Referência nacional, Hospital Veterinário de Botucatu recebe até pacientes vindos de outros estados

Com capacidade para cuidar tanto de animais domésticos como de equinos, bovinos e silvestres, unidade chega a realizar 24 mil atendimentos por ano, e se adaptou para continuar oferecendo cuidados e tratamentos mesmo durante a pandemia.

Mesmo em meio à pandemia de covid-19 que há 22 meses varre o planeta, o Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (HV/FMVZ) da Unesp, situado no câmpus de Botucatu, segue atendendo a população. O HV ficou fechado por alguns meses em 2020, mas pôde reabrir e voltar a atuar, adotando um regime diferenciado, que privilegia a segurança. A equipe de 750 funcionários é testada integralmente toda semana, e são afastados tanto os indivíduos que apresentam resultado positivo quanto os que tiveram contato com eles. Ao invés do atendimento por ordem de chegada, oi instituído regime de agendamento prévio. E o número de acompanhantes por animal foi reduzido para um, com a condição de que esta pessoa não apresente sintomas gripais.

Esse sistema tem permitido ao HV preservar uma média de 50 atendimentos diários, beneficiando tanto os animais domésticos, trazidos para consultas pelos moradores da região, como os equinos, bovinos e animais silvestres que ficam internados em suas instalações, e que muitas vezes vêm até de outros estados para serem submetidos a exames mais avançados.

Para os dirigentes e a equipe do HV, voltar ao sistema normal de funcionamento é um objetivo valioso, ainda que o surgimento da nova variante ômicron pareça ter adiado um pouco as coisas. Até 2019, último ano de trabalho ininterrupto, em condições pré-pandemia, a instituição realizava 24 mil atendimentos por ano, entre consultas e retornos. Esses números o estabelecem, com folga, entre os maiores hospitais veterinários da América Latina.

Programa pioneiro de residência médica

Os atendimentos a pequenos e grandes animais na Faculdade começaram já desde o início do funcionamento do curso de Medicina Veterinária, em 1963, como parte da Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu (FCMBB), instituto isolado que precedeu a criação da Unesp. Três anos depois, as atividades hospitalares da Medicina Veterinária ficaram concentradas numa área do câmpus de Botucatu apelidada de “Morrinho”, onde atualmente se encontra o prédio da Diretora do Instituto de Biociências da Unesp. As instalações simples, com salas pequenas e poucos equipamentos, concentravam atendimentos, cirurgias, atividades laboratoriais e aulas práticas, exigindo de docentes e alunos, muita capacidade de improviso e adaptação.

Em 1973, ainda longe das condições ideais de funcionamento, o Hospital Veterinário de Botucatu foi a primeira instituição brasileira a implantar um Programa de Residência Médica Veterinária. Também foi o primeiro hospital-escola veterinário registrado pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV), além de ser o pioneiro em manter plantões de atendimento de 24 horas.

Em 1974, após estudos de uma comissão formada pelos professores Waldir Gandolfi, Otávio Campos Neto e Flavio Baccari, o Hospital Veterinário foi transferido para a área em que funciona atualmente. A estrutura construída na época, hoje já bastante ampliada, era composta por três prédios modulares, que abrigavam triagem, ambulatório de pequenos animais, clínica e cirurgia de grandes animais, baias, canil, salas de docentes, cirurgia de pequenos animais, área de Patologia, Laboratório Clínico e uma sala de aula. O novo Hospital encerraria o ano de 1974 contabilizando mais de duas mil consultas e quase quatrocentas cirurgias. Sua inauguração oficial só aconteceria em 1976.

Da hemodiálise aos exames avançados para audição

Pelas décadas seguintes, o HV consolidou sua posição como referência em saúde animal no país e foi incorporando novos serviços e especialidades às suas atividades. Mesmo com o aumento significativo no número de clínicas e hospitais veterinários particulares nos últimos anos, o HV/FMVZ segue sendo muito procurado por proprietários de animais e mesmo por médicos veterinários profissionais, atendendo casos de Botucatu e de centenas de outros municípios do Estado de São Paulo. Atualmente, são 26 serviços oferecidos, divididos nas grandes áreas Cirurgia Veterinária, Reprodução Animal, Clínica Veterinária, Produção Animal e Medicina Preventiva.

O professor Alexandre Secorun Borges, supervisor do Hospital Veterinário da FMVZ, aponta a qualidade dos recursos humanos e a diversidade de áreas atendidas como principais motivos para que o HV continue sendo referência na área. “Contamos com equipes com treinamento avançado para casos clínicos e cirúrgicos complexos, com profissionais com experiência no atendimento aos animais e também no treinamento de outros médicos-veterinários. Possuímos equipamentos de última geração para diagnóstico, alguns deles disponíveis em poucos centros no Brasil.”

