Uma década para transformar o mundo

Criação de grupo de trabalho vai ajudar Unesp a encontrar novos caminhos para implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável nas diversas esferas de atividade da comunidade universitária.

Pensar os caminhos e possibilidades para engajar a Unesp no movimento de construção de uma sociedade global mais justa e mais sustentável, através da adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS ) das Nações Unidas como referência para as diversas atividades e papéis desempenhados pela universidade. Esta é a proposta do grupo de trabalho Unesp 2030, que realizou sua primeira apresentação pública no dia 4 de maio passado. Intitulado “Uma década para transformar o mundo”, o evento foi realizado no edifício da Reitoria, por iniciativa da Pró-Reitoria de Extensão Universitária, e contou com transmissão pela internet.

Na entrevista a seguir, a coordenadora do Unesp 2030, a professora Raquel Cabral, da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design da Unesp, campus de Bauru, fala sobre a motivação para a criação do grupo de trabalho e as muitas formas como cada um dos 17 ODS (veja arte abaixo) pode ser incorporado nas diferentes esferas de atividade da Unesp.

O que é a Agenda 2030?

Raquel Cabral: A Agenda 2030, da ONU, é uma grande agenda de governança global pautada no conceito de desenvolvimento sustentável das sociedades humanas e ecossistemas ambientais representado nos ODS e em torno dos cinco “P” (Pessoas, Planeta, Paz, Parcerias e Prosperidade). Ela representa a continuidade dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que na virada do século envolveram diversas nações, instituições públicas multilaterais e organizações da sociedade civil em debates sobre desenvolvimento global sustentável. A Agenda 2030 foi apresentada em 2015 e está pautada em dezessete objetivos, chamados de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ou ODS, que devem ser alcançados até o ano de 2030. Cada ODS possui metas e indicadores, são 169 metas no total. Por isso, a Agenda se torna também um instrumento metodológico importante para guiar o avanço de ações e políticas públicas voltadas para o desenvolvimento sustentável, que só é possível se nossas sociedades avançarem em ações concretas nas dimensões econômica, ambiental e social que possam garantir a viabilidade da vida neste planeta. 

Sabemos que várias dessas ações podem ser potencializadas a partir da economia, mas também a dimensão ambiental é essencial. Porque, para pensar o desenvolvimento sustentável, precisamos também olhar para as dinâmicas que envolvem os ecossistemas planetários, a relação com o meio ambiente e, finalmente, a esfera do social. Uma das grandes pautas da Agenda 2030 é “não deixar ninguém para trás”. A questão social é extremamente importante no sentido de buscar a inclusão de todos os grupos sociais, compreendendo as demandas ligadas às questões interseccionais, como gênero, étnico-raciais e classe, que requerem respostas complexas e articuladas com as demais dimensões econômica e ambiental. Ou seja, compreender a Agenda 2030 é também entender o delicado equilíbrio e a interdependência da vida em sociedade com os ecossistemas que sustentam a vida em nosso planeta.

Por que  essa Agenda foi criada?

Raquel Cabral: Como comentado anteriormente, essa Agenda nasce a partir dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que foram chamados de ODM. Os ODM dialogavam com várias discussões travadas durante as conferências mundiais sobre meio ambiente organizadas pela Organização das Nações Unidas. Aconteceram várias conferências mundiais que trataram da questão ambiental, como a Conferência Rio 92 e a Rio+20, em 2012. Mas, com o tempo, entendeu-se que determinadas temáticas ambientais, como o aquecimento global, a mudança climática ou a contaminação dos solos e das águas, estavam diretamente inter-relacionadas com questões sociais, econômicas e políticas. E se constatou que a resolução desses problemas não poderia se dar de forma isolada.

