Há uma década falecia o geógrafo e professor da Universidade de São Paulo Aziz Nacib Ab´Sáber, aos 87 anos de idade. Grandalhão, a sua voz grave e carregada de sotaque do vale do Paraíba, onde nasceu, em 1924, não comprometia a doçura das palavras e o jeito terno e cuidadoso de explicar processos e fenômenos geofísicos e ecológicos de indiscutível complexidade e pelos quais ele trafegava com tranquilidade e alegre desenvoltura. Os últimos anos de sua vida foram dedicados a uma intensa atividade de divulgação científica em artigos, palestras e debates. As questões ambientais, a Amazônia, a formação crítica e atuante dos profissionais, a ação da comunidade universitária e das instituições técnicas, científicas e culturais, além de iniciativas particulares, como a criação de bibliotecas na periferia paulistana, foram suas preocupações frequentes, ditadas pela realidade cotidiana da nossa sociedade.
Os desafios da adaptação dos portugueses ao Brasil
Aziz Ab’Sáber foi um dos autores a contribuírem com a História Geral da Civilização Brasileira, publicada em 1960 sob a direção do historiador Sérgio Buarque de Holanda. No capítulo “Fundamentos geográficos da história brasileira”, que integrou o primeiro volume, Aziz Ab’Sáber sublinhou o leque de problemas estruturais e cotidianos que os colonizadores portugueses, em sua dependência e inexperiência, enfrentaram para adaptarem-se diante do que chamou de “a tropicalidade marcante desse imenso território”.
Concebida dentro do modelo de quadros geográficos e das discussões sobre “a terra e a gente”, a interpretação do geógrafo trouxe estimulantes pontos de reflexão sobre as interações entre ambiente e sociedade na história da formação territorial e cultural do Brasil, desvendando a especificidade social e econômica da colonização de uma faixa territorial típica do mundo tropical.
O estudo que apresentou das paisagens tropicais e subtropicais e da “gigantesca obra quase quotidiana de adaptação” fornece pontos de partida para pensar e calibrar o conceito de Paisagem Cultural, incorporado ao debate patrimonial e formulações da UNESCO e do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) para a gestão ambiental e cultural no século 21.
As ponderações que Ab’Sáber apresenta no capítulo destacam o cuidado nas interpretações da aparente monotonia e homogeneidade dessa extensa massa territorial tropical. Sob ela, diz, há uma diversidade composta de sutis diferenças regionais nas formas de vida. Elas são perceptíveis, por exemplo, nas condições de insalubridade, como moléstias infecciosas e as chamadas “doenças tropicais”, e nas paisagens agrárias, dado as deficiências calcárias dos solos.
Seja no interior da Amazônia, na zona costeira, no vale do rio São Francisco, nos planaltos paulista e curitibano, no Pantanal, nos campos sulinos, nas caatingas e cerrados e nas respectivas zonas de transição entre esses grandes biomas, a efetiva ocupação humana dos distintos domínios paisagísticos teve que ser adaptada às condições imperantes. Os aparatos tecnológico e cultural dos séculos seguintes à colonização portuguesa vieram incrementar e consolidar o processo de ocupação territorial, marcando presença até os nossos dias.
O professor Aziz sempre defendeu a compatibilidade entre a promoção do desenvolvimento social e econômico e a preservação e proteção de paisagens e de áreas representativas dos diferentes “domínios de natureza”. Nesta equação, os conhecimentos, dados e informações, organizados e atualizados, os recursos tecnológicos e adequada qualificação de profissionais e de administradores, públicos e privados, formam um tripé no enfrentamento dos problemas e dos desafios na valorização da herança da natureza e do legado histórico da sociedade brasileira.
Passados dez anos de seu falecimento, as pesquisas e as recomendações do professor Aziz Ab’Sáber permanecem fecundas e atuais para a concepção de novas práticas de gestão do meio ambiente, a reconstrução do contrato social e a efetivação dos direitos humanos no pós-pandemia. Trata-se de ajustar o foco da questão ambiental no Brasil.
O desenvolvimento da questão ambiental
Em 2022 completa-se meio século de reuniões internacionais com interesse e atenção contínuas aos problemas ambientais, em escala mundial. A primeira Conferência Mundial realizada com este propósito aconteceu em 1972, sob o patrocínio da Organização das Nações Unidas, em Estocolmo. Desde então as condições de vida e de trabalho sob as incessantes transformações nos processos de produção e de consumo de alimentos, energia, habitação, lazer, comunicações e transportes estão em foco na agenda de debates quanto ao futuro das sociedades humanas e da vida no planeta. Novas conferências e balanços decenais ocorreram em 1992 (Rio 92), 2002 (Rio+10) e 2012 (Rio+20).
