Pesquisa da Unesp investiga ligações e rupturas entre obra de David Bowie e a Contracultura

Estudo investiga virada artística na obra do músico entre fins dos anos 1960 e início dos anos 1970, e mostra como o gradual abandono de elementos como sonoridade psicodélica e visão utópica do mundo refletiam mudanças de valores que estavam ocorrendo na sociedade global à época.

O cantor, compositor e produtor musical britânico David Robert Jones entrou para a história do Rock usando seu nome artístico, David Bowie. Igualmente famoso é o epíteto de camaleão do rock, que se tornou quase um sobrenome, devido a sua capacidade de renovar sua sonoridade e sua imagem ao longo de toda a carreira. Bowie imprimiu sua marca na música e na cultura pop mundial e deixou uma obra peculiar e intelectualizada, na qual o sucesso popular não impediu seu flerte com estilos alternativos como o punk e  o psicodelismo.

A pesquisa de mestrado intitulada “Um olhar Absorto: David Bowie e a Contracultura”, elaborada por José César Fernandes Gomes, levanta análises distintas do artista na transição do final dos anos 1960 e início dos 1970. Gomes é membro do Grupo de Estudos Culturais e também aluno de mestrado no Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, câmpus da Unesp em Franca.

“Quando se pensa na obra do Bowie nos anos 1960, podemos observar que esse período se caracterizou por registros de estúdio que remetiam a experimentações do Pink Floyd na fase com Syd Barrett, pelos timbres brilhantes escolhidos para os arranjos de violão e pelos festivais livres que ocorriam na Inglaterra. Porém, na virada dos anos 1970, tais características, que sinalizavam uma projeção utópica em consonância com as expressões artísticas da contracultura britânica, passaram a ser cada vez mais difíceis de serem encontradas na música dele”, relata César.

De acordo com o estudo, o LP The Man Who Sold the World, gravado e lançado pelo artista no ano de 1970, no Reino Unido, apresenta contradições que apontam o processo de enfraquecimento da contracultura do final da década de 1960. “Dessa forma, a principal discussão que podemos assinalar, entre os temas deste álbum, é a questão de que o artista ilustra um processo de perda da relação crítica do indivíduo com seu contexto e a emergência de um entendimento niilista da realidade.  Em uma disputa entre suas pulsões hedonistas de decadência e uma preocupação com o futuro, essa figura de olhar absorto é representada pela imagem da capa. Esses aspectos são apreendidos principalmente pela abordagem musical do disco, que propositalmente é construído por passagens de blues com um tratamento psicodélico e canções mais diretas, de fácil audição. Existem apenas algumas exceções, dentre as quais está After all, a faixa que pretendemos analisar neste trabalho”, explica Gomes.

Contrastando com essa temática, que é desenvolvida ao longo do álbum, todo o processo de composição, gravação e produção das faixas ainda foram realizadas de forma coletiva e colaborativa, nos moldes da arte sessentista, focando as questões do momento e do processo. Embora The Man Who Sold the World traga o nome de Bowie, a autoria das músicas e das experimentações musicais são muito ligadas ao trabalho da banda, e todo o processo de produção artística se aproxima mais dos happenings da Contracultura do que dos modos e técnicas de performance que se popularizariam na década de 1970. Essas características são mais latentes quando comparadas aos dois álbuns do artistas lançados nos anos seguintes Hunky Dory (1971) e The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders From Mars (1972).

Nos LPs posteriores, o músico adotou diferentes procedimentos artísticos e novas estratégias para conservar alguma criticidade à sua arte. Porém, é em The Man Who Sold The Word que Bowie apresenta a problemática do fim de uma projeção utópica da sociedade, e uma nova e emergente projeção de futuro distópica e niilista.

O estudo mostra que, a essa altura o músico Syd Barret, sua principal referência na música psicodélica, já havia sido afastado do Pink Floyd por seu comportamento errático, induzido pelo abuso de drogas. Por outro lado, os festivais livres jamais seriam os mesmos após Altamont, a antítese da paz e amor de Woodstock. E a combinação de voz e violão, característica que definiu os dois primeiros álbuns homônimos de Bowie, lançados em 1967 e 1969, era substituída por linhas delirantes de sintetizador que acompanhavam guitarras distorcidas e faixas carregadas de referências ao ocultismo, erotismo e temas tirados da ficção cientifica,  e que popularizaram de forma global a obra de Bowie.

Para conhecer mais sobre a pesquisa, a música e a obra do artista inglês, escute a íntegra do Podcast Unesp clicando no link abaixo.

Foto acima: Deposit Photos.