Ciclones subtropicais, como o que afetou o regime de chuvas no sul da Bahia semana passada, serão ainda mais intensos ao longo do século

Estudo usou modelos globais desenvolvidos pelo IPCC para simular cenários para formação de ciclones no Atlântico Sul pelos próximos 60 anos. Para pesquisador da Unesp, resultados são alerta para que se persiga a mitigação da mudança climática.

O ciclone subtropical Ubá, que se formou nas últimas semanas no Atlântico Sul, na altura do litoral do Rio de Janeiro, foi o responsável pelas fortes chuvas que atingiram com gravidade o sul da Bahia desde a noite de terça-feira, dia 7, alagando diversas cidades. O estrago deixou 70 mil pessoas desabrigadas ou desalojadas em 35 municípios da região, e levou pelo menos 30 prefeitos a decretarem estado de emergência. Ao menos 10 pessoas morreram.

Infelizmente, é possível que nas próximas décadas cenas assim sejam ainda mais fortes. Segundo os estudos de uma equipe de climatologistas de diversas instituições brasileiras, a elevação da temperatura da Terra e as mudanças climáticas farão com que, no futuro, eventos semelhantes se tornem ainda mais intensos. A boa notícia é que eles talvez sejam menos frequentes.

Embora esses ciclones ocorram, em sua grande maioria, sobre o oceano, seus efeitos nos ventos ou na maré, por exemplo, costumam alcançar a costa brasileira. Mais especificamente, a faixa litorânea que se estende entre os estados de Santa Catarina e o sul da Bahia. Esta é uma área de grande concentração populacional e que abriga importantes atividades econômicas. O porto de Santos, o maior da América Latina, e as bacias de Campos e de Santos, que produzem a maior parte do petróleo e dos gás natural do país, estão localizados nessa área, para citar apenas dois exemplos.

Segundo o professor Luiz Felippe Gozzo, do Instituto de Pesquisas Meteorológicas (IPMet) da Unesp, um dos participantes da pesquisa, os ciclones subtropicais são um fenômeno “intermediário” entre os ciclones extratropicais e os ciclones tropicais, popularmente chamados de furacões ou tufões, ocorrendo principalmente durante o verão e outono (veja abaixo a descrição dos diferentes tipos de ciclones).

De acordo com o estudo, publicado na revista científica Climate Dynamics, a ocorrência de ciclones subtropicais, que hoje é de cerca de oito por ano, passaria a seis até o ano de 2080. “Em nossas previsões consideramos o pior cenário de mudanças climáticas, em que nada é feito para mitigá-las”, explica Gozzo. Para calcular as projeções, os pesquisadores usaram modelos climáticos globais aplicados pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) e o modelo climático regional (chamado RegCM4).

Cidade no sul da Bahia alagada pelas fortes chuvas associadas ao ciclone Ubá. Crédito: Polícia Militar do Estado da Bahia..

Ainda que as previsões indiquem um aumento na intensidade dos ciclones subtropicais, o pesquisador esclarece que isso não implica, necessariamente, a ocorrência de novos furacões como o Catarina. Este nome batizou o ciclone tropical de intensidade inédita que atingiu a costa do estado de Santa Catarina em março de 2004, causando a morte de mais de dez pessoas e prejuízos da ordem de R$ 400 milhões.

Gozzo explica que as conclusões do trabalho estão alinhadas com o que a imensa maioria dos pesquisadores afirma sobre as consequências das mudanças climáticas: a ocorrência de eventos mais raros e cada vez mais extremos. “Acho que os resultados devem ser vistos como mais um recado da comunidade científica no sentido de que precisamos mitigar o processo de aquecimento global”, afirma.

Estudos sobre ciclones subtropicais começaram há poucos anos

Os primeiros estudos sobre furacões remontam ao século 19, e o fato de os ciclones extratropicais ocorrerem com frequência maior favoreceu o desenvolvimento do conhecimento sobre eles. “Ao longo de todo o século 20, acreditava-se que existiam apenas esses dois tipos de ciclones”, diz Gozzo. O cenário começou a mudar a partir dos anos 2000, com o surgimento de ferramentas que ajudaram na identificação desses fenômenos. Considerando-se a região do Atlântico Sul, a primeira climatologia descrevendo um ciclone do tipo subtropical foi publicada apenas em 2012.

Diante da perspectiva de que um trecho do litoral brasileiro populoso e de imensa importância econômica venha futuramente a conviver com os efeitos causados por ciclones subtropicais se formando nas proximidades, é crucial  desenvolver agora o conhecimento de suas características e dinâmicas. “Como ainda estamos construindo o entendimento sobre o sistema de ciclones subtropicais, é difícil fazer previsões sobre o comportamento deles. E saber pode ser um fator fundamental para que se possa orientar a população quanto às ações de prevenção”, aponta.

Conheça as diferenças entre os tipos de ciclone

Ciclone extratropical: ventos em geral em torno de 50-60 km/h, chuvas que podem ser fortes, mas são localizadas. Sistema que atua sobre uma grande área (da ordem de 3000-4000 km2). Possuem frentes frias, portanto após sua passagem a temperatura tende a diminuir. Podem se formar tanto sobre os oceanos como sobre os continentes, nas latitudes médias (aproximadamente entre 70° e 30° de latitude, nos dois hemisférios). São muito comuns no Atlântico Sul, podendo passar pelo sul do Brasil a cada uma ou duas semanas.

Ciclone subtropical: ventos fortes, entre 62 e 100 km/h, chuvas fortes em grandes áreas. Não possuem frentes, portanto não tendem a diminuir a temperatura após sua ocorrência. Formam-se sobre os oceanos, próximos à região costeira. Afetam regiões litorâneas e embarcações. Formam-se em latitudes subtropicais (aproximadamente entre 30° e 15° de latitude, nos dois hemisférios). São menos frequentes que os sistemas extratropicais no Atlântico Sul, contabilizando-se em média 7 sistemas apenas ao longo de todo um ano.

Ciclone tropical (também chamado de furacão ou tufão): ventos extremamente intensos, a partir de 120 km/h (com rajadas que podem passar comumente de 250 km/h), enormes volumes de chuva concentrados sobre áreas relativamente pequenas (da ordem de 100-500 km). Formam-se sobre os oceanos e também podem afetar regiões costeiras. Tendem a se formar entre 15° e 1° de latitude, aproximadamente, em ambos os hemisférios. Estes sistemas são muito raros no Atlântico Sul, sendo que apenas dois foram registrados em toda a história: o furacão Catarina (2004) e o furacão Iba (2019).

Imagem acima: Vista do espaço do ciclone denominado “Tempestade subtropical Ubá” na costa do Sul do Brasil, em imagem de 10 de dezembro. Crédito: Nasa.