Um exemplo é o pioneirismo do Hospital Veterinário na realização do exame de potencial evocado auditivo em animais no Brasil. O procedimento avalia o percurso do som, desde o ouvido até o tronco encefálico. O HV conta com um equipamento de eletrodiagnóstico que permite a realização desse exame com diferentes aplicações clínicas, notadamente para diagnóstico de surdez neurossensorial em animais de raças predispostas. “A ocorrência deste tipo de surdez pode ser bastante elevada, principalmente em animais com coloração da pelagem predominantemente branca, como os dálmatas. Alguns estudos têm mostrado ocorrência de até 30% de surdez em determinadas raças”, explica o professor Borges.

O HV da FMVZ/Unesp também foi uma das primeiras instituições brasileiras a disponibilizar um serviço regular de hemodiálise em animais, a partir de 2014. A hemodiálise é uma terapia utilizada para remoção de fármacos, toxinas e água do organismo, melhorando a qualidade e prolongando a vida do animal. A criação do Centro de Diálise permitiu oferecer esse serviço a preços acessíveis na rotina do atendimento hospitalar, servindo também à formação dos estudantes e abrindo novas possibilidades de pesquisa na área.

Atendimento na clínica de pequenos animais do HV. Crédito: HV-FMVZ

Em 2020, o HV da FMVZ tornou-se a primeira instituição universitáriabrasileira a oferecer a Troca Plasmática Terapêutica para pequenos animais entre seus serviços. Essa terapia remove elementos prejudiciais do plasma sanguíneo (substância componente do sangue que corresponde a sua parte líquida e reúne os elementos celulares: hemácias ou eritrócitos, leucócitos e plaquetas) produzidos em algumas afecções e devolve um plasma sem substâncias indesejáveis. Na Medicina Veterinária, onde sua utilização é recente, pode ser aplicada nos casos de doenças imunológicas primárias ou secundárias “Com a inclusão da nova técnica extracorpórea a equipe da Nefrologia e Urologia de Pequenos Animais pode tratar doenças autoimunes e retirar substâncias indesejáveis do plasma, proporcionando uma melhor qualidade de vida e bem-estar para os pequenos animais. Além disso, podemos realizar pesquisas nessas áreas, por meio de parcerias já existentes com instituições brasileiras e estrangeiras”, destaca a professora Priscylla Tatiana Chalfun Guimarães Okamoto, criadora do Centro de Diálise da FMVZ e responsável pelo Serviço de Nefrologia e Urologia de Pequenos Animais do HV.

O HV também é pioneiro na criação de um Ambulatório de Acupuntura, há 21 anos, por iniciativa do professor Stélio Pacca Loureiro Luna. No setor, pequenos e grandes animais são tratados com técnicas como acupuntura, eletroacupuntura, aquapuntura, homeopuntura, moxabustão e outras. Apesar de atender qualquer problema clínico no âmbito de sua atuação, o ambulatório é muito procurado para tratamento de distúrbios ósseos e neuromusculares, e atendimentos com finalidade analgésica em ocorrências de hérnia de disco, compressão da medula espinhal e outros em que os animais sofrem com dor ou paralisia. Em 2019, o Ambulatório de Acupuntura realizou mais de três mil e trezentas sessões de acupuntura. Os números incluem atendimentos a bovinos, equinos e também animais silvestres.

Além dos exemplos citados, o professor Borges ressalta que na rotina hospitalar do HV, são muito importantes os equipamentos para exames de ressonância magnética, eletroneuromiografia, esteiras para avaliação de locomoção, a realização de exames laboratoriais avançados, atendimento especializado em enfermidades infecciosas e equipamentos de monitoramento de anestesias. “Ao realizar o diagnóstico, o tratamento e a prevenção de diferentes enfermidades nos animais domésticos, inclusive muitas delas consideradas zoonoses, a atuação do HV acontece com foco no conceito de Saúde Única, ou seja, a união indissociável entre a saúde animal, humana e ambiental”.

Grandes e selvagens

Parte significativa dos casos atendidos no HV refere-se a pequenos animais, como não poderia deixar de ser. O Brasil é o terceiro maior país em população total dos chamados “pets”, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação. Apesar da alta casuística de atendimentos a pequenos animais, os serviços do HV voltados a grandes animais são amplamente reconhecidos como de excelência. “A área de Reprodução de Grandes Animais mantém grande prestígio no Brasil e no exterior, na realização de estudos e procedimentos que permitem a reprodução de equinos, bovinos e ovinos. O setor de Cirurgia realiza procedimentos cirúrgicos complexos e também tem pioneirismos em áreas de reabilitação, incluindo pesquisas com células-tronco. Já a área de Clínica de Grandes Animais se destaca no estudo de enfermidades neurológicas e genéticas e tem equipe preparada para aplicação de tratamento intensivo”, enumera o professor Borges. “Todas estas áreas também participam ativamente no diagnóstico de doenças, permitindo a recuperação dos pacientes e diminuindo a mortalidade em rebanhos.”

