Unesp discute políticas públicas para migrantes internacionais em Botucatu

Chegada de imigrantes da Venezuela, Haiti e até do Oriente a cidades do interior de São Paulo tem preocupado autoridades municipais. Pesquisadores da universidade debatem caminhos para prestar apoio financeiro e jurídico, e favorecer integração.

Fome, mudanças climáticas, guerra, ditaduras. São várias as razões que estão empurrando indivíduos e comunidades a procurar abrigo além das fronteiras onde nasceram. De acordo com a Agência da ONU para Refugiados, Acnur, existem 89,6 milhões de migrantes e refugiados buscando novas possibilidades. Destes, 1,4 milhão de migrantes internacionais e 26,5 mil refugiados escolheram o Brasil para recomeçar a vida.

Antônio Braga, docente da Faculdade de Filosofia e Ciências do Departamento de Sociologia e Antropologia, câmpus de Marília, explica que uma das características da migração internacional que está chegando ao Brasil é um fluxo em direção ao interior. “São Paulo sempre foi um dos principais pontos de chegada de migrantes ao Brasil, além do Rio de Janeiro e de outros grandes centros urbanos. Agora, está havendo um processo de interiorização, com destino a cidades de médio porte. Lugares como Marília, Bauru e Araraquara estão recebendo muitos migrantes vindos da Venezuela, Haiti e até de países do Oriente como Afeganistão e Iraque”, diz.

De olho no crescimento desses grupos no interior de São Paulo, diversos professores da Unesp têm dedicado a eles pesquisas e ações de extensão. Uma dessas iniciativas é a participação no evento Memórias em movimento – Migrantes e migrações no interior de São Paulo, que acontece nos dias 3 e 4 de setembro em Botucatu. Estão previstas palestras e mesas-redondas, além de espaços para a divulgação das culturas migrantes, como apresentação de danças típicas e venda de comidas de diversos países, arquitetadas por migrantes que integram o Projeto Reconduz em parceria com a produtora cultural Zukultura. “Um dos objetivos dos migrantes [com o evento] é justamente sair da invisibilidade, já que logo que chegaram aqui começou a pandemia e muitos botucatuenses nem sabiam que eles estavam na cidade” , explica um dos voluntários no Reconduz, João Belvel Junior, doutorando do programa de pós-graduação em antropologia social da USP e pesquisador na área de migração.

Rosângela Gileno em apresentação das atividades de acolhimento a migrantes do PoLEM, Ramin – Unesp – na Câmara de Vereadores de Araraquara

Além de doutorando, Belvel é bolsista da cátedra da Unesco Memorial da América Latina, programa no qual tem como orientadora Elizabete Sanches, professora do Departamento de Relações Internacionais  da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp, câmpus de Franca. A cátedra da Unesco Memorial da América Latina é um projeto acadêmico que une a Fundação Memorial e as três universidades estaduais paulistas  com o objetivo de promover pesquisa sobre temas sociais emergentes.

Elizabete Sanches é uma das coordenadoras da Rede de Atenção ao Migrante Internacional (Ramin) e está à frente do projeto Conhecer para Acolher – mapeamento de migrantes e refugiados na cidade de Franca. O encontro em Botucatu neste fim de semana acontece através dessa articulação entre diversos projetos e pesquisadores. “A ideia é juntarmos todas essas forças para promover um evento que agregue o maior número possível de pesquisadores, estudantes e, principalmente, pessoas em situação de refúgio e migrantes para ampliar a possibilidade de diálogo intercultural que favorece a integração”, explica a professora.

Nova tendência nas migrações: sul-sul

Em Marília, no ano passado, Antônio Braga foi procurado pela Secretaria de Direitos Humanos do município com a demanda de pensar em soluções para migrantes de origem venezuelana que estavam em situação de rua. “Pode-se chamar esse fenômeno contemporâneo de uma migração sul – sul. São pessoas que vêm da América Latina, Caribe, África e Oriente Médio, num processo que tem se acentuado e onde o nível da demanda é muito alto. São pessoas que saíram sem nada do seu país de origem e precisam de suporte alimentar, habitacional, linguístico, psicossocial etc”, diz Braga, que também é coordenador-geral da Ramin.

Venezuelanos no evento Conexão Brasil – Venezuela, nos dias 12 e 13 de março na Pinacoteca Fórum das Artes de Botucatu. Foto: Giovanni Verniano

Com o surgimento da Ramin, constatou-se que diversos professores da Unesp já trabalhavam em projetos de pesquisa e extensão abordando alguns aspectos de acolhimento a essa população. O projeto Português Língua de Acolhimento (PLAc) do câmpus de Araraquara – que hoje se chama PoLEM (Português Língua entre migrações), por exemplo, surgiu em 2018, a partir da necessidade de facilitar a aprendizagem de português como língua estrangeira para os migrantes venezuelanos, adultos e crianças. “A Unesp tem acolhido esse migrante que quer se integrar, aprender a língua pra poder trabalhar e ficar mesmo no país. Agora temos a vantagem da rede que tem dado suporte financeiro, jurídico e, dessa forma, projetos como o PoLEM têm se espalhado para outros câmpus”, afirma Rosângela Gileno, docente do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências e Letras do câmpus de Araraquara. A Ramin tem possibilitado uma maior articulação entre os projetos e diferentes unidades da Unesp. “Do ponto de vista mais objetivo, a ideia é que a gente possa auxiliar um ao outro nas nossas áreas de expertise”, explica Antonio Braga.

Programas de acolhida ajudam a selecionar emprego

Moradora da cidade de Maturin, no nordeste da Venezuela, a professora de história Virginia Rodriguez viu-se gradualmente enfrentando dificuldades cada vez maiores para manter seu padrão de vida, embora estivesse empregada e recebendo salário. “A gente primeiro tira a salada do prato, depois a carne, até que chegaram os dias em que eu passei a me deitar sem ter comido nada. Fui aguentando, mas quando meus filhos passaram a ter que deitar com fome, decidi que era a hora de sair da Venezuela”, relata ela, que chegou ao Brasil atravessando a fronteira pelo estado de Roraima, chegando à cidade de Pacaraima.

De Pacaraima ela seguiu para a capital do estado, Boa Vista, de onde foi transportada para Botucatu. Hoje, Virginia é uma dos 120 venezuelanos que vivem na cidade. O deslocamento desses migrantes para o interior de São Paulo tem contado com o apoio do governo federal ou da iniciativa privada. No caso da Virgínia, ela participou do programa Empoderando Refugiadas, que é mantido por uma grande empresa do ramo da moda. Graças ao programa, ela pôde passar por um treinamento profissional e já chegou ao interior paulista empregada. Mas a necessidade de aumentar o apoio a esses grupos já está bem clara, tanto para as autoridades dos municípios onde eles residem quanto para os pesquisadores da área. “E a Unesp, por seu perfil multicampi, que se espalha por boa parte do interior de São Paulo, está presente em algumas das localidades para onde eles estão chegando, e pode atender os migrantes com ações de acolhida”, diz Antônio Braga.

Foto acima: família de migrantes venezuelanos chegando à cidade de Pacaraima, RR, em 2002. Crédito: operação acolhida.