No dia 15 de fevereiro de 2013 o mundo voltou sua atenção para Cheliabinsk, Rússia, quando um asteroide, de aproximadamente 18 metros, entrou na atmosfera terrestre e explodiu em cima da cidade. O evento gerou uma onda de choque que atingiu seis cidades na região e deixou aproximadamente 1.200 feridos, com danos materiais girando em torno de 30 milhões de dólares.
Segundo dados da Nasa, atualmente existem aproximadamente 25 mil asteroides próximos à Terra, apesar de todos apresentarem risco baixo de colidirem com o planeta. O professor Othon Cabo Winter, do Departamento de Matemática, Faculdade de Engenharia e Ciências da Unesp, campus Guaratinguetá, lembra que objetos considerados próximos na astronomia, ainda assim, estão a distâncias enormes. “O próximo, em termos astronômicos, indica distâncias maiores do que a da Lua”, comenta.
Apesar do baixo risco de impacto, situações como a de fevereiro de 2013 chamam a atenção para a necessidade de planos de defesa planetária. Atualmente, algumas das ideias mais populares envolvem o choque de uma nave no asteroide em rota de colisão, com força suficiente para mudar sua trajetória. Essa técnica é conhecida como deflexão por impacto cinético. A premissa é transferir a energia cinética de uma nave para o asteroide, gerando uma mudança em sua órbita. Um efeito semelhante ocorre em mesas de bilhar, quando as bolas brancas colidem com as demais bolas e lhes transmitem energia cinética, fazendo com que se movam. Até menos de um ano atrás, este e outros planos de defesa planetária estavam apenas no papel e em modelagens computacionais. Porém, nas próximas semanas, os primeiros testes práticos terão início.
No dia 24 de novembro de 2021, a Nasa lançou a primeira missão voltada para testes de defesa planetária. A missão DART (Double Asteroid Redirection Test, ou Teste de redirecionamento de asteroides duplos da Nasa, em tradução livre) atingirá o asteroide Dimorphos, a uma velocidade aproximada de 6 quilômetros por segundo. Estima-se que esse impacto será suficiente para causar uma alteração na órbita do asteroide, que será medida por telescópios terrestres. A colisão está prevista para acontecer na próxima semana, no dia 26 às 20:14h, mas a janela para a realização da missão estende-se até o dia 1 de outubro.
O Dimorphos é um asteroide de 163 metros que orbita o asteroide Didymos, de 780 metros. Já a nave DART mede apenas 19 metros. O impacto foi planejado para ocorrer no momento de menor distância entre os asteroides e a Terra, equivalente a 11 milhões de quilômetros. Essa proximidade permitirá que os telescópios na Terra possam conduzir observações com mais qualidade, especialmente após o impacto, e diminui a quantidade de combustível usado pela nave em sua jornada. A última vez que o Didymos esteve a essa distância do planeta Terra foi em 2003, e a próxima aproximação ocorrerá apenas em 2062.
A seleção do alvo para o teste seguiu uma série de critérios, explica Winter. “Basicamente, a escolha dos alvos devia ser feita entre os asteroides que estivessem mais próximos da Terra, porque enviar uma nave para lugares mais distantes envolveria um gasto muito grande com combustível. Isso já reduz o número de objetos. Depois, procurou-se por sistemas binários, com órbitas de períodos curtos. Isso facilita a visualização das mudanças ocorridas, porque não precisamos esperar o asteroide completar uma órbita inteira em torno do Sol.”
O Dimorphos levará 12 horas para completar uma órbita em torno do Didymos. Isso significa que mesmo mudanças mínimas da órbita, na ordem de minutos, poderão ser mais facilmente captadas pelos telescópios que estão acompanhando a missão.
Sonda vai escolher sozinha ponto de colisão
Além de ser a primeira missão para testar a deflexão de asteroides, a DART também envolve importantes inovações tecnológicas. Entre elas estão os algoritmos desenvolvidos para a sonda, chamados de Small-body Maneuvering Autonomous Real Time Navigation (SMART Nav). Estes algoritmos permitem que a espaçonave viaje de maneira autônoma, sem a necessidade de um operador indicando quais comandos ela deve fazer. Assim, o SMART Nav tem o potencial de resolver uma grande questão relacionada às viagens com sondas: o tempo que a informação leva para sair da sonda, chegar ao operador em Terra e retornar à nave.
“Como estamos falando de distâncias gigantescas, não é possível um controle imediato. Porque há um tempo decorrido entre o sinal sair de lá, chegar até aqui, receber o comando e depois voltar até lá. Muita coisa tem que ser feita de maneira independente. A máquina vai tomar decisões, ela vai imagear e definir o local de impacto. Esse é um avanço incrível do ponto de vista tecnológico”, comenta o professor.
Além do aspecto tecnológico, Winter também destaca o grande avanço científico que a missão irá proporcionar, principalmente pelo desafio de modelar e prever as possíveis situações que a sonda irá encontrar ao se aproximar dos asteroides, uma vez que o formato do Dimorphos é desconhecido. “A gente tem o formato aproximado do Didymos, ele é parecido com um diamante. Mas nós não conhecemos o Dimorphos. Embora o senso comum veja os asteroides como corpos mais ou menos redondos, não é bem assim. Eles são diferentes, muitos são alongados. Isso dificulta o planejamento do impacto, mas é algo que só vamos descobrir quando a DART chegar mais perto”.
