lAnalisar aspectos experimentais da obra musical do o artista Itamar Assumpção e os desafios que ele enfrentou na cena independente da música brasileira, como integrante do movimento cultural conhecido como Vanguarda Paulistana, ocorrido em São Paulo no início dos anos oitenta. Este é o mote da tese “Itamar Assumpção e a Encruzilhada Urbana: negritude e experimentalismo na Vanguarda Paulista”, desenvolvida pela pesquisadora e doutora pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp em Franca, Rosa Aparecida do Couto Silva.
Segundo a autora, que integra o Grupo de Estudos Culturais da Unesp, os artistas ligados à Vanguarda Paulistana assumiram uma posição crítica e criativa frente às imposições do mercado musical. No caso de Itamar Assumpção, outros elementos constitutivos de sua obra, em especial aqueles associados à música e à cultura negras, se chocavam com o cenário da época. Para conduzir a pesquisa, Rosa do Couto e Silva procurou se calcar nos álbuns de estúdio lançados durante a carreira de Itamar Assumpção. São eles: “ Beleléu Leléu Eu”, “Sampa Midnight”, “Intercontinental! Quem Diria! Era Só o que Faltava!”, “Bicho de 7 cabeças” volumes I, II e III, “Ataulfo Alves por Itamar Assumpção – Para Sempre agora” e “Pretobrás – por que eu não pensei nisso antes?”.
Rosa diz que, partindo desse material, “o estudo procura demonstrar como a negritude e as referências culturais afrobrasileiras são utilizadas de maneira inovadora, a fim de construir uma linguagem musical específica”. “O trabalho elucida as relações intrínsecas entre o racismo institucional e sistêmico e o mercado musical, com base no reforço de estereótipos negativos impostos aos afro-brasileiros que impactam diretamente a obra do Itamar”, diz.
A perspectiva da pesquisa destaca o fato de que Itamar era um músico incomum que buscava trabalhar fora dos estereótipos artísticos que o mercado espera da grande maioria dos artistas. Suas influências passavam por nuances tradicionais e por artistas inovadores, incluindo Arrigo Barnabé (que estava mais próximo da música erudita), Roberto Carlos, flertes com o rock, o samba e até manifestações culturais negras e religiosidades que formaram sua educação. Ao mesmo tempo, Itamar tinha consciência do poder do mercado para agir no sentido de padronizar e amenizar as possibilidades de radicalização da sua música.
“O Itamar tentou preservar sua autonomia intelectual como artista. Em especial, numa época que ocorria uma transição no mercado fonográfico, dentro de uma cena onde foi possível pensar o novo dentro da música. Mas tudo “às próprias custas”, como ele mesmo dizia. Ou seja, o artista que juntava dinheiro para gravar os próprios discos, conquistava o público na raça e não pagava jabá. Era uma guerrilha musical”, relata a pesquisadora.
Logo após a conclusão de sua tese na Unesp, Rosa teve a oportunidade de fazer parte da curadoria que elaborou o “Museu Virtual Itamar Assumpção”. O site é o primeiro museu dedicado a um artista negro no Brasil.
Lançado oficialmente em 20 de novembro de 2020, o museu reúne obras, acervo e memórias das várias facetas artísticas do Itamar que passam pela suas atuações como cantor, compositor, escritor, instrumentista, ator e produtor. Com tradução para o Iorubá, o espaço virtual conta com mais de 2 mil itens e aborda também a memória preta de um dos principais nomes da cultura brasileira, em intervenção com outras memórias pretas da diáspora. Além das mostras, a instituição dedica um espaço a uma de suas filhas e a interseccionalidade entre pessoas que se dedicaram a produzir trabalhos acerca das religiões de matriz africana: a Sala Serena (Assumpção).
“Tive a grande satisfação de fazer parte da equipe na elaboração de parte deste trabalho como uma das curadoras da exposição mais longa relacionada ao museu. O grupo foi formado por quatro pessoas de diferentes especialidades e organizou um bom trabalho. Tem muitas fotografias, documentos e discografia completa”. A equipe de curadoria contou também com a filha de Itamar, Anelis Assumpção, no cargo de diretora geral, além de Frederico Teixeira e Ana Maria Gonçalves.
Embasada por sua longa pesquisa, Rosa acredita que, dentro do panorama da música brasileira, a obra de Itamar representa um ponto de tensão. Ou seja, um ponto de tensão artístico num período social, político e artístico no Brasil, mas que merece ser observado em vários momentos, inclusive nos dias atuais. “É um artista provocador, desestabilizador de padrões artísticos que exige reflexão sobre o que sua obra pode trazer para nossa sociedade”.
Confira a entrevista no Podcast Unesp clicando o link abaixo, e aproveite para visitar o Museu Virtual Itamar Assumpção.
Foto acima: Itamar Assumpção durante apresentação na Europa com os violonistas do Duofel, em 1988. Crédito: Museu Itamar Assumpção.