Professor da Unesp recebe homenagem da Sociedade Internacional de Tecnologia de Embriões

Veterinário Enoch Borges de Oliveira Filho foi pioneiro em aplicar fertilização in vitro no rebanho bovino brasileiro. Hoje, país responde por 70% destes procedimentos efetuados em todo o mundo.

Este mês, o veterinário e professor aposentado da Unesp Enoch Borges de Oliveira Filho será homenageado com o prêmio Pioneer Award ofertado pela International Embryo Technology Society (IETS). A IETS é uma entidade internacional que reúne pesquisadores e profissionais ligados à embriologia e reprodução animal. O prêmio é concedido anualmente como forma de reconhecer indivíduos que fizeram contribuições seminais ao desenvolvimento da área e esta é a primeira vez que ele será concedido a um brasileiro. A cerimônia de entrega vai ocorrer no próximo encontro mundial da entidade, que ocorrerá entre 16 e 19 de janeiro na cidade de Lima, no Peru.

“Estou com 78 anos de idade e aposentado da Unesp já há 26 anos, por isso a notícia desta homenagem foi completamente inesperada”, diz o professor. Ele ingressou em 1981 como docente na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal (FCAV), no câmpus de Jaboticabal, onde permaneceu até o fim da carreira. “Na minha trajetória desenvolvi um trabalho que foi muito bem recebido no exterior e fico feliz de ter esse reconhecimento na área de tecnologia de embriões”, acrescenta.

De fato, Oliveira Filho dedicou sua carreira a desenvolver e disseminar entre pesquisadores brasileiros técnicas inovadoras de reprodução animal que até hoje impactam positivamente a indústria. Foi no laboratório do câmpus de Jaboticabal, no início dos anos 1990, que o pesquisador adaptou para o contexto brasileiro a biotécnica da fertilização in vitro (FIV), com a qual ele teve o primeiro contato durante um estágio de pós-doutorado na Dinamarca, em 1988, e que estava se desenvolvendo na Europa.

Segundo o mais recente relatório produzido pela International Embryo Technology Society, no ano de 2013 o Brasil produziu mais de 366 mil embriões bovinos a partir da técnica de FIV. Isso representa mais de 70% do total de procedimentos desta classe realizados em todo o mundo.

Entre as principais vantagens do uso da fertilização in vitro está a possibilidade de acelerar a produção de bezerros com características genéticas superiores, possibilitando melhorar a qualidade do rebanho num tempo inferior ao chamado processo de monta natural. Grosso modo, após a coleta dos oócitos (células sexuais femininas) das fêmeas previamente selecionadas, o material é mantido em laboratório até chegar ao ponto de maturação, quando então é colocado em um meio propício para fecundação por espermatozoides de machos também selecionados.

Embora o veterinário tenha aprendido todo o passo a passo da FIV durante seu estágio na Europa, a adaptação do procedimento à pecuária brasileira enfrentou obstáculos. “Nosso rebanho apresenta diferenças em relação aos de países da Europa ou mesmo dos Estados Unidos. Ele é composto principalmente pelo zebu, um tipo de gado que é oriundo da Índia e que, por ser mais resistente ao calor, se adaptou muito melhor ao Brasil que os animais de clima temperado”, explica o pesquisador. A natureza desses animais, entretanto, “é muito delicada, ainda mais quando se fala especificamente na fertilização do processo de fecundação”.

Mesmo fazendo uso dos mesmos equipamentos e das mesmas técnicas aprendidas e empregadas na Europa, Oliveira Filho passou um ano sem conseguir repetir, no Brasil, os resultados obtidos no pós-doutorado. Para produzir o primeiro animal a partir da FIV, foi necessário um esforço coletivo de pesquisadores de diferentes partes do mundo. No início dos anos 1990, já de volta do estágio de pós-doutorado, o pesquisador organizou um simpósio internacional sobre reprodução animal em Jaboticabal em que reuniu os principais pesquisadores da área de embriologia que conheceu no exterior e que também trabalhavam com a técnica.

Após o evento, alguns participantes permaneceram na cidade para um “intensivo” de experimentos em que buscaram decifrar os desafios para aplicar, de forma eficiente, a técnica no gado zebu. O esforço coletivo valeu a pena e no início de 1993 nasceram os primeiros bezerros frutos da FIV no Brasil. “Aqueles foram dias de uma troca de informações preciosíssima. O simpósio deu origem a um livro que dirigiu a ciência brasileira na área de reprodução animal por anos”, diz, referindo-se ao livro Manipulating the Mammalian Embryo, de 1990, que foi editado pela própria FCAV, de Jaboticabal.

Uma vez solucionado o mistério, o professor de Jaboticabal passou a desempenhar um outro papel importante no cenário da pecuária brasileira, assumindo a disseminação deste conhecimento entre pesquisadores e produtores pelo país. “Naquela época a FCAV era uma escola ainda jovem, mas com turmas muito animadas e engajadas cientificamente”, recorda. “Foi uma fase muito boa, mas que também passou muito rápido.” Nesse ambiente era frequente a troca de experiências entre pesquisadores brasileiros e de outros países da região que compartilhavam características semelhantes na pecuária. “Em encontros científicos falávamos das diferenças da Europa para o Brasil e das particularidades do gado na América do Sul. Depois, cada pesquisador retornava a sua região ou país de origem para disseminar e adaptar as técnicas”, explica.

Oliveira Filho explica que desde o nascimento dos primeiros bezerros, em 1993, outras instituições e pesquisadores se debruçaram a fim de aprimorar a técnica e melhorar os resultados. Ao mesmo tempo, novos profissionais se especializaram na FIV, ampliando a mão de obra disponível no campo. Hoje, a FIV é uma tecnologia difundida nacionalmente e cada vez mais acessível, com o surgimento de empresas especializadas e com o estabelecimento de um mercado em pleno crescimento. Para o pesquisador, não é exagero dizer que a FIV é um dos fatores que colaboram para o contínuo melhoramento genético do rebanho brasileiro, seja para corte ou produção do leite.

Depois de se aposentar, Oliveira Filho continuou trabalhando com a FIV, montando uma fazenda no Tocantins em que aplicou o conhecimento que acumulou na produção de animais de alta qualidade genética. Hoje continua se dedicando à fazenda, mas já não trabalha com animais. “A atividade da pecuária no Brasil é muito ingrata. É exigente fisicamente, você sofre acidentes e nem sempre tem o trabalho reconhecido”, conta. “Fico feliz por ter sido escolhido entre tantos pesquisadores da Europa e dos Estados Unidos e compartilho a homenagem com meus colegas brasileiros que estão na batalha. Não temos um Prêmio Nobel para a área, mas é como se este prêmio fosse um Nobel. Ele mostra que é possível fazer as coisas bem feitas no Brasil sem pensar necessariamente no dinheiro.”