Nova frente parlamentar para defender pesquisa na área biomédica deve ser implementada em 2022

Iniciativa da Federação de Sociedades de Biologia Experimental tem apoio de pesquisadores, instituições científicas, políticos e do MCTI. Objetivo é melhorar interlocução com o legislativo sobre pautas de biomedicina e criar mecanismos para assegurar financiamento.

No próximo ano, o Congresso Nacional deve ganhar uma nova frente parlamentar destinada a defender as pautas de C,T&I. Trata-se da Frente Parlamentar da Pesquisa Biomédica, uma iniciativa que vem se estruturando graças à mobilização de sociedades científicas, setores da academia e de apoiadores, inclusive no próprio Governo Federal e na Câmara dos Deputados.

A criação da frente é uma pauta que vem sendo tocada há alguns anos, a partir da atuação da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FESBE). Nesta entrevista ao Jornal da Unesp, o atual presidente da FESBE,  Eduardo Colombari, que é professor da Faculdade de Odontologia da Unesp, câmpus de Araraquara, explica quais os objetivos da frente e de que forma ela pode fazer a diferença no desafio de assegurar recursos para a pesquisa científica no país.

Como surgiu a proposta da criação da Frente Parlamentar da Pesquisa Biomédica?

Eduardo Colombari: Estamos passando por um momento em que o financiamento da ciência e tecnologia no Brasil está muito aquém do que deveria. A Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FESBE) tem como um de seus objetivos criar essa frente parlamentar para poder levar as nossas demandas, de maneira mais incisiva, ao Congresso Nacional.

É preciso deixar claro que esse trabalho já vem sendo fomentado há alguns anos pelos presidentes anteriores. Eu assumi a Federação este ano. Mas até este ano a ideia não havia caminhado muito, porque estávamos sempre na dependência de encontrar um deputado para criar a frente.

Como essa frente pode atuar?

Eduardo: Por exemplo, ela pode propor novas leis que estabeleçam uma destinação mínima de investimento do orçamento para ciência e tecnologia. A frente poderia nos ajudar em uma série de demandas, as quais constituiriam um apoio importante para o trabalho desses grupos de cientistas.

A FESBE envolve todas as sociedades que estão diretamente relacionadas com a área da pesquisa em saúde. Isso inclui a biomedicina, a experimentação animal, a descoberta de novos fármacos, a bioengenharia… Os cientistas ligados às sociedades que formam a FESBE  estão na casa dos quinze mil. E se contabilizarmos também estudantes de iniciação científica, estudantes de pós-graduação, pós-doutores e técnicos, chegaremos a um universo que ultrapassa facilmente a casa dos cem mil participantes. São pessoas que atuam na linha de frente da geração do conhecimento que pode ser aplicado a fim de beneficiar a população. 

Um bom exemplo [da contribuição das pesquisas deste segmento] está nos estudos que foram realizados a partir da pandemia de covid-19.  Nós tivemos, em um curto espaço de tempo, uma série de estudos que permitiram a criação de vacinas e  o aprofundamento do conhecimento sobre o vírus. Os estudos contribuíram para uma melhor orientação da população e para a diminuição da mortalidade com a vacinação.

E a covid-19 é só um dos exemplos. Também se pode citar a pesquisa a respeito da malária, da hipertensão, da obesidade, da desnutrição… Enfim, há uma série de situações em que são necessários estudos para que se possa aprofundar o conhecimento e assim melhorar a condição de vida da população.

A criação dessa frente parlamentar nos daria oportunidade de compartilhar com o Congresso os resultados de nossas pesquisas. Seria possível estabelecer uma agenda de reuniões no parlamento para apresentar aos deputados o conhecimento gerado por essas sociedades de forma que, quando eles tiverem que votar determinado projeto de lei, possam atuar com mais consciência, com mais propriedade. Esse é um dos nossos principais objetivos.

Já existe uma Frente de Defesa da Ciência, Tecnologia, Pesquisa e Inovação. Qual poderia ser a diferença de atuação entre ambas?

Eduardo: Sim, essa frente é inclusive ligada à Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC). Mas, muitas vezes, as demandas de C&T mais específicas da área de biomedicina se diluem no contexto da atuação da frente que já existe.

Quando estabelecemos, por exemplo, ”vamos destinar tal percentual do orçamento para C&T”, estamos falando de um universo que é muito amplo. É importante que a gente tenha projetos mais bem delineados para apresentar ao Congresso. Até para que os congressistas possam entender que muitas vezes é preciso dispensar atenção especial a uma determinada situação.  E ela pode não ser a demanda principal abordada por uma frente que já existe.

O que queremos é melhorar a nossa visibilidade. É uma forma de valorizar a  ciência que nós fazemos na área de biomedicina. Estamos falando de um conjunto de cientistas com um percentual altíssimo de publicações, que atraem visibilidade nacional e internacional.

O Congresso possui também uma comissão que trata de temas de ciência e tecnologia. O que uma nova frente parlamentar poderia acrescentar que não pode ser feito pela comissão?    

Eduardo: A atuação dessa comissão é insuficiente. O investimento em ciência e tecnologia de uma maneira geral vem caindo nos últimos anos de maneira vertiginosa. Estamos num nível inédito de precariedade de investimento. Então, tanto a frente parlamentar para C,T&I quanto a comissão não estão sendo suficientes para defender nossos interesses.  É preciso juntar mais forças e criar novos mecanismos para que as demandas possam ser mais bem posicionadas. Assim como existe a frente que representa a bancada evangélica, nós temos que ter a frente da bancada das ciências biomédicas.