A poluição e a degradação dos ambientes habitados, ao lado das perdas de paisagens e de ecossistemas, foram alardeadas em 1972. Havia uma percepção comum e conjunta dessa ameaçadora situação. Passados cinquenta anos, as mudanças climáticas globais (MCG), a aceleração e intensidade de perdas irreparáveis na diversidade biológica e cultural, observadas em todas as regiões do globo, são a tônica dominante na agenda ambiental mundial.
O Brasil é membro ativo na comunidade das nações e uma presença atuante em várias instâncias internacionais de representação, cooperação técnica e tomada de decisões. Como uma das grandes economias modernas neste início do século, está dentro do quadro geral de responsabilidades políticas e das sociedades concretamente vitimadas pelos impactos provocados pelas MCG, diretos e indiretos, de curto e de longo prazo, e as perdas que elas ocasionam em sua enorme diversidade biológica tropical e subtropical. Nosso país inscreve-se, no presente e no futuro, como constantemente derrotado pela imprudência e a insustentabilidade de práticas econômicas, políticas e de bem-estar social.
Em um país com dimensões continentais e, predominantemente, urbano, é imperativo o enfrentamento das questões ambientais de escala planetária. Pelas mesmas razões – amplidão territorial e concentração urbana – as MCG e a presença da exuberante diversidade regional, biológica e cultural constituem, para a imensa maioria da população, realidades muito distantes, inacessíveis e inalcançáveis.
As características da nossa realidade biofísica nos fazem recordar as lições do professor Aziz Ab’Sáber. Não se pode pensar o meio ambiente, em qualquer escala, sem a devida atenção às suas peculiaridades intrínsecas. Aqui, agora, a herança da natureza e o legado histórico dos brasileiros, um inconfundível patrimônio natural e cultural. Passemos pois à escala nacional.
Não se pode pensar o meio ambiente, em qualquer escala, sem a devida atenção às suas peculiaridades intrínsecas. Aqui, agora, a herança da natureza e o legado histórico dos brasileiros, um inconfundível patrimônio natural e cultural.
No século 21 a realidade cotidiana da sociedade brasileira está marcada, na esfera ambiental, por três vértices. O primeiro incide diretamente sobre os corpos, corações e mentes da população mais pobre e vulnerável. Trata-se da necessidade de ampliação dos serviços de saneamento básico, rumo a sua universalização, ainda que tardia. Deles estão privados cerca de 50% da população brasileira. Pobreza, moradia precária, desemprego, baixa escolaridade, analfabetismo (funcional ou não) e enfermidades minam qualquer oportunidade de ruptura individual com essa condição social. O imediato da sobrevivência prevalece sobre as demais intenções, desejos e vontades. A fragilidade na organização e na mobilização políticas, agravada pela sistemática negação dos direitos básicos de cidadania e dos direitos humanos universais, contribui para a reiteração de um quadro macabro, exibido aos olhos de todos nós. Ali desfilam doenças de veiculação hídrica, insetos e animais peçonhentos, enchentes, condições sanitárias inadequadas e inúmeras privações que comprometem a saúde humana, de idosos e crianças, sobretudo, na faixa de zero a dois anos de idade.
O segundo vértice converge para a degradação das paisagens e dos ambientes habitados, expondo a população a riscos sanitários conhecidos e evitáveis. Trata-se da origem e destino da enorme quantidade de resíduos sólidos e não sólidos, dejetos orgânicos de origem residencial, lixo doméstico, efluentes industriais, gerados e despejados, todos os dias, invariavelmente, nas ruas, vias públicas, áreas verdes, rios, lagos e córregos das cidades, sejam pequenas, médias ou grandes, e nas gigantescas regiões metropolitanas. Esta massa de detritos é sistematicamente reunida e destinada aos lixões e aterros sanitários, distribuídos nas periferias urbanas e no entorno regional, muitas vezes localizados a dezenas de quilômetros de distância dos pontos de coleta. As práticas de reciclagem de materiais como peças e aparelhos eletrônicos, madeira, metal, papel, plástico, tecido natural e sintético e vidro são inexistentes ou pouco expressivas na superação do quadro vigente nos núcleos urbanos brasileiros. Há muita matéria orgânica proveniente da poda de árvores em ruas, praças, avenidas, parques, aparas de jardins, quintais, canteiros e áreas verdes.