Por exemplo, sabemos que a poluição e a contaminação dos solos e das águas não afetam isoladamente um único país, porque a natureza não conhece fronteiras nacionais. Então, quando se debatem questões tão complexas como a poluição de solos e águas ou mesmo o intenso drama humano vivido com as migrações forçadas em várias partes do mundo, estamos falando de problemáticas que vão envolver diversos atores e instituições para a busca de soluções alternativas para a transformação desses conflitos.

Esta Agenda é fruto do consenso entre vários Estados. São 193 países-membros da ONU que chegaram a um entendimento de que esses objetivos poderiam atender às principais demandas atuais globais. Porém, sabemos que esta não é a última Agenda. À medida que o conhecimento sobre os ODS se amplia, mais interlocução com os diferentes grupos e movimentos sociais, políticos, além dos Estados, instituições públicas e privadas se intensifica. Isso é muito positivo para o avanço das metas propostas pela Agenda 2030, pois quanto mais envolvimento da sociedade, mais perspectiva de ampliação de seu conhecimento e implementação. Portanto, esta iniciativa representa na verdade um esforço coletivo global, que envolve diferentes culturas, diferentes realidades econômicas e sociopolíticas. Ela é fruto do debate democrático entre culturas muito diferentes e, também, de negociações que resultaram nesses objetivos, pensados pela necessidade de avançarmos, enquanto sociedades humanas, em direção ao desenvolvimento sustentável.

Como os países têm se posicionado diante dessa agenda? Esse tema não costuma aparecer no noticiário, seja nacional ou internacional.

Raquel Cabral: É importante lembrar que a Agenda 2030 é um pacto entre cento e noventa e três Estados signatários. Todos assinaram o compromisso de implementá-la. O Brasil é um signatário. Como se trata de um pacto, há responsabilidades que envolvem a ação desses Estados com relação à sua implementação e execução das ações para atingir os ODS.

Por outro lado, a Agenda 2030 também pode ser compreendida como uma metodologia de trabalho, porque oferece instrumentos precisos, como objetivos, metas e indicadores que colaboram para guiar as ações rumo à consecução dos ODS. Isso a torna um instrumento muito interessante para quem planeja políticas públicas, por exemplo. Ou mesmo para pensar em ações em universidades ou instituições privadas. Ela oferece orientação, permite que se pense estrategicamente em relação às ações que devem ser empreendidas durante um período de tempo para atingir um objetivo, no caso, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável. Então, nesse sentido ela é extremamente estratégica. Porém, requer responsabilidade dos atores envolvidos. E, infelizmente, no caso do Brasil não temos visto um compromisso por parte do governo federal com relação à implementação desta Agenda.

Em governos anteriores, existiu até uma Comissão Nacional dos ODS (CNODS) que se dedicava à implementação da Agenda 2030 no Brasil. A Comissão foi extinta em 2019. Desde então, de fato, não temos visto, na esfera federal, uma atuação sistemática comprometida com o avanço da Agenda em nosso território. Até porque sabemos que algumas pautas temáticas da Agenda se chocam com certos princípios da agenda política da atual gestão federal, como a questão ambiental, por exemplo.

Porém, estamos vendo um grande protagonismo dos governos subnacionais, como as administrações estaduais e municipais. Temos algumas iniciativas muito interessantes, muito articuladas com a implementação dos ODS. É o caso de São Paulo, que criou a Comissão Estadual para os ODS ligada diretamente à Casa Civil do governo estadual de São Paulo. Esta Comissão tem atuado desde 2016 na implementação da Agenda no estado em diálogo com os municípios. Também há exemplos semelhantes no governo estadual do Paraná, em alguns estados do Nordeste do país…. Enfim, a Agenda não é exclusividade de nenhum governo ou instituição. Ela pode ser adotada por qualquer instituição. Inclusive por universidades, como é o caso agora da Unesp, que tem um compromisso com o território paulista por suas características como universidade multicâmpus presente em 24 municípios do estado de São Paulo. Portanto, seu impacto na territorialização dos ODS pode ser muito significativo para a transformação social da realidade paulista.

