim)