“Quem é que guarda nossas memórias? E o futuro quem vai contar? Essa é a nossa missão”, diz Carla Zulu, coordenadora de relações institucionais do Museu das Favelas, inaugurado em 25 de novembro, no centro de São Paulo. O local tem como principal objetivo registrar as conquistas e histórias do povo favelado, e ser ponto de encontro da cultura periférica, preta e quilombola.
“Aqui é um espaço de vivência, para contar a história pela visão dos que foram esquecidos e marginalizados”, completa Carla, que é moradora do município de Diadema, na Grande São Paulo.
O novo museu ocupa o Palácio do Campos Elíseos, construído no século 19 e símbolo da elite cafeeira na época. Agora, tornou-se patrimônio cultural para artistas independentes das quebradas, trazendo um novo entendimento a respeito do papel de um museu na sociedade.
O palácio dos Campos Elíseos, projetado em 1896, foi residência de um rico fazendeiro e, em 1912, o governo estadual adquiriu o imóvel, passando a ser utilizado como residência de governadores e sede de governo.
No entanto, o espaço já foi criticado em trecho do livro “Quarto de Despejo” (1960), da autora Carolina Maria de Jesus, que denuncia a estrutura desigual da cidade de São Paulo. “Eu classifico São Paulo assim: O palácio é a sala de visita. A prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos.”
“Por isso que buscamos uma retomada, uma alternância de poder, ao povo preto, que nunca se imaginou aqui [no museu]”
Carla Zulu, coordenadora de relações institucionais
Acesso e identificação
De acordo com a pesquisa “Comportamento Cultural dos Brasileiros”, feita pela Consultoria J.Leiva, pessoas brancas acessam mais cinemas, museus e teatros do que pessoas negras ou em situação de vulnerabilidade social.
A psicóloga Gisllaine Santana, 24, moradora de Pirituba, distrito da zona noroeste de São Paulo, foi uma das visitantes na inauguração do museu. “Parece que todos os detalhes ali foram pensados para os corpos pretos e favelados, eu nunca vi tanto carinho com nossa história”, conta.
A inauguração de um espaço pensado para moradores de favela visa promover ainda mais o acesso à cultura. “É muito doido se reconhecer naqueles espaços, e ver os meus semelhantes. Fazia anos que não tinha acesso a isso”, revela Gisllaine.
A favela ocupando o asfalto
A instituição abriu as portas com a exposição “Favela Raiz”, um manifesto que ressignifica o primeiro movimento de transição do Palácio dos Campos Elíseos para um espaço de memória e herança periférica.
Além das exposições (clique aqui para ver a programação), o local oferece diversas oficinas, como por exemplo “como produzir funk pelo celular”, “como ser um empreendedor social”, entre feiras abertas para vendas de produtos produzidos por pessoas de quebradas, ciclos de debates, dança e muito mais.
Responsável pela mediação e articulação das ações educativas do Museu das Favelas, Fabin Santin, 26, comenta que a “preocupação é trazer cada vez mais pessoas pretas, de baixa renda e em situações de vulnerabilidade” para o museu.
Para melhor experiência, os visitantes têm direito a uma caminhada guiada por Fabin, para dar “vida às obras”.
“É lindo explicar as obras, e aprender em dobro com as vivências e realidade múltiplas dos visitantes”, diz Fabin, residente do Jardim Vazame, periferia de Embu das Artes, na Grande São Paulo.
Partindo de um local de diversas narrativas, o ambiente tem como proposta também ser uma conexão entre a favela e asfalto. “Precisamos ter esse território de disputa, estamos em todos os lugares”, completa o educador.
Um sonho possível após gerações, o espaço inaugura como forma de resistência e potencialização de artistas de favela, levando a sua herança cultural para locais de destaque.
O Museu das Favelas é um projeto do governo do estado de São Paulo em parceria com a Cufa (Central Única das Favelas), organização não governamental fundada em 1999 por jovens negros da favela Cidade de Deus, no Rio de Janeiro.
Foto de abertura: Carlos Pires/Black Pipe
Reportagem publicada originalmente pela Agência Mural de Jornalismo das Periferias e reproduzida por meio de parceria de conteúdo com o Jornal da Unesp