Teve início ontem, domingo, dia 6, teve início a 27a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27). O evento ocorre à sombra da incapacidade dos países em reduzir suas emissões e, dessa forma, alcançar o objetivo de evitar que a temperatura do planeta suba mais de 1,5O até 2030. Para especialistas ouvidos pelo Jornal da Unesp, além da frustração no alcance das metas globais, a eclosão da Guerra da Ucrânia e a presença do recém-eleito presidente Luiz Inácio Lula da Silva também devem pautar o encontro.
As COPs são as principais conferências a tratarem do desafio global do combate às mudanças climáticas. Os encontros anuais reúnem representantes oficiais dos governos e membros da sociedade civil com o propósito de negociar os compromissos e as estratégias de cada país para amenizar o aquecimento global.
A última edição da conferência, realizada em Glasgow, na Escócia, foi marcada pela celebração dos cinco anos do Acordo de Paris. Na capital francesa, os países se comprometeram a tomar medidas efetivas para limitar o aumento da temperatura do planeta abaixo de 1,5o até 2030. Durante o evento na cidade escocesa, em 2021, foi acordado que os países signatários iriam levar para o Egito metas renovadas e mais ambiciosas para alcançar este objetivo. Passado um ano do compromisso, entretanto, apenas 23 dos 193 países que firmaram o Acordo entregaram seus planos à ONU, fazendo pairar sobre o evento deste ano, no Egito, um sentimento de frustração sobre o real comprometimento e capacidade das nações em cumprir a meta do Acordo de Paris.
Embora apenas um ano separe a edição deste ano, em andamento na cidade de Sharm el-Sheikh, no Egito, da COP 26, realizada na Escócia, o cenário geopolítico é completamente diferente, principalmente em função da eclosão da Guerra da Ucrânia. Para a bióloga Patrícia Morellato, docente do Instituto de Biociências de Rio Claro, o conflito parece ter tirado o combate à mudança climática da agenda prioritária das nações desenvolvidas. “Com o arrefecimento da pandemia de Covid-19 houve a esperança de que pautas humanitárias e com foco no meio-ambiente fossem ser priorizadas, mas a Guerra da Ucrânia ocupou todo o espaço”, lamenta Morellato, que já colaborou na elaboração do relatório do IPCC, documento organizado pela ONU que reúne o atual conhecimento científico sobre as causas, consequências e formas de mitigação das mudanças climáticas.
Patrícia Morellato lembra que a última edição do relatório, a quarta, veio a público no mesmo dia em que eclodiu o conflito na Europa, o que ofuscou por completo a divulgação do documento junto à mídia internacional. O novo relatório foi recebido pela comunidade científica com elogios por ter logrado avançar em diversos pontos em torno dos quais pairavam algum grau de incerteza, como no caso das predições climáticas para o hemisfério sul. “Mesmo que nossa região ainda não possua um modelo climático específico, e a gente precise usar o modelo global, o relatório avançou bastante e agora nós pesquisadores podemos trabalhar com predições ainda melhores”, diz, que estuda o impacto das mudanças climáticas na fenologia das plantas de biomas brasileiros como a Caatinga e o Cerrado.
Para a docente, a invasão da Ucrânia pelas tropas russas ensejou um retrocesso na conscientização e no destaque dado à mudança climática pela comunidade internacional. “Depois de poucas semanas, ao invés de falar sobre investimentos em pesquisas e ações para enfrentar a mudança climática, o presidente dos Estados Unidos estava defendendo que os países europeus aumentassem seu orçamento bélico”, analisa. Ela também menciona como negativo o impacto dos grandes cortes no fornecimento de gás aos países europeus pela Rússia. Embora seja poluente, o gás natural é considerado por muitos especialistas como um combustível de transição em direção a formas mais limpas de produção de energia. A queda na oferta do gás russo levou a governos, empresários e habitantes de diversos países do continente europeu a serem forçados a elevar o consumo de combustíveis fósseis como o carvão.
Presença de Lula deve sinalizar retomada na diplomacia
A presença, na COP27, do presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, que vem a convite de organizações da sociedade civil e do próprio presidente do Egito, deve receber destaque junto à mídia internacional. Para o professor do curso de Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp em Franca Daniel Damásio, os dois mandatos do governo Lula entre 2002 e 2010 mantiveram e ampliaram uma tradição da diplomacia brasileira de se posicionar como liderança mundial nas questões ambientais, citando como exemplos a realização da ECO-92 e a articulação brasileira na conclusão do Acordo de Paris, em 2015.
“Há muito anos, a diplomacia brasileira teve a lucidez de entender que, queira o Brasil ou não, a temática ambiental vai estar na mesa nos anos seguintes”, diz Damásio, “e que os olhares estariam sobre o Brasil por conta da Amazônia e sua imensa biodiversidade. Portanto, seria importante assumir um protagonismo”, explica o docente do câmpus de Franca. Esse protagonismo encolheu muito durante o período da gestão de Jair Bolsonaro. “É provável que essa COP27 marque o retorno do Brasil à diplomacia ambiental internacional, mesmo que Lula ainda não tenha tomado posse”, diz ele.
Damásio explica que a reunião da COP possui um aspecto simbólico muito grande na comunidade internacional e, de certa forma, serve como palco para sediar os debates tanto na área diplomática quanto na ambiental. “Existe a sinalização de que as áreas ambiental e das relações exteriores devem estar entre as que mais sofrerão alterações no novo governo”, destaca.
Outra discussão que está na mesa durante a conferência no Egito é o debate sobre a necessidade de os países desenvolvidos, e que são historicamente os maiores emissores de gases do efeito estufa, financiarem, por meio de um fundo global, ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas em países mais pobres e em desenvolvimento. Para Morellato, nestes debates por recursos é fundamental a presença de lideranças que representem os países pobres. “Acredito que o Lula é um líder cuja imagem está relacionada à busca por justiça social e à redução do desmatamento no Brasil. Acho que esses fatores podem colaborar para atrair a liderança ambiental para o hemisfério sul”, afirma.
Imagem acima: COP 27/divulgação