Esse é um segmento que tem recebido um investimento muito baixo, mas que reverte em grandes contribuições ao bem-estar da população. Ações como veicular o sistema de vacinação, criar novas vacinas, desenvolver novas terapêuticas para doenças… Isso tudo tem uma grande abrangência de retribuição para o investimento do contribuinte através dos seus impostos.

É preciso que a gente possa apresentar quais são as nossas demandas e necessidades para as pessoas que estão à frente tomando decisões sobre orçamento. E para que depois a gente possa cobrar a execução desse orçamento, de maneira a fomentar o progresso nas ciências biomédicas.

Quais são os outros atores que colaboram na criação dessa frente?

Eduardo: Internamente à FESBE, há pessoas ligadas à direção. É o caso dos dois vice-presidentes, o professor André Pupo, que é da Unesp de Botucatu,  e a professora Leda Vieira, da UFMG. E também os secretários, que são o professor Marcel Frajblat da UFRJ e a professora Ana Carolina Takakura, da USP de São Paulo. É esse grupo que está fomentando.

É importante ressaltar que a nossa demanda surtiu efeito junto às pessoas que estão lá na liderança do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O professor Marcelo Morales, que é secretário de pesquisa e formação do MCTI, é um cientista e integra uma das sociedades que faz parte da FESBE. Ele também está contribuindo para fomentar a criação da frente parlamentar, porque reconhece a necessidade de maior participação da FESBE nas decisões que acontecem em Brasília, mas vê uma lacuna neste sentido. O MCTI só poderá ter uma atuação melhor se as demandas de investimento necessárias forem colocadas em pauta pelo Congresso e defendidas por um grupo de deputados que possui interesses convergentes, independentemente de qual seja o seu partido.

Nós temos também o apoio de presidentes de agências financiadoras, como o professor Jerson Lima, presidente da FAPERJ, e o professor Luiz Eugênio Mello, que é atualmente diretor científico da FAPESP e que já foi presidente da FESBE. São pessoas que sabem da necessidade de uma ação positiva frente às necessidades das ciências biomédicas. As ciências  biomédicas têm um custo de operação muito alto. É uma área em que a pesquisa é cara. Mas, por outro lado, ela dá um retorno imediato no sentido de melhorar a condição de vida das pessoas e proporcionar melhores condições de saúde.

A deputada Mariana Carvalho (PSDB-RO) é quem está conduzindo esse processo de captação de assinaturas no Congresso para  a formação da Frente. Como ocorreu a aproximação com ela?

Eduardo: Com o apoio do professor Marcelo, que tem atuando bastante no Congresso no sentido de difundir os assuntos relativos à ciência brasileira. A deputada Mariana Carvalho se mostrou interessada em ajudar.

Recentemente nós tivemos um corte tão grande que prejudicou, por exemplo, o financiamento de vários projetos que haviam sido aprovadas pelo CNPq . Não houve recursos para custear estas pesquisas, devido a um remanejamento que retirou verbas do MCTI. A deputada se sensibilizou com essa situação e, junto com outros parlamentares, está buscando reverter esse quadro. Ela está encabeçando o projeto da frente parlamentar no sentido de angariar estas assinaturas, com a ideia de trazer novas verbas para o ministério. Isso não significa que haja qualquer compromisso com o partido dela, ou com o seu estado de origem.

E quais são as ações práticas que vocês tão conduzindo pra fomentar a criação dessa frente?

Eduardo: Temos já um perfil nosso no Twitter. Neste momento estamos tentando convencer os deputados a assinarem o requerimento para a criação da frente. Estamos procurando dialogar com todos os contatos que temos no Congresso para que eles possam assinar esse requerimento. Temos em torno de 139 assinaturas, mas precisamos de 190. Uma das formas que temos para fazer esses contatos é por meio das sociedades que a FESBE confedera, procurando estimular o estabelecimento de contatos com deputados próximos. Aqui pela Unesp temos tido o apoio de pessoas como o assessor José Carrijo Andrade.

Aproveitamos também uma atividade que ocorre anualmente, que é o congresso regional da FESBE. Ele sempre é realizado em alguma região do Brasil que possui menos estrutura. No próximo ano ele ocorrerá em São Luiz do Maranhão. Nessas oportunidades, fazemos também contatos com os deputados daquele estado. O objetivo é mostrar a eles a importância de fomentar a ciência. Até porque, embora a ciência biomédica esteja concentrada principalmente na região Sudeste, ela pode beneficiar a população de outras regiões.

O professor Luiz Eugênio já deu um exemplo muito interessante. Na região Norte, a malária é um problema. Está sendo desenvolvida uma vacina contra a malária fora do Brasil, mas ela deve funcionar muito bem para combater a transmissão da doença na África. Porém, no Brasil, vamos precisar de um tipo diferente de vacina porque aqui o parasita responsável pela transmissão tem características diferentes. Então, para que a vacina possa, em última instância, chegar às pessoas que estão na beira dos rios, e agir como tratamento preventivo para a malária, teremos que desenvolver nossa própria pesquisa.  É difícil imaginar que em pleno século 21 a população que reside na região Norte ainda sofre prejuízos e mortes causados por doenças como a malária.

Quais serão os próximos passos?

Eduardo: O objetivo é que em fevereiro, quando ocorrer o início das atividades do Congresso, nós possamos fazer o lançamento da frente parlamentar, já com todas as 190 assinaturas coletadas, e dar início a uma agenda de atividades que será extremamente importante para orientar os deputados no sentido de apoiar as demandas das ciências biomédicas.