E é importante que a Agenda seja encarada como uma política institucional por parte de governos, organizações públicas ou privadas e universidades, para que de fato possa ser implementada. E neste sentido de institucionalização temos visto essa movimentação por parte de governos estaduais, municipais e empresas.

No caso das empresas privadas, temos a iniciativa do Pacto Global, uma iniciativa da própria Organização das Nações Unidas, voltada especificamente para trabalhar com o engajamento de empresas privadas, mas também conta com o envolvimento de organizações públicas e do terceiro setor na adoção da Agenda 2030 e no avanço em direção aos ODS. Ou seja, existem diversas ações estratégicas que estão sendo coordenadas pela Organização das Nações Unidas, para facilitar que a agenda possa ser implementada por qualquer organização. Mas vai depender realmente do compromisso e do engajamento desses atores sociais.

Por que a Unesp está criando esse grupo de trabalho agora?

Raquel Cabral: Do ponto de vista da comunicação e do engajamento político, a Organização das Nações Unidas entendeu que era necessária uma grande mobilização da sociedade civil para promover o avanço da Agenda. A partir de 2021 teve início uma grande campanha de comunicação estratégica da própria ONU, que denominou o período até 2030 de década da ação para implementação da Agenda 2030. A proposta é acelerar as mudanças e transformar o mundo em dez anos.

Porém, sabemos que esses dois anos de pandemia impactaram fortemente o avanço da Agenda no mundo todo. Diversos indicadores dos objetivos retrocederam, especialmente no Brasil. Foi o caso do ODS3, por exemplo, relacionado à questão da saúde, e do ODS 4, que trata da educação de qualidade; além do ODS 5 sobre Igualdade de Gênero, tendo em vista o aumento da violência contra mulheres e meninas traduzida em abuso físico, sexual e moral, e desigualdade nas condições de acesso à educação e trabalho. Sabemos o quanto as instituições de ensino no mundo todo sentiram os efeitos da pandemia. A iniciativa privada também foi atingida, inclusive em aspectos como geração de renda e de emprego, houve a intensificação das desigualdades sociais.

Há mais ou menos um ano, nosso grupo de trabalho, sensibilizado por essas questões, vem se reunindo virtualmente, realizando algumas discussões. Inicialmente, reunimos pesquisadores que já trabalhavam com a Agenda em seus projetos de pesquisa ou mesmo de extensão universitária. Diante desse quadro global de retrocessos dos ODS, o grupo entendeu que era necessário nos mobilizarmos. E recebemos o apoio da Pró-Reitoria de Extensão Universitária e Cultura (PROEC) e do professor Raul Guimarães. Ele nos convidou para pensarmos ações estratégicas de maneira a potencializar o avanço da Agenda 2030 a partir da Unesp.

Passamos a nos reunir para pensarmos em um projeto comum que pudesse atender às demandas da Unesp, articulando as ações de ensino, pesquisa, extensão e gestão e as demandas da universidade em diálogo com os problemas atuais que estamos enfrentando neste pós-pandemia. E aí, felizmente, encontramos vários colegas que já trabalhavam com a Agenda há bastante tempo, e que estavam mobilizados para nos ajudar e nos apoiar nesta ação. Ao mesmo tempo, contamos com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura para, através da extensão universitária, propormos uma articulação que alcance todas as demais pró-reitorias da universidade, pois entendemos que o avanço dos ODS só é possível mediante um trabalho efetivamente articulado e coletivo.

Por isso, convidamos todas as Pró-Reitorias, além da Assessoria de Relações Exteriores (AREX) e também a Assessoria de Comunicação e Imprensa (ACI) para integrar o Grupo de Trabalho. Nós entendemos que, para avançarmos, não basta pensar isoladamente. A Agenda 2030 é uma construção coletiva, e só terá perspectiva de sucesso se for implementada de fato de forma articulada. O avanço da Agenda para o desenvolvimento sustentável não é exclusividade de uma única área de conhecimento. Nós necessitamos dialogar com todo mundo, com toda a universidade. Inclusive, estamos abertos para sugestões, consultas ou outras questões pertinentes ao grupo através do e-mail agenda2030@unesp.br.