Com a proximidade do momento do impacto, chegam cada vez mais imagens tiradas pelo sistema de câmeras da DART, o DRACO. Com elas, e outras informações enviadas pela nave, cientistas da missão atualizam os modelos do momento do impacto. Isso é um trabalho que está acontecendo em paralelo ao recebimento das novas informações, para evitar qualquer erro, uma vez que essa é uma missão de “um tiro só”. “A nave está a uma velocidade altíssima. Se ela errar, vai passar direto e não volta mais, e a missão terá se perdido. Então é um tiro de uma chance só”, diz Winter.
Como aproveitar a gravidade para defletir asteroides
Em agosto deste ano, o professor Winter, juntamente com o doutorando Bruno S. Chagas, da Faculdade de Engenharia e Ciências da Unesp, campus Guaratinguetá, e o pesquisador Antonio Fernando Bertachini de Almeida Prado, do Inpe, publicaram o artigo “Deflecting an Asteroid on a Collision Course with Earth Using a Powered Swing-By Maneuver”, na revista Symmetry.
Em seu estudo, Winter e seus colaboradores propuseram uma nova maneira de aplicar a técnica de deflexão por impacto cinético. A nova metodologia permite solucionar um dos grandes problemas desta abordagem, que é a força necessária para defletir os objetos. No caso de asteroides pequenos, que tenham poucos metros, a técnica funciona bem porque não é preciso empregar um foguete ou uma sonda de grandes dimensões. Porém, quanto maior o asteroide, maiores devem ser a massa e a velocidade do impactador para causar a deflexão.
A dificuldade de desviar objetos muito grandes se deve a uma grandeza física chamada “quantidade de movimento”. Também conhecida como momento linear, ela é definida pelo produto da massa pela velocidade de um objeto. “Imagine que você joga algo ladeira abaixo. O objeto vai ter uma certa velocidade. Agora, se esse objeto for algo muito pesado e você tentar interceptá-lo com uma bolinha leve, nada vai acontecer. Ele vai continuar sua trajetória. Para conseguir desviar esse objeto, será necessário algo bem mais pesado”, explica Winter.
No espaço, os asteroides viajam a velocidades altíssimas. Isso significa que, para defletir um asteroide com um tamanho de quilômetros, seria necessário uma espaçonave tão rápida quanto ele e com uma massa gigantesca. Isso é inviável do ponto de vista econômico e de engenharia. Por esse motivo, a deflexão por impacto cinético até agora é considerada como aplicável apenas a asteroides pequenos.
Buscando solucionar esse problema, Winter e os demais pesquisadores, aproveitaram um método conhecido e utilizado no envio de sondas para outros planetas: o “swing-by”, ou efeito estilingue, em português. “Quando mandamos uma sonda para Júpiter ou Saturno, por exemplo, elas não vão em linha reta, mas sim espiralando. Além disso, elas passam por outros planetas no percurso para ganhar mais energia. Geralmente elas vão para Vênus, ganham energia, passam próximas à Terra novamente, ganham mais energia e depois vão para fora. Dependendo da distância a que as sondas precisam chegar, elas podem passar até mais de uma vez nessa rota interna, apenas ganhando energia suficiente para a viagem”, comenta.
A ideia consiste em, basicamente, aproveitar a força gravitacional natural de todos os corpos para conceder mais energia ao asteroide e, assim, facilitar a deflexão de grandes objetos mesmo com foguetes pequenos. “Como esse ganho de energia funciona? Imagine que há um corpo passando próximo da Terra. Ele vai sentir os efeitos da gravidade do planeta. Então, se passar relativamente perto ‑ não muito perto para colidir, mas perto o suficiente para ser influenciado pela gravidade ‑ , ele vai ganhar energia e ser defletido pela força gravitacional da Terra”, explica Winter.
Outro detalhe no plano de deflexão envolve o momento ideal para o impacto do foguete. Segundo os pesquisadores, o melhor momento para conseguir o efeito estilingue seria quando o asteroide estivesse em alguma passagem anterior à da órbita que resultaria em colisão com o planeta. E, mais especificamente, no ponto de maior aproximação. Isso permitiria que fosse aplicado um desvio pequeno, mais fácil de ser feito. Ao longo do tempo, esse desvio aumentaria de maneira acumulativa, impedindo a colisão no futuro. Segundo o professor, “mesmo que o deslocamento seja de 100 metros, o que é algo muito pequeno, isso vai aumentando a diferença da órbita ao longo do tempo. Da próxima vez que o asteroide passar próximo da Terra, não estará mais em rota de colisão”.
Atualmente, já se conhecem mais de 25 mil asteroides próximos da Terra e, a cada ano, esse número aumenta entre dois e três mil. A varredura do céu e o reconhecimento dos asteroides permitem estudar, também, sua órbita, o que possibilita prever com anos de antecedência a possibilidade de que um asteroide entre em rota de colisão. De maneira semelhante, é possível prever, também, qual vai ser a última aproximação do asteroide, antes de entrar na órbita que terminaria em colisão. Isso torna viável a proposta dos pesquisadores de aproveitar o momento em que o asteroide passa mais perto da Terra sem colidir.
“Nosso estudo mostra que, se você estiver na hora certa e no lugar certo, é possível defletir um asteroide aplicando impulsos baixíssimos, na ordem de milímetros por segundo. E é possível fazer o desvio em objetos enormes, que tenham quilômetros de extensão. Mas, para isso, temos que conhecer a história e o futuro dele. Se conseguirmos prever seu comportamento, poderemos aproveitar o momento em que o efeito estilingue é um pouco maior. Para isso, teremos que deslocá-lo para que passe mais perto da Terra. Assim, na próxima órbita, ele não entrará em rota de colisão. É algo paradoxal. E, obviamente, esse ‘mais perto’ tem um limite”, diz.
Acima: ilustração da sonda DART e do asteroide Didymos. Créditos: Equipe de Navegação JPL DART da Nasa