A urgência de uma política eficaz para prevenção do suicídio

Docente relaciona alta do suicídio no país com precariedade do atendimento à saúde mental.

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Os atos suicidas começaram a ganhar visibilidade como uma questão de saúde pública a ser analisada com mais profundidade pelos governos nacionais quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) reuniu dados estatísticos que revelaram, no início dos anos 2000, que o suicídio era uma das três principais causas de mortes entre jovens no mundo. O levantamento também apontou que, na população em geral, era o registro mais frequente de mortes ocorridas por causas não naturais, superando em números absolutos as vítimas de acidentes ou de guerras. 

Coordenador do Programa de Controle de Transtornos Mentais e Doenças Neurológicas da OMS de 1989 a 2008, o psiquiatra José Manoel Bertolote foi uma das pessoas que impulsionou, a partir das estatísticas alarmantes, a adoção de 10 de setembro como o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio (World Suicide Prevention Day ou WSPD) em 2003 e uma série de ações para colocar o tema, ainda um tabu para muitos, na pauta de agentes de governos, profissionais de saúde e jornalistas, entre outros.

Docente na pós-graduação da Faculdade de Medicina do câmpus de Botucatu da Unesp e também médico da Universidade, Bertolote encara atualmente a prevenção do suicídio como uma tarefa permanente, “de todos os dias do ano”. “O suicídio é um problema de todos. Mesmo que hoje nós não estejamos pensando em suicídio, alguém ao nosso redor está pensando, alguém próximo, um familiar, colega, uma pessoa querida”, pontua.

Embora defina suicídio como fenômeno social e cultural, e não individual, seguindo a linha do filósofo francês Emile Durkheim, o médico José Manoel Bertolote frisa que há “uma associação inequívoca”, reforçada pelos dados estatísticos, entre o ato suicida e transtornos psiquiátricos. É nesse sentido que ele levanta a precariedade do atendimento aos pacientes com doença mental como uma das hipóteses para a alta significativa dos casos de suicídios no Brasil nas últimas três décadas, relacionando-a à falta da completude da reforma psiquiátrica no país. Segundo o Atlas da Violência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o número absoluto de suicídios no Brasil saltou de 4.845 em 1990 para 13.520 em 2019. “A situação do atendimento à saúde mental, em geral usuários de álcool e drogas, é muito precária e eu estou firmemente inclinado a pensar que a mudança do sistema de atenção à saúde mental tem um peso nisto”, diz o médico.

O pesquisador faz questão de frisar que o fim dos manicômios e alguns exemplos positivos de municípios que estruturaram programas eficazes na área de saúde mental foram resultados notáveis da reforma psiquiátrica no país, mas lembra que não foram criados leitos psiquiátricos em hospitais gerais nem houve a inclusão da saúde mental na rede básica de saúde, como havia sido proposto na Declaração de Alma-Ata sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada nos anos 1970.

“O Brasil tinha 90 mil leitos psiquiátricos em 1990, hoje tem um número irrisório. A ideia da reforma psiquiátrica era criar leitos psiquiátricos em hospitais gerais, que foi o que houve na Itália. Hoje, leito psiquiátrico em hospital geral você encontra em hospitais universitários, hospitais militares e um ou outro hospital decente. Os outros não têm”, afirma. “Em cidades, sobretudo do interior, voltando a falar de suicídio, se temos um paciente numa crise suicida grave, iminente, que não tem estrutura familiar que possa cuidar dessa pessoa e ele precisa de um leito psiquiátrico, é um desespero. Não existe”, exemplifica.

No Brasil, o número de telefone 188 é destinado à prevenção do suicídio. Por meio dele, é possível conversar com voluntários do Centro de Valorização da Vida (CVV) e ser orientado sobre os serviços de saúde disponíveis. A ligação é gratuita e o serviço está disponível 24 horas por dia, em todo o território nacional.

As reflexões sobre suicídio e saúde mental com o psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina do câmpus de Botucatu José Manoel Bertolote são o tema da edição desta semana do podcast Prato do Dia, uma produção da Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp.

Ouça a conversa na íntegra abaixo.