São igualmente preocupantes os riscos potenciais, como a contaminação por materiais radioativos. Em Goiânia, em 1987, ocorreu o vazamento de césio 137 na desmontagem de um equipamento médico abandonado e manipulado inadvertidamente em um ferro-velho na área urbana. Sem a adequada fiscalização, destino, informação pública sobre riscos e segurança, o fato resultou em cinco mortes e sérios danos à saúde de dezenas de moradores.
A descarga de detritos da frota veicular nas cidades participa ativamente neste contínuo devorar de ambientes urbanos. Os materiais empregados nos componentes automotivos e as substâncias tóxicas presentes na queima de combustíveis e lubrificantes acumulam-se nos solos, águas e atmosfera urbana. São também gases que agravam o efeito estufa, agridem a camada de ozônio e resultam em chuvas ácidas, que despejam sobre os ecossistemas as partículas de poluentes suspensas no ar e retidas em telhados e edificações, contribuindo para o agravamento das MCG. Estes resíduos, altamente nocivos e longevos, são levados para os cursos d’água, afetando plantas, animais, microrganismos e, claro, a saúde humana.
A onipresença de veículos automotores nas cidades também gera extensos congestionamentos, lentidão na mobilidade urbana, atropelamentos, acidentes e colisões que elevam as estatísticas de mortes, feridos e mutilações no trânsito. Não é casual que os efeitos da poluição, as tensões e o estresse da vida diária nas áreas metropolitanas provoquem doenças respiratórias, cardiovasculares, angústia, ansiedade e depressão, invalidez, achatando as perspectivas e a qualidade de vida desde as últimas décadas do século passado.
O terceiro vértice da questão ambiental no Brasil está no consumo exagerado e irrestrito dos agrotóxicos em nossa agricultura. Nos últimos anos essa prática alcançou as áreas urbanas, com a adoção da chamada capina química por prefeituras, empresas, condomínios e residências. A permissividade da legislação e a pequena fiscalização na utilização de várias substâncias nas atividades agropecuárias – fungicidas, pesticidas, fertilizantes, rações, nutrientes – e no manejo de áreas verdes, urbanas e rurais, são acentuadas com a destinação, predominantemente inadequada, de resíduos e embalagens dos produtos. A contaminação por agentes químicos acontece no contato direto com a pele e os olhos, inalação e ingestão, ou seja, na própria interação com ambientes contaminados, águas, solos e atmosfera. Ocorre, de forma consciente e inconsciente, desde a aplicação sem as devidas precauções na segurança de agricultores e trabalhadores rurais, passando pelas pulverizações mecânicas e aéreas, em tratores e pequenos aviões, até o ingresso na cadeia alimentar de animais, plantas e, claro, dos seres humanos, quando alcança o fluxo interno da multidão de consumidores urbanos em alimentos processados e in natura.
A contaminação lenta e imperceptível provocada por insumos agroquímicos é implacável. Casos reiterados de atrofia muscular, câncer, mutações genéticas e hidrocefalia, por exemplo, são constatados tendo como fonte geradora a contaminação por substâncias de origens agrotóxicas.
Na compreensão dos vértices da questão ambiental brasileira, anteriormente mencionados, comparecem as orientações recomendadas por Aziz Ab’Sáber. Em 2005, o geógrafo sinalizou o potencial da educação científica amparada na operacionalidade de três conceitos amplamente interdisciplinares. Foram eles: cultura, ecossistema e metabolismo urbano. Vale lembrar que o alcance desses conceitos contempla adequadamente também aquele que é considerado o quarto vértice da nossa questão ambiental, não abordado aqui. Trata-se do significado das perdas e da promoção da biodiversidade tropical e subtropical.
