Pesquisadores da Unesp participam de sequenciamento de genoma de alga marinha

Estudo faz parte de grande levantamento de genomas de algas tropicais e da Antártica, e sairá na capa da próxima edição da revista científica Journal of Phycology, publicação referência nos estudos sobre algas.

Presente em todo o litoral brasileiro e conhecida por seu grande potencial econômico, a tradicional alga vermelha Gracilaria domingensis teve, pela primeira vez, seu genoma integralmente sequenciado. O trabalho, que contou com a participação de pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unesp, em Araraquara, foi publicado on-line na revista científica internacional Journal of Phycology, e será apresentado na capa da sua próxima edição. O estudo envolveu também colaboradores da USP, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), do Instituto de Botânica (IBt) do Estado de São Paulo, da Universidade do Chile, da Universidade Sorbonne e da Estação Biológica Roscoff, estas duas últimas ligadas à França. A Gracilaria domingensis, que para este estudo foi coletada no Estado do Rio Grande do Norte, é a primeira alga vermelha do Atlântico Sul a ter seu genoma completo sequenciado. A pesquisa levou cerca de seis anos para ser concluída. 

O genoma abriga todas as informações moleculares sobre uma espécie. O acesso ao conhecimento do genoma da Gracilaria domingensis  é um passo importante para a eventual identificação de substâncias de interesse tecnológico e comercial, além de ampliar o entendimento sobre como esses compostos são “fabricados” pela planta: “Obter o genoma completo da alga é como ter acesso a um grande livro de receitas que nos revela como ela produz determinados compostos. E quando sabemos a receita de algo, conseguimos modificá-lo para que fique ainda melhor e possamos aproveitá-lo de forma mais eficiente, visando uma aplicação que seja de interesse”, explica a professora Márcia Graminha da FCF, uma das autoras da pesquisa. 

Uma das possibilidades suscitadas pela descrição do genoma da Gracilaria pode ser, por exemplo, a produção de novos protetores solares a partir de substâncias encontradas na planta: “Essas algas estão constantemente expostas ao Sol. Por isso, produzem uma série de compostos para se proteger da radiação. Sabendo qual é a receita para que essa produção ocorra, poderíamos adaptá-la para ampliar a concentração dessas moléculas e utilizá-las na composição de um possível filtro solar. É totalmente viável cultivarmos essas algas no laboratório e ‘domesticá-las’ para que fabriquem substâncias de interesse da indústria, seja para uso em cosméticos, medicamentos ou até mesmo em aplicações culinárias”, completa a docente da Unesp. 

Durante o sequenciamento da alga, os cientistas identificaram 11.437 genes, dos quais 36% até então eram desconhecidos, além de 1.567 RNAs. Agora, essas informações serão disponibilizadas em bancos de dados públicos para que pesquisadores de todo o mundo tenham acesso e possam ampliar o conhecimento acerca da planta, abrindo caminho para novas descobertas.  

Encontrada por toda a extensão litorânea das Américas Central e do Sul, a Gracilaria domingensis possui grande potencial econômico, já que pode ser explorada do ponto de vista alimentício (no uso na culinária japonesa, por exemplo), na busca por princípios ativos anti-envelhecimento e também para o estudo de substâncias que podem ser aproveitadas na área farmacológica, como na descoberta de novos candidatos a fármacos, por exemplo. Produtos oriundos de algas já são utilizados em diferentes vertentes pelo mundo e movimentam bilhões de dólares anualmente. “Temos populações que moram no litoral e que poderiam se beneficiar dessas algas em algum momento, passando a cultivá-las, por exemplo. Diante de tudo isso, posso afirmar que esse projeto não se trata apenas de ciência básica, pois há vários outros desdobramentos envolvidos, tanto sociais como econômicos”, afirma Graminha. 

 

Do Brasil à Antártica

A pesquisa desenvolvida faz parte de um grande projeto temático financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), batizado de Biodiversidade e prospecção de algas de águas tropicais e da Antártica marítima. Um dos objetivos da iniciativa, que conta com apoio do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), é justamente gerar um banco de dados sobre a diversidade de macroalgas de regiões tropicais e dos ambientes antárticos. Para isso, o projeto conta com a participação de diversas universidades e instituições de pesquisa, envolvendo cientistas de várias áreas do conhecimento, como química, biologia, ciências farmacêuticas, engenharia, entre outras. 

Após uma das expedições realizadas à Antártica, o grupo da FCF se tornou a primeira equipe de cientistas a identificar na alga marrom Ascoseira mirabilis substâncias com potencial anti-Leishmania (parasita causador da leishmaniose), a partir de testes realizados in vitro (com células). Ainda como resultado da viagem ao “continente congelado”, os pesquisadores da Unesp relataram outros compostos que também apresentaram, no laboratório, atividade contra o parasita. Neste caso, são moléculas produzidas pela alga Himantothallus grandifolius. Curiosamente, algumas dessas substâncias encontradas nas duas plantas da Antártica são semelhantes a compostos identificados na Gracilaria domingensis. A informação chamou a atenção dos cientistas, pois caso os estudos comprovem futuramente que as moléculas da alga vermelha também possuem atividade anti-Leishmania, seria possível obtê-las sem precisar viajar para outro continente. 

“Certamente, essas descobertas correspondem ao início de uma grande caminhada, que vai desde a identificação de substâncias com propriedades terapêuticas até o produto chegar na prateleira das farmácias. Isso pode levar muitos anos. Mas, sem dúvida, esse tipo de resultado mostra a importância de se conhecer o genoma de um organismo e saber as “receitas” para a síntese de moléculas que poderão ser exploradas na produção de substâncias naturais com potencial farmacológico”, explica Graminha. 

Segundo a docente, para que todas as pesquisas tenham continuidade e alcancem novos resultados, a manutenção de investimentos em ciência é fundamental: “A partir do estudo com a Gracilaria domingensis,  pretendemos obter as receitas que alga utiliza para produzir as substâncias que sabidamente são bioativas e podem ter atividade anti-Leishmania. Porém, para que os estudos prossigam e possamos, eventualmente, testar esses compostos em células e camundongos, precisamos de investimento. Infelizmente, nosso projeto segue apenas até 2024. Não sabemos se será possível continuar. O cenário é promissor, a diversidade algal é fantástica, nosso litoral é imenso, mas precisamos de mais incentivos para financiar nossas pesquisas e bolsas de estudos para formar mais recursos humanos. Ideias não faltam, porém não sabemos se elas poderão ser executadas”, finaliza a professora.

Foto acima: a Gracilaria domingensis. Crédito: eliane Marinho Soriano.