John Coltrane: o jazz como elemento da contracultura

Pesquisa da Unesp mergulha na obra-prima do saxofonista e mostra como sua música refletiu discussões e polêmicas que circulavam nos anos 1960, envolvendo comportamento, indústria cultural, religião, racismo e juventude.

Considerado pela crítica especializada como o maior sax tenor do jazz, e um dos mais relevantes compositores do gênero em todos os tempos, John William Coltrane, ou John Coltrane, nasceu em Hamlet, Carolina do Norte, nos EUA, em 1926. Seu nascimento ocorreu bem próximo do episódio da quebra da bolsa de Nova York, em 1929, fato que alterou radicalmente as políticas de Estado e, consequentemente, afetou a estrutura social de seu tempo. Nesse sentido, o desenvolvimento artístico de Coltrane se deu à luz das grandes questões contextuais do período.

O músico começou a ganhar notoriedade em 1949, ao se juntar à banda de Dizzy Gillespie (companheiro de Charlie Parker Jr). Em 1955 foi convidado a participar da banda de Miles Davis, que já figurava como um dos principais nomes do jazz. A partir de então, Coltrane passou a transitar em um novo patamar dos nomes do jazz e assim procedeu no seu principal período de atividade até 1967, ano do seu falecimento. Nessa fase, colaborou na reformulação do jazz e influenciou gerações de outros artistas de diferentes gêneros musicais, indo desde o rock até a música erudita. Sua atuação em estúdio foi prolífica: lançou cerca de 50 gravações como líder e apareceu em outras tantas coordenadas por outros músicos. Ao longo de sua carreira, a música de Coltrane foi tomando progressivamente uma dimensão alquímica que consagrou seu legado musical. Possivelmente, a referência central na obra de Coltrane está em seu álbum A Love Supreme.

Partindo da relevância histórica e cultural do álbum, o mestrando e pesquisador do Grupo de Estudos Culturais da Unesp em Franca, André Céspedes Pimenta, elaborou o projeto: “A Love Supreme: John Coltrane, Contracultura e Jazz”, sob a orientação do professor da Faculdade de Ciências Humanas Sociais da Unesp, José Adriano Fenerick.

 “O jazz nasceu e se desenvolveu primordialmente no século 20, nos EUA. De lá, se espalhou e tomou conta do mundo como nenhuma expressão musical jamais havia conseguido antes”, explica Pimenta. “Nas décadas de 1950 e 1960, essa música passou a configurar uma forma estética de oposição ao modelo de sociedade de consumo idealizado pelo governo norte-americano, assim como a outras formas culturais relevantes. O objetivo do projeto é estudar o álbum A Love Supreme na tentativa de compreender quais são os elementos que o compõem, a recepção que tiveram por parte do público e o modo como se relacionam com a dinâmica social e cultural dos anos de 1960”, diz Pimenta.

De acordo com a pesquisa, durante o período estudado, nomes como Charles Mingus, Thelonious Monk, Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Miles Davis e John Coltrane estavam entre os principais jazzistas e porta-vozes negros. Somando-se a outros movimentos da contracultura, esses jazzistas passaram a compor o modelo de resistência que ofertava à juventude uma música que não se encaixava nos moldes dos produtos propagandeados pela indústria fonográfica.

Cada vez mais, as obras criadas por aqueles artistas apresentavam características que fugiam das limitadas definições dos sub gêneros do jazz. Eram músicas que questionavam a própria condição de música e sua forma-mercadoria, escancarando as contradições e conflitos internos quanto ao que significava tocar jazz naquele tempo. “Busco compreender o desenvolvimento de Coltrane como artista dentro desse contexto, para explicar como foi possível a criação de um álbum tão bem sucedido com tantos elementos estrangeiros (religiosos e raciais, especialmente) que muito tencionaram a dinâmica do complexo sistema de forças estabelecido na década de 1960”, explica o pesquisador.

A Love Supreme

Lançado no meio de uma década de efusão artística e cultural, o álbum A Love Supreme foi de importância incontornável para a compreensão dos rumos tomados pelo jazz e pela contracultura norte-americana nos anos de 1960.  O álbum foi gravado em uma única sessão, em 9 de dezembro de 1964, no Van Gelder Studio em Englewood Cliffs, Nova Jersey, mas distribuído em 1965. Durante a gravação, Coltrane liderou um quarteto formado pelo pianista McCoy Tyner, o baixista Jimmy Garrison e o baterista Elvin Jones.

A Love Supreme é uma suíte composta por quatro partes: Acknowledgement, Resolution, Pursuance e Psalm. Coltrane toca saxofone tenor nas quatro divisões. Lançado pela Impulse! Records, foi um dos álbuns mais vendidos do saxofonista e é considerado sua obra-prima. O disco se baseia na construção modal, ou seja, não segue uma tonalidade específica, e sim na distribuição dos modos. Ele é categorizado pela revista espanhola de música Rockdelux como um álbum de jazz modal, jazz vanguardista, free jazz, hard bop e post-bop.

“A proposta da análise visa articular o objeto com suas condições de produção no intuito de compreender as mediações entre a indústria da música, suas finalidades, seu material musical e as implicações na sociedade. A escolha do álbum A Love Supreme como objeto de análise se deu justamente pelo seu potencial para mobilizar uma série de expressivos fenômenos ocorridos nos arredores do ano de sua produção. O álbum reúne uma quantidade de elementos relevantes para o entendimento do fluxo de ideias sobre comportamento, música, religião, racismo e muitas outras facetas que vigoravam especialmente na década de 1960”, diz o pesquisador da Unesp.

Confira abaixo a entrevista completa no Podcast Unesp.