Ao visitar uma escola pública no município de Rosana, o docente e vice-diretor do câmpus da Unesp na cidade Fábio Luciano Violin se deparou com um enorme galpão atulhado com restos de ferro. Era material remanescente de móveis e objetos que, após terem se desgastado e degradado, haviam sido recolhidos ali. Violin indagou aos funcionários da escola qual costumava ser o destino daquele entulho. Os funcionários esclareceram que os custos impediam que se encaminhasse o mobiliário estragado a profissionais capazes de recuperá-lo. “Às vezes uma parte é doada para o ferro-velho”, responderam. Mas o restante permanecia guardado lá; produtos nos quais se havia investido recursos para atender aos alunos, mas que agora se decompunham em virtude do tempo uso e do desgaste natural.
“Me chamou a atenção o fato de que, por falta de recursos, não se fazia a reposição daquele mobiliário”, diz o docente. Nasceu daí a ideia de ensinar aos alunos de escolas públicas e particulares da cidade de Rosana os meios e processos para produzir móveis a partir de materiais descartados ou coletados no lixo – e, através deste aprendizado, transmitir aos jovens conceitos fundamentais de empreendedorismo, sustentabilidade e economia solidária.
Trabalhando na cidade há 11 anos, Violin já conhece bem os desafios enfrentados por muitos estudantes do ensino médio, que incluem baixa renda familiar, falta de perspectiva profissional e desinteresse em cursar universidade. “É uma região carente”, diz. Em 2019, o professor concebeu o projeto Educapet, que atua nas escolas como ponte para aproximar a Unesp da comunidade de Rosana.
Projeto oferece disciplina a estudantes de ensino médio
O Educapet é um dos vários projetos do Programa de Educação Tutorial Grupo Pet Turismo, criado em 2012. As atividades se iniciaram em 2019, na forma de disciplinas eletivas oferecidas aos estudantes como parte do currículo do Novo Ensino Médio. Pelos bancos do projeto já passaram cerca de 130 alunos.
Em suas atividades com estudantes de graduação da Unesp, Violin já empregava materiais descartados e recicláveis, como bancos de papel e fios de garrafa Pet. Foi essa expertise que trouxe para o novo projeto, formatado para alunos de ensino médio. “Busquei uma ideia que fosse útil pra comunidade, barata e me permitisse a possibilidade de interagir com as pessoas”, explica. A proposta foi ensinar os estudantes que cursavam a disciplina a confeccionarem uma variedade de peças de decoração empregando um material de construção feito à base de fibras de papel, cimento e areia chamado papercrete.
Pouco conhecido no Brasil, o papercrete é utilizado em alguns países para a construção de casas e no caso brasileiro servirá para trazer de novo a uso escrivaninhas, bancos e portas. O processo de produção do papercrete tem início com a coleta de papéis descartados no ambiente da Universidade. Eles são processados e, na etapa seguinte, incorporados ao traço de concreto, cuja composição envolve 70% de lixo e 30% de materiais não utilizados antes, como pedra e areia, que são coletados em construções da cidade mediante doação. O único material que precisa ser adquirido é o cimento, uma vez que os moldes são feitos com restos de madeira. Até a água que é incorporada ao processo passa por um processo de filtragem para ser usada novamente.
Desde 2019, os estudantes já produziram entre noventa a cem peças pequenas. Na segunda etapa do projeto, a fase de testes permitiu a recuperação de sete peças maiores de mobiliário escolar, incluindo escrivaninhas, bancos e cadeiras. Entremeadas ao processo de ensino de uso do material e da confecção das peças, o docente aborda as temáticas do empreendedorismo e da sustentabilidade, e apresenta opções de carreira aos alunos das escolas.
Empreendedorismo sob outra ótica
“O empreendedorismo não é apresentado no sentido de estimulá-los a abrir empresas ou a acumularem capital”, diz Violin. “A finalidade é estimular nos alunos o senso de protagonismo. Mostrar como, quando se tem conhecimento, pode-se dar um novo uso para materiais antigos, por exemplo. Ou seja, com alguma pesquisa, é encontrar soluções que impactem positivamente sua comunidade.”
A pandemia de covid-19 fez com que os encontros com os estudantes do Educapet cessassem temporariamente, e o foco se transferisse para a produção de material teórico. A expectativa é que, com a volta dos alunos à sala de aula, o projeto seja retomado a partir do segundo semestre de 2022, e com a previsão de expandir o número de integrantes. “Achei bem interessante quando ele apresentou o projeto, e explicou que íamos usar um material sustentável. Depois, como parte da disciplina, estudantes da Unesp vieram a nossa escola para falar e conversaram bastante sobre o curso e as possibilidades que ele oferece.” conta a estudante Thalyne Fernanda, aluna do terceiro ano do ensino médio que está cursando a disciplina eletiva pela segunda vez.
Para a próxima fase, os planos incluem, além da produção de mobiliário e peças, a entrega de encartes informativos para outros projetos em desenvolvimento tocados por docentes da Unesp, como as ações no Balneário Municipal de Rosana. Essa última iniciativa terá como alvo os turistas que costumam visitar a atração.
“Queremos trazer as escolas para um trabalho de melhorias para o espaço público, a partir de material doado. Sempre com um conceito de sustentabilidade e alteração da realidade a partir da ação individual e coletiva. Mostrar às crianças que se, elas podem mudar este aspecto da realidade, por que não conseguiriam transformar outros? Isso depende de como cada um vê o mundo. É assim que ensino o empreendedorismo: a capacidade de enxergar o mundo com os olhos de gerar soluções”, diz o docente.
Foto acima: estudantes de escola em Rosana durante atividades da disciplina. Crédito: arquivo pessoal