Já há alguma ideia quanto à forma como os ODS poderiam ser formalmente introduzidos no escopo das atividades da Universidade?

Raquel Cabral: Somos um grupo de trabalho, isto é, uma instância consultiva e de recomendação de ações. Portanto, pretendemos propor ações e projetos que visam a articulação entre as dimensões do ensino, pesquisa, extensão e gestão universitária para avançarmos com os ODS, mas sempre em diálogo com os colegiados e atores envolvidos. A dimensão da extensão e da pesquisa já tem se pautado pela Agenda 2030 há mais tempo em nossa universidade. No entanto, nossa intenção é também envolver outras dimensões. Temos em nosso grupo de trabalho representantes de todas as pró-reitorias, inclusive, da Pró-Reitoria de Graduação. Por conta da legislação decorrente do Plano Nacional de Educação, passa a ser obrigatório, a partir de 2023, que 10% da carga horária dos cursos de graduação das instituições de ensino superior de todo o Brasil sejam destinadas para ações de extensão. Sabemos que, por conta disso, muitos cursos reformularam os seus projetos político-pedagógicos (PPP) e incluíram a Agenda 2030 como uma diretriz para essas ações extensionistas no âmbito da graduação. Então, acreditamos que a partir de 2023 haverá uma mudança de cultura na graduação de nossa universidade, voltada para a Agenda 2030.

Ainda nessa direção, cabe destacar que em 2020 foi publicado o GUIA AGENDA 2030: Integrando ODS, Educação e Sociedade,  um material produzido em parceria entre a Unesp e a Universidade de Brasília (UnB) e que tem como objetivo apresentar propostas de articulação entre ensino, pesquisa, extensão e gestão universitária a fim de colaborar com o processo de orientação e proposição de estratégias para as instituições de ensino. No guia são apresentadas algumas diretrizes e exemplos de boas práticas para o avanço da Agenda 2030, inclusive mediante a proposta de reimaginação da Agenda a partir da realidade brasileira e dos povos do Sul Global resultando em três novos ODS: ODS 18 – Igualdade Racial; ODS 19 – Cultura, Arte e Comunicação; e ODS 20 – Direitos dos Povos Originários e Comunidades Tradicionais. Trata-se de uma importante contribuição da Unesp para o debate, uma vez que, como dito, a Agenda 2030 é uma construção coletiva das diversas sociedades e realidades humanas na busca do equilíbrio e da viabilidade da vida no planeta, e não será a última.

Na extensão já se trabalha com os ODS há mais tempo. Os coordenadores de projetos de extensão da Unesp, toda vez que precisam cadastrar um novo projeto, devem indicar quais os ODS que pretendem desenvolver com aquela iniciativa. E no âmbito da pós-graduação e da pesquisa também já temos expertise, como no caso do programa CAPES Print, no qual a Unesp é referência. Isso mostra a relevância de se pensar em projetos de extensão e de pesquisa alinhados com os ODS. Esta pauta inclusive tem sido valorizada por instituições e agências de fomento à pesquisa, como também a Fapesp.

Então entendemos que é uma tendência. E, por ser uma tendência, nos próximos anos a Universidade naturalmente vai começar a olhar e buscar maneiras diferentes de articular essas ações dentro das atividades de ensino, pesquisa, extensão e gestão. Não como norma imposta; nosso GT não tem intenção de estabelecer regras, normas, indicadores para obrigar a implementação de ações. A nossa proposta é estabelecer de fato um diálogo contínuo com a universidade, compreendendo as possibilidades de articulação e parcerias, para que a gente consiga avançar nesta Agenda “não deixando ninguém para trás”, e cumprindo assim a função social de uma universidade pública do Sul Global impactando o território, portanto, temos um compromisso com a transformação de nossas sociedades.