Governo federal precisa regulamentar articulação do atendimento aos refugiados no Brasil, afirma estudioso

Assistente de elegibilidade do escritório da Agência da ONU para Refugiados em SP, William Laureano Rosa diz que tempo de resposta dos órgãos governamentais a solicitantes de refúgio aumentou nos últimos anos e analisa o que enxerga como desafios do novo governo nessa área, em entrevista ao podcast Prato do Dia.

Internacionalmente reconhecido como um país acolhedor, o Brasil é uma das raras nações que instituiu um visto temporário para acolhida humanitária, previsto na Lei de Imigração, de 2017. Mas, diante de algumas crises migratórias recentes, como a venezuelana e a afegã, o governo federal tem alguns desafios importantes pela frente.

De acordo com William Laureano Rosa, doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Sussex, da Inglaterra, e professor convidado do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (programa interinstitucional de Unesp, Unicamp e PUC-SP), é fundamental que o governo que se inicia renove o olhar brasileiro para a questão dos refugiados, criando uma política nacional para o acolhimento de imigrantes e refugiados que coordene e integre ações de assistência social tomadas por estados e municípios.

“Temos iniciativas locais, leis locais, importantíssimas no sentido de garantia de direitos, mas não uma política nacional. Neste novo momento, isso é importantíssimo”, afirma William Laureano Rosa, que atua hoje como assistente de elegibilidade do escritório do ACNUR, Agência da ONU para Refugiados, em São Paulo.

A legislação brasileira que definiu mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) criada para normatizar o tema após a Segunda Guerra Mundial, é de 1997 e adota um conceito ampliado para o reconhecimento de refugiados, o que é elogiado por quem trabalha com a temática. A aplicação dos princípios legais, entretanto, está muito centrada no Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão deliberativo vinculado ao Ministério da Justiça.

Segundo William Laureano Rosa, o aumento do diálogo entre os entes federativos, a ampliação da participação social e uma melhora da atuação do Conare poderiam evitar a demora do reconhecimento da condição de refugiado no país. Na visão do estudioso, tais mudanças poderiam ser viabilizadas por meio da regulamentação do Artigo 120 da Lei de Imigração, dispositivo que versa sobre a finalidade da Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia e cita a cooperação entre Estados, Distrito Federal e Municípios e a participação da sociedade civil organizada, organismos internacionais e entidades privadas nessa articulação.

Existem no país entre 120 mil e 150 mil solicitantes de refúgios aguardando uma decisão, o que tem demorado alguns anos para ocorrer, relatou o integrante do ACNUR em sua participação no podcast Prato do Dia. “Talvez seja o momento de repensarmos como o Conare vai fazer, como dar uma celeridade para os casos. Em 2014 ou 2015, a pessoa tinha uma resposta em seis meses”, lembra. “Temos hoje um processo de refúgio muito lento.”

Um dos principais entraves para a acolhida humanitária, quiçá o principal, é a criação de uma estrutura de financiamento, o que só existe hoje para a situação venezuelana, na Operação Acolhida, liderada pelas Forças Armadas em Roraima. Além do país vizinho, repercutem no Brasil também os deslocamentos de afegãos, ucranianos e sírios, entre outros. Atualmente, três entidades são fundamentais para o atendimento das pessoas que solicitam refúgio no Brasil, todas filantrópicas: a Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, a Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro e o Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), de Brasília.

Para ouvir a íntegra do podcast Prato do Dia com William Laureano Rosa, que põe em perspectiva uma visão humanitária dos refugiados no país, clique no arquivo abaixo. A entrevista foi gravada no período de transição do governo federal, em 16 de dezembro, antes da posse do presidente Lula.