Pensamento e ação
A extensão e a gravidade de fatos averiguados nos três vértices da questão ambiental no Brasil de hoje apontam que, para além da consciência ambiental, a reação social – hábitos, valores, atitudes – e a ação política precisam tornar-se mais prudentes e eficientes no enfrentamento dos problemas que afetam os ecossistemas e que comparecem decisivamente nas dinâmicas do metabolismo urbano das cidades e metrópoles brasileiras. A promoção da consciência ingênua em consciência crítica – nos termos de Gramsci, Paulo Freire e outros – segue imperativa, mas é insuficiente para tornar efetiva a cidadania, a democracia, os direitos humanos e a reforma social no Brasil. Não basta ler o mundo e as palavras, é preciso transformá-lo, diante da persistência da exploração e da opressão social que tornam a expropriação da natureza e a espoliação do trabalho fenômenos de longa e cruel duração histórica e obstáculos a qualquer projeto de emancipação humana, de liberdade e igualdade, de fato e de direito. Distribuição de renda, terra, cultura e poder são passos essenciais.
Estas condutas sociais e políticas mostraram-se perfeitamente possíveis, viáveis e potencialmente ativas. Nos últimos cinco anos a crise ambiental tornou-se mais aguda e visível pelo abandono tanto de políticas públicas de meio ambiente federais, estaduais e municipais, quanto daquelas voltadas para a redução da pobreza, fome e exclusão social. Outra vez, a alienação, a espoliação e a opressão sistemática penalizaram duramente os segmentos mais vulneráveis em momentos de crise econômica. Estas condições foram agravadas com a pandemia de Covid-19, o misticismo e o obscurantismo intelectual e científico, que aprofundaram a violência estatal e social. A sociedade brasileira parecia ter ficado só.
Não estava. Houve inédita reação social, diante da inação e displicência do governo federal e dos efeitos devastadores que convergiram na crise ambiental, sanitária e social que distingue o atual momento. O foco da ação escorreu da esfera federal para a atuação objetiva, articulada e pertinente em iniciativas de alguns gestores, conselhos, governantes, poderes Judiciário e Legislativo, estaduais e municipais.
Movimentos sociais, sindicatos, associações, universidades, órgãos técnicos, ONGs, imprensa, artistas, juízes em várias instâncias, advogados, lideranças científicas, culturais e religiosas, mobilizaram-se pela vida da população em geral. Particularmente, pela vida de idosos, de órfãos da pandemia, dos povos indígenas, de moradores de rua, dos refugiados estrangeiros, das vítimas de enchentes e deslizamentos em áreas urbanas, de animais domésticos perdidos e abandonados. Indiscutivelmente exitosa foi mobilização operacional do Sistema Único de Saúde (SUS), na ação de gestores, médicos, enfermeiros, técnicos, agentes comunitários de saúde e dos próprios usuários. O reconhecimento que o SUS recebeu por parte da população foi comovente, massivo e imediato.
É preciso olhar fixamente nos olhos da tragédia ambiental e social brasileira. Elas são os dois lados da mesma moeda, compõem uma crise só. Somente assim elas serão esconjuradas e superadas. Ao analfabetismo histórico-sociológico reinante no senso comum, fruto do desejo da destruição sistemática da educação pública, do ensino fundamental à pós-graduação, é preciso contrapor a centralidade das artes, literatura e humanidades na educação formal e não formal, na vida cotidiana, no lazer e na política. Recuperar aquilo que Anísio Teixeira, ex-reitor da Universidade do Distrito Federal e ministro da Educação, no governo de Juscelino Kubitschek, considerava a essência permanente na educação escolar, as artes e a filosofia. O sentido da prática e da teoria, do saber e do fazer, pensamento e ação, a criatividade e a imaginação inventiva de todo e qualquer ser humano, na construção de uma sociedade capaz de conduzir suas escolhas existenciais e civilizacionais, em consonância com as necessidades e as possibilidades de seu tempo e de seu país.
As humanidades ambientais: cultura e meio ambiente são inseparáveis
Não é casual que tenha surgido, com impacto desconcertante e provocativo, um conjunto articulado de manifestações individuais e coletivas, em espaços públicos, questionadoras dos problemas ambientais, notadamente preocupadas com as MCG e as perdas da diversidade biológica e cultural, em distintos países, recorrendo a diferentes linguagens artísticas, do grafite às memes, da literatura à fotografia, do cinema ao hip hop, nas quais a crítica social reforça a compreensão e a promoção do meio ambiente. São as denominadas Humanidades Ambientais. Elas ampliam o alcance da sensibilização e da inquietação diante das injustiças que se acumulam sob a globalização neoliberal, reproduzidas sob as atividades predatórias da vida e do trabalho, das paisagens e do patrimônio natural, em escala planetária.