Tigre passa por exame no CEMPAS. Crédito: HV-FMVZ

O Hospital Veterinário da FMVZ/Unesp também conta com o Centro de Medicina e Pesquisa em Animais Selvagens – o Cempas – que presta atendimento especializado nas áreas de clínica, cirurgia e de diagnóstico a animais selvagens em situação de risco, resgatados pelo poder público ou encaminhados pela população. O Cempas atua na recuperação dos animais até sua soltura na natureza ou encaminhamento a criadores autorizados pelo Ibama. A equipe do Centro, formada por docentes da FMVZ e médicos-veterinários residentes, promove capacitações periódicas sobre contenção e resgate de animais selvagens para agentes da Polícia Militar Ambiental, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros e Vigilância Sanitária.

Pelo exotismo de certos animais atendidos, frequentemente o trabalho do Cempas ganha a atenção da mídia regional. Em outubro passado, por exemplo, o Cempas atendeu um tigre pertencente a uma fundação mantenedora da fauna exótica, com suspeita de um tumor abdominal. Com o emprego de equipamentos de diagnóstico por imagem de última geração, adquiridos por meio da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), e sob a coordenação das professoras Maria Jaqueline Mamprim e Sheila Canevese Rahal, a equipe do Cempas efetuou o diagnóstico preciso e realizou o procedimento cirúrgico necessário para a recuperação do animal.

Algumas semanas antes, a equipe do Cempas havia dado suporte remoto ao tratamento de uma fêmea de preguiça-real (Choloepusdidactylus), que estava sob cuidados hospitalares em Manaus. Encontrado na área urbana da capital amazonense, o animal apresentava apatia, ferimentos superficiais e profundos nos membros inferiores, com sinais clínicos característicos de eletrocussão. O processo de internação, manejo e reabilitação do animal foi feito pelo Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, com a colaboração on-line do professor Carlos Roberto Teixeira e da equipe do Cempas. Submetida a procedimento cirúrgico e plenamente recuperada, preguiça-real já foi solta na natureza.

Em 2020, mesmo em condições especiais de funcionamento por conta da pandemia, atendendo apenas urgências e emergências, o Cempas atendeu cerca de mil e duzentos casos. O trabalho intenso do Centro ao longo dos anos fundamentou a criação do Programa de Pós-Graduação em Animais Selvagens em 2015, o primeiro nessa área no Brasil. Assim como os demais programas de pós-graduação da FMVZ (Medicina Veterinária, Zootecnia e Biotecnologia Animal) ele tem no Hospital Veterinário uma base de apoio importante para a realização de suas atividades. “A maioria das pesquisas realizadas aqui busca solucionar problemas da saúde animal observados nos pacientes durante a rotina hospitalar”, observa o professor Borges. “Podemos considerar que as atividades da pós-graduação são indissociáveis do HV. É aqui que os pós-graduandos encontram condições para utilizar equipamentos e laboratórios que vão fundamentar suas teses e dissertações.”

Reforma das instalações vai garantir qualidade do atendimento no futuro

Para o futuro, a direção da FMVZ espera garantir a continuidade da excelência nas atividades do Hospital Veterinário, modernizando as instalações e minimizando alguns problemas estruturais originados pelas mudanças nas demandas de atendimento ao longo dos anos.

Parte das instalações atuais. Conjunto deve passar por reformas. Crédito: HV-FMVZ

Está em andamento um projeto arrojado para reforma, adequação e ampliação de dois grandes blocos do Hospital Veterinário. A área a ser reformada inclui setores onde atualmente funcionam a recepção, a triagem e a clínica de pequenos animais, estrutura construída na década de 1970, que sofreu várias adaptações ao longo dos anos.

O professor Meira elenca vários benefícios que a nova estrutura deverá trazer. “O Hospital Veterinário ganhará, não apenas com a melhoria do fluxo de animais e seus tutores, mas também em comodidade para o usuário e para nossa equipe. O atendimento ganhará com a proximidade entre os médicos-veterinários residentes e docentes das diferentes áreas, facilitando a comunicação e o trabalho conjunto. A distribuição e o controle de medicamentos serão facilitados e a parte administrativa do HV também ficará concentrada num único setor, algo que não acontece atualmente. Sabemos das dificuldades para a realização de uma obra desse tamanho neste momento. É um trabalho que se estenderá para a próxima gestão da Faculdade, mas temos que dar o passo inicial pensando no futuro e na continuidade da qualidade dos nossos serviços.”