A diversidade cultural mundial – étnica, linguística, estética, religiosa, cosmogônica – combina-se na afirmação da vida e do mundo como valores inseparáveis, incompreensíveis isoladamente. Cultura e meio ambiente caminham juntos. Induzem à ação pela indignação crítica, o sarcasmo, a ironia, a precisão, as sabedorias ancestrais, a contundência na responsabilização social e política pelos riscos e ameaças a que o planeta e suas gentes estão submetidos diariamente. A eficácia comunicativa alcançada é surpreendente pois toca a imaginação e a vontade, ante o pessimismo da razão. Vai além da consciência ambiental e convida ao otimismo criativo e à mudança social programada na superação de desafios globais e nacionais.
Será preciso extrair a poesia do futuro a partir do arruinamento que distingue a realidade mundial, em geral, e brasileira, em particular
O mundo que emerge com o fim da pandemia, o estrangulamento da globalização neoliberal e o retorno da guerra na Europa não deixa alternativas. Será preciso extrair a poesia do futuro a partir do arruinamento que distingue a realidade mundial, em geral, e brasileira, em particular. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável estabelecida pela ONU, em 2015, proporciona um conjunto articulado, abrangente e relativamente consensual para o diálogo inicial quanto à compatibilidade de projetos que respondam efetivamente às crises locais, regionais e globais. Há que se promover, expandir e aprofundar o debate público embutido nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a flexibilidade que comportam na composição transversal desejada no atendimento de metas específicas e nas abordagens interdisciplinares em torno das linhas estratégicas dos cinco Pês – Pessoas, Planeta, Prosperidade, Paz e Parcerias – enunciados na Agenda 2030.
A ênfase no desenvolvimento de capacidades oferece possibilidades de ação convergentes entre a realização dos direitos humanos universais e a formação inicial e continuada de profissionais atuantes na elaboração de diretrizes institucionais indutoras do debate, da troca de experiências e da inovação social e cultural. Estes são passos fundamentais, incontornáveis e necessariamente articulados, em uma agenda de reinvenção individual e coletiva da vida social no século 21. As universidades, a criação artística e os movimentos sociais são protagonistas talhados no tempo e no espaço para o desempenho de papéis aglutinadores e catalisadores do debate público, da cultura humanística, técnica e científica, do engajamento intensivo e da participação política de pessoas e instituições, da sociedade e das diferentes esferas de governo, do local ao global, na promoção da Agenda 2030, no espírito das já mencionadas Humanidades Ambientais.
Uma vez mais, a coleta de dados e informações de referência, evidências precisas, mais do que juízos de valor, de autoridades competentes, ideológicos e morais de todo e qualquer tipo – outro alerta do professor Aziz Ab’Sáber – compõem a base operacional na concepção, implementação e avaliação de projetos sociais e políticas públicas para o desenvolvimento de capacidades, em múltiplas escalas de inserção.
Uma dupla transição, verde e digital
Em 2022, os desafios são conhecidos. A complexidade e escala não têm precedentes. A agenda ambiental global e local está marcada pela urgência na adaptação e mitigação de efeitos das MCG. Aos temas recorrentes do último meio século – poluição, biodiversidade, saúde humana, cooperação internacional etc. – soma-se agora a definição de caminhos para a dupla transição, verde e digital, a apropriação consistente e eficaz do binômio tecnologia e sustentabilidade nas práticas cotidianas e da busca de soluções inovadoras que assegurem bem-estar econômico e social para as presentes e futuras gerações. A Agenda 2030 é a bússola para o início da empreitada que tenha a diversidade cultural e biológica como ponto de partida e de chegada das iniciativas individuais, institucionais e sociais.
As tecnologias de comunicação em pleno desenvolvimento permitem a ampliação do diálogo e da participação social, além da disseminação de informações sobre boas práticas e gestão democrática. A cooperação na pesquisa científica e nos conhecimentos humanísticos – tecnologias limpas, ciências do mar, experiências culturais centradas nas pessoas, inclusivas e positivas, segurança alimentar – confere novas dinâmicas para soluções inovadoras no atendimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030. Tecnologia e sustentabilidade são as coordenadas basilares na reorganização imposta pelo cotidiano no mundo pós-pandemia. Trata-se de conduzir a dupla transição – verde e digital – para muito além das expectativas da nascente e sintomática Environmental and Social Governance (ESG).
Paulo Henrique Martinez é professor na Universidade Estadual Paulista (UNESP), Departamento de História da Faculdade de Ciências e Letras de Assis.
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